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Donos de sites revelam bastidores da indústria de notícias falsas: "é uma renda, nada mais"

Reprodução/NYT/Facebook
Imagem: Reprodução/NYT/Facebook

Andrew Higgins, Mike McIntire e Gabriel J.X. Dance*

Em Tbilisi (Geórgia)

29/11/2016 06h01

Desempregado e perto de se formar, um estudante de ciência da computação na principal universidade na Geórgia decidiu no início deste ano que poderia ganhar dinheiro com o apetite voraz dos americanos por notícias políticas altamente partidárias. Ele montou um site, postou histórias exaltando Hillary Clinton e aguardou pelo aumento das vendas de anúncios.

"Não sei por que, mas não funcionou", disse o estudante Beqa Latsabidze, 22, que foi esperto o bastante para mudar de curso quando percebeu o que elevava o tráfego: histórias elogiosas sobre Donald Trump que misturavam notícias reais e completamente falsas em um ensopado de fervor anti-Hillary.

A mais de 9.000 quilômetros de distância em Vancouver, um canadense que dirige um site satírico, John Egan, fez uma observação semelhante. O site de Egan, "The Burrard Street Journal", oferece paródias de notícias, mas não notícias falsas, e não tenta enganar ninguém.

Mas ele também descobriu que escrever sobre Trump era uma "mina de ouro". Seu tráfego aumentou e seu trabalho, principalmente uma história de que o presidente Barack Obama se mudaria para o Canadá em caso de uma vitória de Trump, foi saqueada por Latsabidze e outros empreendedores da internet para seus próprios sites.

"É tudo sobre Trump", disse Egan por telefone. "As pessoas ficam loucas com isso."

Com Obama agora alertando sobre a ameaça corrosiva das notícias políticas falsas que circulam pelo Facebook e outras redes sociais, as questões urgentes se tornaram quem produz essas histórias e como esse superaquecido ecossistema de notícias fabricadas funciona?

Alguns analistas temem que agências de inteligência estrangeiras estejam interferindo na política americana e usando notícias falsas para influenciar eleições. Mas uma janela sobre como a carne das salsichas falsas é moída pode ser encontrada na economia de pirataria da internet, onde uma sátira produzida no Canadá pode ser pega por um recém-formado em faculdade na ex-república soviética da Geórgia e apresentada como notícia verdadeira, para atrair cliques de leitores crédulos nos Estados Unidos.

Latsabidze disse que seu único incentivo era ganhar dinheiro com os anúncios do Google, ao atrair pessoas de páginas do Facebook para seus sites.

Para tornar o material mais atraente, Latsabidze com frequência apenas cortava e colava, às vezes manipulando a manchete, mas em grande parte apenas copiando material de outros lugares, incluindo a sátira de Egan envolvendo Obama. Egan não ficou feliz em ver seu trabalho satírico no site de Latsabidze e apresentou uma queixa de violação de direitos autorais para defender sua propriedade intelectual.

Mas Egan reconheceu uma certa satisfação profissional por Trump estar aqui para ficar. "Agora que o teremos aqui por quatro anos", ele disse, "eu mal posso acreditar".

Segundo algumas estimativas, notícias falsas divulgadas online e pelas redes sociais tiveram um alcance ainda maior nos meses finais da campanha presidencial do que os artigos pelas principais organizações de notícias.

Autoanálise

De lá para cá, gigantes da internet como Facebook e Google têm feito uma autoanálise a respeito de seus papéis na disseminação de notícias falsas. O Google anunciou que proibiria sites que disseminam notícias falsas de usarem seu serviço de anúncios online, enquanto o presidente-executivo do Facebook, Mark Zuckerberg, destacou algumas das opções que sua empresa estava considerando, incluindo formas simples dos usuários denunciarem conteúdo suspeito.

Em Tbilisi, o apartamento alugado de dois quartos que Latsabidze divide com seu irmão mais novo é um improvável posto avançado no exterior da indústria de notícias falsas dos Estados Unidos. Os dois irmãos, ambos especialistas em informática, têm ajuda de um terceiro georgiano jovem, um arquiteto.

Eles dizem não ter interesse por política, inicialmente distribuindo suas apostas por todo o espectro político americano e tendo também experimentado com o show business. Eles criaram uma página pró-Hillary Clinton, walkwithher.com, uma página no Facebook pró-Bernie Sanders e um site de resenha de notícias políticas copiadas do "New York Times" e outros veículos tradicionais de notícias.

