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Após semana de mortes e violência, americanos vão às igrejas em busca de refúgio

Fiéis rezam na Igreja Batista Friendship-West, em Dallas, onde o atirador Micah Johnson matou cinco policiais durante um protesto - Ilana Panich-Linsman/The New York Times
Fiéis rezam na Igreja Batista Friendship-West, em Dallas, onde o atirador Micah Johnson matou cinco policiais durante um protesto Imagem: Ilana Panich-Linsman/The New York Times

Richard Fausset, Campbell Robertson e Nikole Hannah Jones

Em Dallas, Baton Rouge e Nova York (EUA)

12/07/2016 06h00

Temerosos de que a nação esteja presa em uma espiral de violência e discórdia, muitos americanos buscaram refúgio nos cultos religiosos dominicais. Em salões minúsculos e megaigrejas suburbanas, fiéis lamentavam as mortes dos cinco policiais brancos de Dallas por um atirador negro, que os matou enquanto vigiavam uma manifestação contra a violência policial. Eles também lamentavam pelos dois homens negros mortos a tiros pela polícia na Louisiana e em Minnesota. 

Alguns rezaram pelas almas dos homens que puxaram os gatilhos. Alguns agradeceram a Deus pelos sacrifícios feitos diariamente pela polícia para proteger suas cidades. Alguns agradeceram a Deus pela tecnologia que permite ao mundo ver os atos controversos de violência policial contra os negros. 

Na Catedral de São Patrício, em Nova York, o cardeal Timothy Dolan falou de um país "preocupado, frustrado e cansado de tanta violência sem sentido". 

"De Minnesota a Louisiana e Texas, uma nação sob Deus examina sua alma", ele disse. "Tristeza e um clima pesado estão especialmente presentes em nossas comunidades afro-americana e de agentes da lei." 

A turbulência pareceu próxima, às vezes de forma perturbadora, para muitos frequentadores de igrejas. Manifestantes tomaram as ruas de San Francisco, Chicago, Nova York e Filadélfia, entre outras cidades, horas antes do nascer do sol.

Em Dallas, motoristas tiveram que desviar na manhã de domingo da cena do crime envolvendo 20 quadras, que permanecia fechada no centro da cidade, onde Micah Johnson, um ex-reservista do Exército de 25 anos, usou uma arma semiautomática na semana passada para matar cinco policiais e ferir outros sete, assim como dois civis, antes de a polícia matá-lo como um artefato explosivo levado por um robô. 

A poucas quadras da cena, o prefeito de Dallas, Mike Rawlings, dava uma entrevista no domingo ao programa "Face the Nation" da "CBS", fazendo perguntas sobre sua cidade que muitos americanos, tanto cristãos quanto não cristãos, estão começando a se fazer sobre a nação como um todo. 

"Em um momento de crise, quando policiais são abatidos, podemos perdoar?" disse Rawlings. "Podemos discordar sem satanizar? Podemos ver uma narrativa melhor, em vez de apenas absurdos, onde haja redenção à medida que construímos esta grande cidade?" 

Rawlings, que é branco, também esteve presente na Igreja Potter's House, uma imensa congregação de Dallas liderada pelo televangelista negro T.D. Jakes. O serviço foi mais um evento público prometendo "ferramentas para reconciliação e avanço". O chefe de polícia da cidade, David Brown, e outras autoridades estavam presentes. Entre os oradores e participantes estavam parentes de Alton Sterling, o homem negro morto na Louisiana, e a namorada de Philando Castile, o motorista negro morto a tiros em Minnesota. 

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AFP

A 14 quilômetros dali, nos arredores do sul de Dallas, o reverendo Frederick Douglass Haynes 3º se dirigia a uma congregação de centenas, a maioria negros, na Igreja Batista Friendship-West. Ele disse não estar interessado em pregar uma mensagem de reconciliação se esta não viesse acompanhada de mudanças, nem em uma cura caso simplesmente significasse ignorar a injustiça que levou à violência da semana passada. 

