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Demissão de homem que poderia ameaçar Trump gera comparações com Watergate

A demissão expôs Donald Trump à suspeita de que ele tem algo a esconder - Al Drago/The New York Times
A demissão expôs Donald Trump à suspeita de que ele tem algo a esconder Imagem: Al Drago/The New York Times

Peter Baker*

Em Washington (EUA)

10/05/2017 10h31

Ao afastar de forma drástica o diretor do FBI, James Comey, o presidente Donald Trump demitiu o homem que pode tê-lo ajudado a se tornar presidente --e o que mais ameaçava potencialmente o futuro de sua Presidência.

Desde Watergate um presidente não demitia a pessoa que comandava uma investigação contra ele, e a decisão de Trump no fim da tarde de terça-feira (9) produziu comparações instantâneas com o Massacre de Sábado à Noite, quando o presidente Richard Nixon ordenou a demissão de Archibald Cox, o promotor especial que examinava o chamado arrombamento de terceiro grau que acabaria derrubando Nixon.

Em sua carta informando a Comey que não comandava mais o FBI, Trump fez questão de comentar que Comey havia dito três vezes ao presidente que não estava sob investigação --a maneira de Trump negar de forma preventiva que seu ato foi por interesse próprio. Mas na verdade ele tinha muita coisa em jogo, já que Comey havia dito em público que o FBI estava investigando a interferência da Rússia na eleição presidencial do ano passado e a possível coordenação de associados de Trump com Moscou.

A decisão surpreendeu membros dos dois partidos, que viram nela um ato ousado que certamente inflamaria uma investigação politicamente explosiva. Apesar de todos os seus atos não convencionais em quatro meses como presidente, Trump ainda é capaz de chocar, e a ideia de demitir um diretor do FBI no meio dessa investigação cruzou todos os limites da normalidade.

Trump pode ter suposto que os democratas detestavam tanto Comey por causa de seus atos no ano passado na investigação do servidor de e-mails de Hillary Clinton que apoiariam a demissão, ou pelo menos concordariam com ela. Mas nesse caso ele calculou mal, pois os democratas correram a condenar a medida e pedem que seja nomeado um conselho especial para garantir que a investigação da Rússia seja independente do presidente.

A medida expôs Trump à suspeita de que ele tem algo a esconder e poderia tensionar suas relações com apoiadores republicanos que podem temer defendê-lo sem conhecer todos os fatos. Muitos republicanos fizeram declarações cautelosas na terça, mas alguns expressaram relutância sobre a demissão de Comey e pediram um inquérito especial do Congresso ou uma comissão independente que assuma as funções das comissões da Câmara e do Senado que hoje examinam o caso da Rússia.

A indicação de um sucessor de Comey poderá provocar uma disputa furiosa, já que qualquer pessoa que ele escolher ficaria automaticamente sob suspeita. Uma luta de confirmação poderá facilmente distrair a Casa Branca de Trump em um momento em que ela quer que o Senado se concentre em aprovar legislação para revogar a Lei de Acesso à Saúde do presidente Barack Obama.

Trump não ajudou seu caso ao afirmar que estava demitindo Comey por causa do modo como tratou da investigação dos e-mails de Hillary, já que quando candidato ele prometeu jogá-la na prisão se fosse eleito. Poucos acharam plausível que o presidente estivesse realmente incomodado pela decisão de Comey de anunciar publicamente dias antes da eleição que estava reabrindo o caso, medida que Hillary e outros democratas disseram que inclinou a votação para Trump.

"Está além da credulidade pensar que Donald Trump demitiu Jim Comey pelo modo como ele lidou com os e-mails de Hillary Clinton", disse em uma entrevista John Podesta, que foi o diretor da campanha de Hillary. "Agora, mais que nunca, é hora de uma investigação independente."

Podesta comentou que o secretário de Justiça, Jeff Sessions, havia recomendado a demissão. "O secretário de Justiça que disse que se recusou em todas as questões sobre a Rússia ter recomendado a demissão do diretor do FBI encarregado de investigar a Rússia é importante", disse ele.