Site de notícias falsas sobre política americana - Reprodução/NYT/Facebook - Reprodução/NYT/Facebook
Imagem: Reprodução/NYT/Facebook


Mas esses sites, entre os mais de uma dúzia registrados por Latsabidze, fracassaram. Então ele focou toda sua energia em Trump. Seu principal site pró-Trump, departed.co, ganhou força notável em um campo lotado antes da eleição de 8 de novembro graças à oferta constante de histórias pró-Trump e anti-Hillary. (Na quarta-feira, poucas horas depois do "New York Times" ter se encontrado com Latsabidze para lhe perguntar sobre suas atividades, o site desapareceu, juntamente com sua página no Facebook.)

"Meu público gosta de Trump", ele disse. "Não quero escrever coisas ruins sobre Trump. Se escrevesse histórias falsas sobre Trump, eu perderia meu público."

Algumas das histórias dele sobre Trump são verdadeiras, algumas são altamente tendenciosas e outras totalmente falsas, como a de que "o governo mexicano anunciou que fechará sua fronteira aos americanos caso Donald Trump seja eleito presidente dos Estados Unidos". Dados compilados pela BuzzFeed mostraram que o artigo foi a terceira história falsa que mais circulou pelo Facebook de maio a julho.

A fórmula foi tão bem-sucedida que outros na Geórgia e em outras terras distantes também se juntaram, incluindo Nika Kurdadze, um conhecido de Latsabidze na faculdade que montou seu próprio site pró-Trump, newsbreakshere.com. Entre seus artigos recentes estava uma reportagem falsa com a manchete: "Detenham os Liberais ... Hillary perdeu no voto popular por vários milhões. Eis o motivo". Essa história, assim grande parte do trabalho de Latsabidze, foi furtada na internet.

Inicialmente, Latsabidze não teve problemas com seu recortar e colar de artigos de outras pessoas, e até mesmo foi pessoalmente roubado, quando um rival na Índia se apossou de uma página pró-Trump criada por ele no Facebook para desviar o tráfego para seus próprios sites. (Ele disse que o rival indiano ofereceu US$ 10 mil para comprar a página, mas não quis pagar após receber os direitos de acesso e se apossar dela.)

Então ele recebeu a notificação de Egan do Canadá, que levou a empresa que hospeda os sites de Latsabidze, inclusive o departed.co, a tirá-los do ar por dois dias até que ele removesse o conteúdo infrator.

"Foi realmente ruim para mim", lembrou Latsabidze. "O tráfego caiu e tive de começar tudo de novo."

Egan, por sua vez, disse que não gostou de ver outros ganhando dinheiro injustamente com seu trabalho. E estimou que "provavelmente metade" dos leitores de suas histórias acredita que são verdadeiras, devido ao roubo disseminado por outros sites.

"Muitos desses eram leitores conservadores que as veem por meio de outros sites e acreditam nelas", disse Egan. "Em muitos casos, eles nem mesmo as leem, apenas reagem à manchete."

Uma forma de entretenimento informativo

Latsabidze disse ter ficado surpreso pelas pessoas confundirem muitos dos artigos postados com notícias reais, insistindo que são apenas uma forma de entretenimento informativo que não deveria ser levado a sério.

"Não considero notícias falsas; eu chamo de sátira", ele disse. Ele evita sexo e violência por violarem as regras do Facebook, ele disse, mas não vê nada de errado em fornecer aos eleitores o que eles querem.

"Ninguém realmente acredita que o México vai fechar sua fronteira", ele disse, bebendo café nesta semana em um McDonald's no centro de Tbilisi. "Isso é loucura."

Mesmo assim, a história do fechamento da fronteira pelo México provou ser tão popular após aparecer no seu site que ele passou a revirar a internet à procura de outros artigos sobre o mesmo tema. Ele encontrou uma mentirosa sobre o México estar planejando chamar de volta todos seus cidadãos nos Estados Unidos em caso de uma vitória de Trump. Essa também gerou um tráfego imenso, apesar de não tanto quanto a primeira, que Latsabidze descreveu que uma "ótima história".

Ele insistiu que não tem nada contra os mexicanos e muçulmanos, cuja exclusão dos Estados Unidos é pedida por uma petição online que aparece com frequência em seus sites e que são invariavelmente apresentados de modo negativo nos artigos que posta.

"Não sou contra muçulmanos", ele disse. "Apenas vi que havia interesse. Eles estão nas notícias." Ele também acrescentou não ser particularmente contra Hillary, apesar de pessoalmente preferir Trump.

Caso seu site pró-Hillary tivesse decolado, ele disse, ele teria se focado nele, mas "as pessoas não se interessaram", de modo que ele se concentrou em atender os simpatizantes de Trump. Eles eram um público muito mais receptivo, como ele rapidamente percebeu, "por estarem ávidos" e dispostos a ler histórias ultrajantes.

"Para mim, tudo se resume a renda, nada mais", ele acrescentou.

