Italianos criticam governo por encobrir nudez das estátuas para agradar iranianos
A decisão de encobrir as estátuas nuas da Antiguidade romana para a visita do presidente iraniano, Hassan Rouhani, foi ridicularizada na Itália, com a maior parte das críticas dirigidas ao governo italiano, e estimulou um debate sobre a identidade nacional.
As estátuas, em um corredor que leva a um grande salão dos famosos Museus Capitolinos de Roma, foram escondidas em caixas brancas e altas, em preparação para uma coletiva de imprensa que Rouhani realizaria na segunda-feira (25) com o primeiro-ministro da Itália, Matteo Renzi.
Uma das estátuas era a “Venus Capitolina”, uma cópia romana de uma obra lendária de Praxiteles, do século 4 a.C.; algumas das outras esculturas eram de deuses gregos e romanos antigos, quase sem roupa ou nus.
Enquanto o Irã se reconecta com o mundo, depois de fechar um acordo no verão passado para conter seu programa nuclear em troca da suspensão das sanções econômicas, o episódio desajeitado pareceu um excelente exemplo de choque cultural: um governo islâmico austero que promove a castidade e a piedade se encontra com uma cultura católica romana, mas em grande parte secular, que tem uma reputação de abraçar os prazeres da vida.
O evento também suscitou uma pergunta básica por parte dos italianos: quem mandou que as estátuas fossem encobertas?
Alguns noticiários sugeriram que a delegação iraniana pedira às autoridades italianas que escondessem as estátuas, para evitar qualquer constrangimento de Rouhani. Outros apontaram o dedo para os burocratas italianos nervosos (e talvez excessivamente zelosos).
Um jornal ainda informou que, no grande salão onde os dois líderes falaram, o púlpito foi colocado ao lado e não à frente da estátua equestre do imperador Marco Aurélio, aparentemente para evitar que imagens dos órgãos genitais do cavalo aparecessem nas fotografias.
O governo italiano, evidentemente, não imaginou que seria alvo de tanto alvoroço e zombaria. Um dos cartuns compartilhados mostrava Rouhani confuso, com as caixas ao fundo, perguntando a Renzi: “Onde você me trouxe? À Ikea?”
Muitos críticos italianos, entretanto, disseram que a decisão de encaixotar os nus não era motivo de piada.
“Estátuas cobertas, uma questão mundial”, mandou o jornal de Milão “Corriere dela Sera”, que dedicou duas páginas de artigos e comentários ao problema.
Massimo Gramellini, um colunista do jornal “La Stampa”, de Turim, chamou a cobertura das estátuas um ato covarde de “submissão” em um editorial de primeira página. A intenção, escreveu, era garantir que Rouhani não tivesse um “choque hormonal e rasgasse os contratos recém-assinados com as nossas indústrias italianas”.
Nesta semana, Rouhani está se reunindo com líderes europeus, após a suspensão das sanções contra o seu país sob o acordo assinado Irã no verão passado com seis potências mundiais e a União Europeia, para conter seu programa nuclear. Além de Renzi, Rouhani reuniu-se com o papa Francisco e manteve um encontro com o presidente da França, François Hollande, em Paris, na quinta-feira.
Rouhani, 67, vem de uma família religiosa, mas tem Ph.D. em direito pela Universidade de Glasgow Caledonian, na Escócia, e não é conhecido como um radical religioso.
A política do Irã é extremamente complexa, no entanto, e assuntos religiosos são cuidadosamente policiados pelo regime teocrático que exerce o poder máximo em Teerã, incluindo o líder supremo, aiatolá Ali Khamenei. As representações públicas de nudez são amplamente proibidas no Irã.
O próprio Rouhani abordou a questão na quarta-feira, admoestando a mídia por mexer em um ninho de vespas. “Eu sei que os italianos são um povo muito hospitaleiro e tentam fazer de tudo para deixar seus convidados à vontade, e agradeço-lhes por isso”, disse ele diplomaticamente.
Alguns críticos italianos, apesar de não atacarem Rouhani, acusaram o governo de colocar os interesses econômicos à frente do legado cultural.
“O problema é que essas estátuas --sim, aqueles ícones do classicismo e modelos de humanismo-- são a base da cultura e da civilização europeia e mediterrânea”, escreveu o colunista Michele Serra no jornal “La Repubblica”. Escondê-las, escreveu, “é nos esconder”. Para não ofender o presidente iraniano, escreveu, “nós ofendemos a nós mesmos”.
Políticos da oposição chamaram Renzi de covarde.
“Esta submissão, essa rendição de nossa arte e nossa cultura, é a essência da política de Renzi”, escreveu um parlamentar do Forza Italia, Renato Brunetta, em sua página de Facebook, acusando o primeiro-ministro do usar a retórica nacionalista para ganhar votos, mas, em seguida, abdicar dos valores italianos.
“Você pode fazer acordos e discutir formas de alcançar a paz sem abdicar de si mesmo”, escreveu Brunetta. “Basta ver o papa. Ele não cobriu os crucifixos quando cumprimentou Rouhani.”
Alguns observaram que todo o bafafá poderia ter sido evitado, bastava fazer a entrevista coletiva em um cenário diferente, menos potencialmente ofensivo.
Funcionários dos Museus Capitolinos disseram que a decisão tinha sido tomada pelo gabinete de Renzi, mas funcionários do governo disseram que não sabiam de nada.
O ministro da Cultura, Dario Franceschini, insistiu que nem ele nem Renzi tinham sido informados da decisão.
“Acho que havia outras maneiras simples de não ferir a sensibilidade de um convidado tão importante, evitando essa escolha incompreensível de cobrir as estátuas”, disse ele a repórteres, claramente irritado com a atenção que a questão estava recebendo.
Quando Rouhani deixou a Itália para participar das reuniões na França, alguns italianos continuaram sustentando seus argumentos.
“Vamos ver o que os franceses fazem”, disse Stefano Dorelli, nativo de Roma, refletindo sobre as complicadas questões de protocolo. “Eu não acreditaria se eles cobrissem as estátuas, mesmo que eu visse com meus próprios olhos.”
Os franceses já passaram por certo constrangimento com Rouhani. Em novembro, durante uma visita do presidente iraniano, membros do governo cancelaram um almoço no Palácio do Eliseu, supostamente porque os iranianos teriam insistido que não fosse servido vinho.
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