Defensores de Trump disseram que seu ato não impedirá a investigação do FBI, que seguirá adiante com agentes de carreira. "Isso não interrompe nada", disse na CNN Ken Cuccinelli, um ex-secretário de Justiça da Virgínia e aliado de Trump. "A ideia de que isso vai parar as investigações em andamento é ridícula."

Trump disse que agiu a conselho de Sessions, mas deixou pouca dúvida sobre seus sentimentos pessoais em relação a Comey ou à investigação da Rússia nos últimos dias. "A história de conivência Rússia-Trump é uma farsa total, quando terminará essa charada paga com dinheiro do contribuinte?", escreveu o presidente no Twitter na segunda-feira (8).

A comparação com Watergate era inevitável. Quando o promotor especial Cox intimou Nixon a entregar cópias de gravações da Casa Branca, o presidente ordenou que ele fosse demitido. Tanto o ministro da Justiça, Elliot Richardson, quanto seu vice, William Ruckelshaus, se recusaram e depois renunciaram. A terceira autoridade do Departamento de Justiça, o procurador-geral Robert Bork, acatou a ordem de Nixon e demitiu Cox.

Os democratas viram paralelos.

"Isto é nixoniano", disse em um comunicado o senador democrata Bob Casey, da Pensilvânia.

"Desde Watergate nosso sistema jurídico não era tão ameaçado e nossa fé na independência e integridade desse sistema era tão abalada", acrescentou o senador democrata Richard Blumenthal, de Connecticut.

Até mesmo um antigo aliado de Trump, Roger Stone Jr., traçou uma ligação ao defender o presidente. "Em algum lugar Nixon está sorrindo", disse em uma entrevista Stone, que trabalhou para Nixon e é um dos associados de Trump que enfrenta o escrutínio do FBI.

"A credibilidade de Comey foi atingida. A ironia é que Trump o viu falar sobre mexer na investigação de Hillary, não na investigação da Rússia --e decidiu que estava na hora de livrar-se dele."

Pelo menos um usuário do Twitter afirmou que Trump foi aonde Nixon não tinha ido. A biblioteca presidencial de Nixon publicou uma foto dele ao telefone com a mensagem: "FATO CURIOSO: O presidente Nixon não demitiu o diretor do FBI #FBIDirector #notNixonian".

Desde Watergate, os presidentes relutaram em acusar diretores do FBI, por mais frustrados que estivessem. A única exceção foi o presidente Bill Clinton, que demitiu William Sessions em 1993 depois que questões éticas foram levantadas contra ele. Clinton foi acusado de agir politicamente. O sucessor que ele nomeou, Louis Freeh, tornou-se uma dor de cabeça ainda maior para Clinton ao ajudar o advogado independente Kenneth Starr a investigar o presidente. Mas Clinton nunca se arriscou à reação política que teria ocorrido se demitisse Freeh.

Robert S. Mueller 3º ameaçou demitir-se da direção do FBI durante o governo do presidente George W. Bush se um programa de vigilância secreta que ele considerava ilegal fosse mantido, e Bush recuou em vez de correr o risco do escândalo que isso teria causado. Unindo-se a Mueller nessa ameaça, afinal, estava um vice-secretário da Justiça chamado James Comey. Bush acabou revisando a justificativa jurídica de uma maneira que foi aprovada por Mueller e Comey e permitiu que a vigilância continuasse.

Timothy Naftali, um ex-diretor da biblioteca presidencial Richard Nixon, disse que a demissão de Comey por Trump não foi um paralelo direto com o Massacre de Sábado à Noite porque ele não foi nomeado especificamente para investigar a campanha de 2016.

"Com ou sem Comey, o FBI continuará investigando a campanha de 2016 em relação à intervenção russa", disse Naftali. "Esse é outro tipo de erro. A menos que o secretário Sessions possa provar malfeitos ou negligência grosseira de Comey, o momento desse ato aprofunda ainda mais as suspeitas de que o presidente Trump está encobrindo alguma coisa."

*Colaboraram Glenn Thrush, de Washington, e Maggie Haberman, de Nova York.