A renda vem principalmente do Google, que paga alguns poucos centavos cada vez que um leitor vê ou clica em uma das propagandas que aparecem em um dos sites de Latsabidze. Seu melhor mês, que coincidiu com o sucesso da história falsa do fechamento da fronteira pelo México, lhe rendeu cerca de US$ 6 mil (cerca de R$ 20.500), apesar da receita mensal geralmente ser muito menor.

Obama, falando em Berlim na semana passada, atacou a disseminação de notícias falsas pelo Facebook e outras plataformas, alertando que "se não formos sérios a respeito dos fatos e do que é verdade e do que não é" e "se não pudermos discriminar entre argumentos sérios e propaganda, então teremos sérios problemas".

Apesar do Facebook não fornecer diretamente renda a Latsabidze, ele exerce um papel central no direcionamento de tráfego aos seus sites. Ele inicialmente criou várias páginas falsas no Facebook visando direcionar tráfego aos seus sites, incluindo um supostamente criado por uma bela mulher chamada Valkiara Beka. A mulher não existe, ele reconheceu. "Eu sou ela", ele disse.

Mas ele descobriu que essas páginas eram ineficazes em comparação às páginas legítimas no Facebook de pessoas reais, particularmente simpatizantes de Trump, porque eles têm muita energia e adoram divulgar as histórias de que gostam.

O departed.co, que leva o nome do filme favorito de Latsabidze, "The Departed" (Os Infiltrados), e recentemente redirecionado para usatodaycom.com, publicava dezenas de artigos diariamente, muitos deles semelhantes ao postado em 17 de novembro com a manchete, "Isto é Grande!! Mandado internacional de prisão emitido por Putin contra George Soros!" A história não era verdadeira e já tinha sido publicada por vários outros sites de notícias falsas por toda a internet.

E há histórias que têm uma pitada de verdade, juntamente com grandes doses de exagero e extrapolação, como "Moribunda, Hillary diz que apenas quer ficar isolada e não mais sair de casa após a derrota". Hillary disse que após sua derrota nas eleições que queria apenas se envolver com um bom livro. Mas, até onde alguém sabe, ela não está morrendo.

Suspeitas do Kremlin

No prelúdio da eleição, notícias falsas sobre a saúde de Hillary e outras altamente favoráveis a Trump eram promovidas com gosto pela mídia de notícias estatal russa e por legiões de agitadores pró-Rússia na internet. Isso gerou suspeita de que o Kremlin tivesse um dedo na indústria de notícias falsas, levando pesquisadores americanos a afirmarem em estudos recentes que a indistinção entre verdade e mentira se deve em parte à manipulação russa.

Mas Latsabidze e outros aqui disseram que servem apenas às suas contas bancárias, não à Rússia ou outra coisa.

Ele insistiu que sua equipe opera totalmente por conta própria e que não quis e nem precisa de ajuda externa. Ele disse que precisou apenas de duas horas para montar um site básico e que qualquer um, com um pouco de conhecimento sobre computadores, pode facilmente começar a copiar notícias online, sejam reais ou falsas.

"Eu não inventei nada", ele disse. "Tudo isso já foi feito antes."

Latsabidze, que aparentemente não violou nenhuma lei, disse que qualquer repressão às notícias falsas poderia funcionar por um período curto, mas que "outra coisa surgirá para substituí-las".

"Se quiserem, ele podem controlar tudo", ele disse, "mas isso impedirá a liberdade de expressão".

Por ora, o período pós-eleitoral tem sido ruim para os negócios, com uma queda acentuada do interesse por notícias políticas incendiárias pró-Trump. O tráfego do departed.co e sites afiliados despencou nas últimas semanas em pelo menos 50%, disse Latsabidze.

"Se Hillary tivesse vencido, teria sido melhor para nós", ele disse. "Eu poderia escrever sobre as coisas ruins que ela iria fazer", ele disse. "Não escrevi para ajudar Trump a vencer. Eu queria apenas leitores e ganhar algum dinheiro."

Nos meses desde que entrou para o ramo de notícias falsas, Latsabidze arrumou um emprego como programador em uma empresa de software, algo que ele considera um futuro melhor. "É um trabalho mais estável", ele disse.

Mas pareceu relutante a abandonar totalmente as notícias falsas.

"Há alguma eleição próxima no Reino Unido?" perguntou Latsabidze.

Ele ficou decepcionado ao saber que não havia nenhuma prevista para tão cedo. Mas, ao saber que a França realizará uma eleição presidencial altamente disputada em abril, com uma candidata ao estilo de Trump na forma de Marine Le Pen, uma populista de extrema-direita, ele se animou.

"Talvez eu deva aprender um pouco de francês", ele disse.

*Reportagem de Andrew Higgins, em Tbilisi (Geórgia), e Mike McIntire e Gabriel J.X. Dance, em Nova York (EUA)