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Ele foi adotado por americanos há quase 40 anos. Agora, ele se prepara para a deportação

Adam Crapser (esq) posa para foto com as filhas, Christal e Christina, e sua mulher, Anh Nguyen, em Vancouver, Washington (EUA) - Gosia Wozniacka/AP
Adam Crapser (esq) posa para foto com as filhas, Christal e Christina, e sua mulher, Anh Nguyen, em Vancouver, Washington (EUA) Imagem: Gosia Wozniacka/AP

Christine Hauser e Liam Stack

02/11/2016 06h02

Adam Crapser foi adotado na Coreia do Sul há quase quatro décadas, mas hoje se encontra em um centro de detenção para imigrantes no Estado de Washington, aguardando pela deportação, porque seus pais americanos nunca deram entrada na documentação de cidadania para ele.

Crapser, 41 anos, construiu uma vida no Oregon, se casou e criou filhos, mas logo será forçado a deixar o país na qual vive desde que chegou com 3 anos vindo da Coreia do Sul, onde planeja se reunir com sua mãe biológica em uma pequena cidade, que fica a três horas da capital, Seul. A família dele permanecerá temporariamente nos Estados Unidos e esperam se reunir na Coreia do Sul.

"A esta altura, estou pronto para voltar e tentar refazer minha vida lá", disse Crapser na noite de segunda-feira (31), em uma entrevista por telefone do Centro de Detenção do Noroeste em Tacoma, uma semana após um juiz rejeitar seu pedido final de permanência nos Estados Unidos. "Surpreendentemente, há algumas coisas boas que podem resultar disto."

A atitude positiva de Crapser em relação ao duro deslocamento que o aguarda se deve em parte à atenção que seu caso recebeu da mídia tanto nos Estados Unidos quanto na Coreia do Sul, ele disse. Um documentário sul-coreano sobre seu apuro e as vidas de outros coreanos adotados fez com que sua mãe biológica se apresentasse.

"Eu tenho uma família coreana na Coreia", disse Crapser. "Ela foi informada de que estou voltando. É ao mesmo tempo bom e ruim, doce e amargo."

Mas esse desdobramento promissor está longe de ser uma experiência universal. A advogada dele, Lori Walls, disse que  o caso dele ilustra quão fácil é para moradores permanentes serem colocados em procedimentos de deportação, mesmo quando entram no país legalmente como adotados, mas não foram naturalizados pelos seus pais adotivos.

19.mar,.2015 - Adam Crapser com sua filha Christal, em sua casa em Vancourver, Washington (EUA) - Gosia Wozniacka/AP - Gosia Wozniacka/AP
Adam Crapser com sua filha Christal
Imagem: Gosia Wozniacka/AP

Segundo a Campanha pelos Direitos dos Adotados, um grupo de defesa, há cerca de 35 mil pessoas nos Estados Unidos que foram adotadas na infância por casais americanos, mas que não contam com cidadania.

Crapser vivia legalmente nos Estados Unidos com um documento IR-4 dado a crianças adotadas, disse Walls. Em 2001, a Lei de Cidadania da Criança tornou automaticamente cidadãos os detentores de IR-4, mas lei não era retroativa, não beneficiando os adotados que já eram legalmente adultos.

"Adam já tinha mais de 18 e assim ficou de fora da idade limite", disse Walls.

Crapser disse que falou pela primeira vez com sua família na Coreia do Sul durante uma série de conversas pelo FaceTime no começo do ano. Ele se comunicou com sua mãe biológica por meio de um intérprete, já que ele não fala coreano. (Ele disse que planeja levar um livro de frases para turista consigo quando for deportado, "para que eu possa entender as placas e outras coisas".)

Sua família americana planeja se juntar a ele na Coreia no ano que vem, depois que sua esposa, uma imigrante vietnamita, se tornar cidadã americana. O padrasto dele na Coreia é dono de uma construtora onde ele espera trabalhar, para que ele e sua família possam começar uma nova vida, ele disse.

"Esse parece ser o plano, mas ainda não há nada gravado em pedra", ele disse. "Esperamos que tudo acabe dando certo."

A atitude positiva de Crapser esconde a natureza kafkiana de sua vida nos Estados Unidos. A decisão de deportá-lo foi apenas a mais recente provação em uma vida que, segundo qualquer medida, foi excepcionalmente difícil.

Crapser foi adotado juntamente com sua irmã por uma família americana que abusava fisicamente de ambas as crianças, ele disse à "The New York Times Magazine" para um artigo publicado em abril de 2015.

Após seis anos, aquela família colocou ambas as crianças novamente para adoção. Elas foram separadas e Crapser foi adotado por novos pais, Thomas e Dolly Crapser, que também cometeram abusos. Eles tinham várias outras crianças adotadas às quais tratavam brutalmente. Em 1992, ambos foram condenados criminalmente por maus-tratos e agressão, e Thomas Crapser foi condenado por abuso sexual.

Adam Crapser foi expulso da casa dos Crapser aos 16 anos e posteriormente a invadiu para pegar seus pertences pessoais. Ele se declarou culpado de roubo e cumpriu 25 meses de pena de prisão.

Mais problemas com a lei se seguiram. Após sua soltura, ele foi condenado por porte ilegal de arma de fogo. Mais dois delitos se seguiram e ele foi posteriormente condenado por agressão após uma briga, como noticiou a revista do "Times".

"Devido à natureza caótica de sua criação, ele não conseguiu resolver o situação de sua documentação", disse sua advogada.

Crapser disse que não sabia que havia uma diferença entre ser um morador permanente e um cidadão até se reencontrar com sua irmã, uma cidadã naturalizada, em 2012.

Os procedimentos de deportação começaram naquele ano, logo depois de ele dar entrada a um pedido de residência permanente e as autoridades tomarem conhecimento de seus antecedentes criminais. A decisão final foi tomada em 24 de outubro em um tribunal de imigração em Tacoma, disse Walls. Crapser disse na segunda-feira que espera ser deportado nos próximos 30 dias.

Crapser nunca conseguiu manter um emprego por mais de 90 dias porque nunca pôde provar seu status legal, ele disse, algo que ele sempre atribuiu a uma infância caótica. "Sempre tive que trabalhar de forma clandestina por grande parte da minha vida", ele disse.

Ele espera que sua sorte possa finalmente mudar na Coreia do Sul.

"Acho que de certa forma é bom que eu seja um cidadão coreano, assim, quando voltar, já serei um cidadão de um país", ele disse. "Acho que é o lugar ao qual pertenço."