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Com baixa natalidade, cresce pressão para que filhos fora do casamento sejam legalizados na China

9.out.2015 - Crianças leem livros em escola primária do condado de Pingjiang, província de Hunan, China, no primeiro dia de volta às aulas - Johannes Eisele/AFP
9.out.2015 - Crianças leem livros em escola primária do condado de Pingjiang, província de Hunan, China, no primeiro dia de volta às aulas Imagem: Johannes Eisele/AFP

Em Pequim

28/11/2016 06h01

O governo de Cingapura ofereceu incentivos financeiros e até balinhas Mentos para aumentar o número de nascimentos. Na Rússia, mais dinheiro de subsídio para as mães e o “Dia da Concepção”, com dias de folga no trabalho, ajudaram. Na Alemanha ou no Japão, bônus pagos pelo governo pretendem amplificar o som de pezinhos correndo pelas casas em meio a índices de natalidade em declínio.

Não na China. O poderoso aparato do governo em planejamento familiar ainda multa casais que têm mais de dois filhos e mulheres que dão à luz fora do casamento, apesar de uma crise demográfica iminente no país.

Algumas das descobertas de um censo realizado pelo governo em 2015 mostram que a mulher chinesa média tem 1,05 filho, um legado da política do filho único que no dia 1º de janeiro mudou para uma política de dois filhos. É o mais baixo índice de natalidade do mundo, de acordo com o “Diário do Povo”, principal jornal do Partido Comunista Chinês.

As multas, conhecidas como taxas de manutenção social, podem chegar a dezenas de milhares de dólares e acabam fechando um caminho para aumentar os índices de natalidade, dizem os críticos.

“Especialmente com esses índices de natalidade em queda, a coisa certa a se fazer seria permitir que mulheres solteiras tivessem filhos”, disse em uma entrevista Wu Youshui, um advogado de Hangzhou especializado em questões reprodutivas.

“Mas na prática ainda estão multando as pessoas”, ele diz. “Muito. As pessoas veem isso e não entendem por quê.”

Na semana passada, três grupos da sociedade civil na cidade de Guangzhou, no sul, emitiram um relatório pedindo por maior liberdade reprodutiva para mulheres solteiras para compensar o baixo índice de natalidade do país. A questão também afeta as lésbicas, de acordo com os grupos, porque o casamento entre pessoas do mesmo sexo não é permitido.

“Tínhamos um foco na questão gay, mas está ligado de perto com a situação que todas as mulheres enfrentam”, disse Mary Chin, uma estudante de direito que forneceu análise jurídica para o relatório “Single Women’s Reproductive Rights: A Research Report on Policy and Lived Experience” (“Direitos reprodutivos das mulheres: um relatório de pesquisa sobre políticas e relatos de experiências em primeira mão”).

“Se você não é casada, é classificada como solteira”, diz Chin, que é transgênero. “E você só pode se casar com alguém do sexo oposto.”

Ela diz que a legislação chinesa determina que os cidadãos têm o direito de dar à luz. Mas eles somente podem exercer esse direito dentro de um complexo sistema de regulações de planejamento familiar nacional e local. Muitas províncias impõem multas a pessoas que têm filhos fora do casamento.

No relatório, os grupos —Rainbow Lawyers, Genderwatch e Gender Equality Net— recomendam que o governo suspenda sua política de dois filhos e suas restrições a pessoas solteiras terem filhos.

Eles também sugerem que as taxas de manutenção social devem ser abolidas e que mulheres solteiras devem receber acesso à fertilização in vitro. Atualmente os hospitais chineses não oferecem serviços de fertilização in vitro para mulheres solteiras porque elas não possuem uma certidão de casamento emitida pelo governo e a necessária autorização de nascimento.

June Chen, 32, lutou por sete anos para ter as gêmeas que hoje ela tem com sua companheira.

“Hospitais públicos estavam fora de cogitação”, diz Chen. “Eles não iam ajudar mulheres solteiras.”

Ela disse que um hospital particular em Pequim estava disposto a fazer vista grossa para a falta de certidão de casamento e autorização de nascimento, mas ela conta que as enganaram, cobrando o dobro pelo preço normal de uma fertilização in vitro por médicos que conheciam sua orientação sexual, e foram oferecidos cuidados médicos precários. O tratamento não deu certo.

O casal viajou para a Tailândia para passar pela fertilização in vitro. Suas filhas, hoje com 9 anos de idade, nasceram em Los Angeles.

“Hoje, muitas mulheres solteiras e lésbicas precisam ir aos Estados Unidos para ter um bebê”, diz Chin, a consultora jurídica do relatório.

Por trás do debate sobre os direitos reprodutivos na China está o baixo índice de natalidade de 1,05 filho por mulheres, revelado no mini-censo realizado ano passado.

Embora algumas das constatações tenham sido divulgadas em abril, outras —incluindo o índice de natalidade— só se tornaram de conhecimento geral no final de outubro. O censo foi publicado no Livro Anual Estatístico de 2016.

Já a Comissão Nacional de Saúde e Planejamento Familiar diz que o índice de natalidade de China é 50% maior, de cerca de 1,6 filho por mulher, um número que consta em bancos de dados internacionais.

Então a estimativa do censo chocou alguns grandes empresários, acadêmicos e demógrafos, que contemplam um futuro de relativamente poucas pessoas jovens sustentando muitos cidadãos mais velhos.

Para chegar a esse número mais elevado, a comissão de saúde e planejamento familiar usou fatores diferentes dos resultados do censo para calcular o índice de natalidade, incluindo matrículas em escolas e índices de vacinação, argumentando que as pessoas não informam todos os nascimentos para escapar das multas.

Dr. Fuxian Yi, um crítico das políticas de natalidade da China baseado nos Estados Unidos, diz que embora alguns nascimentos sejam ocultados, os censos nacionais contam não somente recém-nascidos, mas também crianças mais velhas e mostram uma ampla consistência ao longo do tempo, querendo dizer que o subterfúgio não tem essa escala afirmada pela comissão.

“Os números do censo estão corretos em sua maior parte”, disse em uma entrevista Yi, um cientista especialista em reprodução da Universidade de Wisconsin-Madison.

A comissão não atendeu ao pedido de comentários da reportagem.