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Difícil de embrulhar: Noruega pode dar pico de montanha de presente à Finlândia

Monte Halti, que fica na Finlândia, mas tem seu pico na Noruega - Mikko Stig/Lehtikuva via AP
Monte Halti, que fica na Finlândia, mas tem seu pico na Noruega Imagem: Mikko Stig/Lehtikuva via AP

Dan Bilefsky e Henrik Pryser Libell*

08/08/2016 06h00

A Noruega está pensando em dar um presente inusitado para sua vizinha Finlândia: o pico de uma montanha. O Monte Halti é a montanha mais alta da Finlândia, mas seu pico de 1.364 metros fica na Noruega.

Para a comemoração do 100º aniversário da declaração de independência da Finlândia em relação à Rússia, em 6 de dezembro de 1917, um grupo de noruegueses está encorajando o governo a mover sua fronteira com a Finlândia cerca de 150 metros para o norte e 200 metros para leste. Assim, o pico de Halti se tornaria o ponto mais alto da Finlândia, ultrapassando um espigão da montanha que culmina em 1.324 metros.

“Existem algumas dificuldades de formalização, e eu ainda não tomei minha decisão final”, disse a primeira-ministra, Erna Solberg, à rede nacional NRK esta semana. “Mas estamos estudando o caso.”

A sugestão do presente foi ideia de Bjorn Geirr Harsson, um funcionário aposentado de 76 anos da Autoridade de Mapeamento da Noruega, que teve a ideia em 1972, quando estava fazendo medições enquanto sobrevoava a fronteira. “Fiquei surpreso: por que diabos eles não haviam ficado com esse pico?”, ele disse à NRK no ano passado.

“Nós não teríamos de ceder nenhuma parte da Noruega. Mal daria para notar. E tenho certeza de que os finlandeses gostariam muito de ganhá-lo.” A linha reta que demarca a fronteira entre Finlândia e Noruega na área do Monte Halti, traçada em meados do século 18, é “ilógica do ponto de vista geofísico”, disse Harsson.

Geir Leiros, prefeito de Kafjord, uma comunidade norueguesa perto da fronteira, apoia esse presente meio difícil de embrulhar. “Custará tão pouco para nós, na verdade nada, mas acredito que teria muito significado para os finlandeses”, ele disse.

A possível redefinição da fronteira foi bem recebida na Finlândia, uma nação orgulhosa ainda que um tanto sem graça, que foi parte do Império Russo por mais de um século, até as duas revoluções russas em 1917: uma que derrubou o regime tsarista e outra que estabeleceu a república bolchevique que se tornou, mais tarde, a União Soviética.

Uma página do Facebook criada em apoio ao presente proposto já reuniu mais de 15 mil “curtidas”. “Seria muito legal”, escreveu na página Harri Nieminen de Tampere, uma cidade no sul da Finlândia. “É uma ideia nobre. Será lembrada na Finlândia por mil anos”, escreveu um leitor no site do jornal finlandês “Helsingin Sanomat” no ano passado, depois que a proposta começou a ganhar força.

A Finlândia, famosa por sua difícil língua uraliana, na qual palavras com três tremas não são incomuns, se orgulha da beleza de suas florestas e lagos, ainda que a Noruega seja mais conhecida pela espetacular topografia, incluindo fiordes, cachoeiras e geleiras. O pico mais alto da Noruega, o Galdhopiggen, tem uma elevação de 2.469 metros, o que o torna quase duas vezes mais alto que o Monte Halti, que não está nem entre os 200 picos mais altos da Noruega.

A diretora-geral da Autoridade de Mapeamento da Noruega, Anne Cathrine Frostrup, respondeu com generosidade a respeito do presente proposto, ainda que com um pouco de condescendência. “É um belo presente para se dar a um país que não tem nenhuma montanha alta, onde o ponto mais alto nem é um pico”, ela disse.

Os samis, uma comunidade indígena que vive em uma região às vezes chamada de Lapônia, que inclui partes de vários países, não estão tão empolgados. Aili Keskitalo, presidente do Parlamento Sami da Noruega, disse que os samis consideram a  montanha sagrada, e que as fronteiras nacionais são irrelevantes. “Acho que isso representa uma visão colonial, uma mentalidade conquistadora à qual sou contrária”, ela disse sobre a proposta de transferência. “Acho absurdo pensar que você pode dar algo que não é seu.”

E acrescentou: “Halti está situada na área Sami, usada pelos samis em ambos os lados da montanha. A fronteira não foi traçada pelos samis, e as fronteiras só nos causaram problemas. De uma perspectiva dos samis, a ideia de que uma montanha possa ser de propriedade de um Estado parece estranha. Para nós, seria melhor se não houvesse fronteira nenhuma.”

Beaska Niillas, outra liderança norueguesa sami, que vive perto da fronteira entre Noruega e Finlândia, foi além. “Acho que se tiverem que devolver terras para alguém, deveriam devolvê-las para os samis”, ele disse, chamando a montanha de “bem roubado”, e acrescentando: “Se o topo da montanha se tornar uma nova atração turística finlandesa, temo pela possibilidade de uma maior pressão pela construção de cabanas, cafés e restaurantes ali.”

E pode haver problemas constitucionais: a constituição de 1814 da Noruega determina que o reino é “indivisível”, e Michael Tetzschner, um membro do Parlamento do Partido Conservador de Solber, disse à NRK que a ideia era inviável (nem todos os especialistas concordam; Oyvind Ravna, um professor de direito na Universidade de Tromso, disse ao jornal “Aftenposten” que ajustes nas fronteiras na verdade são permitidos).

Se o presente de fato for dado, Mikko Majander, um professor-assistente de história política na Universidade de Helsinque, diz que será um gesto apropriado, se considerar que a Finlândia, que foi dominada por suecos e depois por russos, e a Noruega, que foi dominada pelos dinamarqueses e pelos suecos, historicamente se uniram como os perdedores da região.

Ainda assim, Majander admite que a maioria dos finlandeses pode não reparar no presente. “Nós consideramos o Halti nosso, de qualquer forma”, ele disse. “Não sabia que o pico ficava no lado norueguês”.

*Com contribuição de Mari-Leena Kuosa