"Não podemos ter um culto normal hoje", ele disse, explicando que estava cansado de realizar cultos após essas tragédias, citando Tamir Rice, Walter Scott e Eric Garner. 

Chamando a nação de um barril de pólvora racial, Haynes disse: "Não haverá união enquanto houver injustiça estruturada. Não haverá paz enquanto não houver justiça". 

"A Bíblia diz que injustiça é um pecado", ele acrescentou. "A Bíblia diz que opressão é um pecado." 

A filha de Haynes estava no protesto de Dallas na noite de quinta-feira e estava conversando com ele por vídeo em seu telefone quando o tiroteio teve início. Haynes, que disse que assistiu o sorriso orgulhoso de sua filha se transformar em gritos, atacou aqueles que tentam colocar a culpa no movimento Black Lives Matter pelo ataque, o chamando de "rancor racista". 

"Aquela era uma marcha pacífica", ele disse. "Policiais e manifestantes estavam tirando selfies." 

Na Igreja Comunitária de Watermark, em Dallas, aqueles que deixavam seus filhos no catecismo caminhavam até o local onde o sargento Michael J. Smith permaneceu por anos, às vezes aos domingos, às vezes durante a semana, ao lado das portas de vidro que levavam às salas de aula da pré-escola. 

Ele estava lá no domingo passado, mas não estava presente neste. Smith, que fornecia segurança à igreja nos seus horários de folga e também era um membro, foi uma das vítimas do atirador na quinta-feira. 

Naquela noite, o pastor principal de Watermark, Todd Wagner, postou uma carta online aos moradores de Dallas. A cidade, ele disse, virou uma "zona de guerra". 

"Como parte dessa guerra, as trevas estão tomando nosso país, porque por algum tempo tanto líderes quanto cidadãos zombaram" da luz de Deus, ele escreveu. 

Reverendo Tommy Gordon na igreja Arca da Segurança, em Baton Rouge, onde um negro foi morto pela polícia - Edmund D. Fountain/The New York Times - Edmund D. Fountain/The New York Times
Reverendo Tommy Gordon na igreja Arca da Segurança, em Baton Rouge
Imagem: Edmund D. Fountain/The New York Times

Em Baton Rouge, cerca de 20 fiéis, quase todos negros, se reuniram na Arca da Segurança, um pequeno templo às vezes frequentado pelos parentes de Sterling, que estava vendendo CDs em um estacionamento antes de ser morto pela polícia na terça-feira. 

Sob as lâmpadas fluorescentes que zumbiam, o reverendo Tommie Gordon disse aos fiéis que se confiassem no mundo, eles se perderiam. "Quando as coisas dão errado, as pessoas sempre querem gritar a respeito", ele disse. "Ninguém ouve. Esta é a hora de ficar de joelhos e rezar." 

Não há nada errado em um protesto dentro da lei, ele disse. Mas acrescentou, mais de uma vez: "Eu nunca vi Jesus em um protesto". 

Brandon Lee, 22 anos, que conhecia Sterling e cujo pai comprava os CDs dele, expressou uma crença que não repetia exatamente a mensagem do culto, do qual Lee participou tocando guitarra e cantando. 

"Eu realmente sinto que começa no homem", ele disse, falando sobre a necessidade de justiça. "Se você consertar o homem, você conserta o mundo." 

Em outros lugares, respostas fáceis pareciam igualmente difíceis de encontrar. Na Igreja Luterana da Natividade, em Saint Anthony, Minnesota, não distante de onde o policial Jeronimo Yanez atirou e matou Castile, o reverendo Glenn Seefeldt pediu orações para ambos os homens. "Queremos fazer parte da solução, não do problema", ele disse. "Mas por onde devemos começar?" 

Seefeldt, cuja congregação é de maioria branca, mencionou o "privilégio branco" e pediu aos fiéis para que pensassem profundamente a respeito de suas ações e preconceitos escondidos. 

"Tenho uma culpa tremenda e real", ele disse. "O que eu, na condição de homem branco, fiz para contribuir para o racismo?"

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