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A ciência sabe o que seu cachorro está pensando e ele realmente te ama

Wil, um pastor australiano, que faz parte de uma experiência do Dr. Gregory Berns, em uma máquina de imagem de ressonância magnética na Universidade Emory de Atlanta - DUSTIN CHAMBERS/NYT
Wil, um pastor australiano, que faz parte de uma experiência do Dr. Gregory Berns, em uma máquina de imagem de ressonância magnética na Universidade Emory de Atlanta Imagem: DUSTIN CHAMBERS/NYT

Claudia Dreifus

13/09/2017 04h00

O Dr. Gregory Berns, 53, um neurocientista da Universidade de Emory, em Atlanta, passa os dias estudando cérebros de cachorros, na tentativa de descobrir o que eles estão pensando. Sua pesquisa está detalhada em um novo livro, “What It’s Like to Be a Dog” (“Como é ser um cão”, não lançado no Brasil).

Uma das descobertas é que seu cão pode realmente amar você, e não somente pela comida que você lhe dá.

Nós conversamos durante uma visita que ele fez recentemente a Nova York e depois por telefone. A conversa abaixo foi editada por motivos de espaço e clareza.

NYT: Como começaram seus estudos caninos?

Gregory Berns: Na verdade, começaram com a missão que matou (Osama) Bin Laden, onde havia esse cachorro, o Cairo, que saltou do helicóptero junto com os Seals da Marinha.

Uma ideia me veio enquanto eu assistia aos noticiários. Os helicópteros são extremamente barulhentos, e cães possuem uma audição extremamente sensível. Pensei, “Puxa, se os militares conseguem treinar cães para entrar em helicópteros barulhentos, talvez seja possível fazer com que eles entrem em aparelhos de ressonância magnética”.

NYT: Por quê?

Berns: Para descobrir o que os cães pensam e sentem.

Um ano antes, meu cachorro preferido, um pug chamado Newton, havia morrido. Eu pensava muito nele. Tentava imaginar se ele havia me amado, ou se nossa relação tinha mais a ver com a comida que eu fornecia.

Dr. Gregory Berns, um neurocientista da Universidade Emory, auxiliando o cachorro Zen a entrar máquina de imagem de ressonância magnética, em Atlanta - DUSTIN CHAMBERS/NYT - DUSTIN CHAMBERS/NYT
Dr. Gregory Berns auxiliando o cachorro Zen a entrar na máquina de ressonância magnética, em Atlanta
Imagem: DUSTIN CHAMBERS/NYT


Como neurocientista, eu já havia visto como os estudos com ressonância magnética nos ajudam a entender quais partes do cérebro humano estão envolvidas em processos emocionais. Talvez os testes com ressonância magnética pudessem nos ensinar coisas semelhantes a respeito dos cães. Eu queria saber se os cães tinham funções análogas em seus cérebros às que nós, humanos, temos.

A grande dificuldade nesse tipo de teste seria encontrar uma forma de colocar cães dentro de um aparelho de ressonância magnética e fazer com que eles ficassem parados por tempo suficiente para obter imagens que pudessem ser usadas.

NYT: Como o senhor resolveu isso?

Berns: Trabalhei junto com um treinador de cães de Atlanta, Mark Spivak, para determinar os passos que poderiam tornar possível colocar cães dentro de um aparelho de ressonância magnética.

Construí um simulador de ressonância magnética no meu porão. Apresentamos Callie, a terrier da família e substituta de Newton, ao aparelho, acostumando-a com o barulho, ensinando-lhe a subir as escadas que levavam à máquina, a apoiar-se em um encosto de cabeça e a ficar imóvel por períodos cada vez mais longos de tempo.

Depois que ela passou a dominar cada uma dessas tarefas, nós as juntamos da forma que seria necessário quando ela se deparasse com um aparelho de ressonância magnética de verdade. Ela passou três meses praticando todos os dias. Depois de aperfeiçoarmos um sistema de treinamento, lançamos uma chamada para proprietários locais de cães em busca de voluntários para o estudo.

A partir de 2012, nós treinamos e fizemos a ressonância em um total de aproximadamente 90 cachorros. Por questões de princípios, nós nunca imobilizamos nem sedamos nenhum deles. Se um cachorro quiser sair do aparelho, ele pode sair. Eles não são forçados a nada.

NYT: Como foram os testes na prática?

Berns: Nós basicamente fizemos testes análogos a testes de neurociência já realizados em pessoas. Por exemplo, treinamos os cães a fazerem o teste “go/no-go”. É similar ao famoso experimento do marshmallow, que mede o autocontrole das pessoas.

Para os cachorros, nós os treinamos a colocar o nariz em um alvo sempre que ouvissem um apito, equivalente a “go”. Depois nós os ensinamos que braços erguidos e cruzados significavam “no-go”. Se eles vissem braços erguidos enquanto ouviam o apito, ainda assim era um “no-go”.

No aparelho de ressonância conseguimos ver que quando a ordem era de “no-go”, uma parte do córtex pré-frontal se tornava ativa. Cães que tinham maior atividade ali se saíam melhor. O mesmo vale para os humanos no teste do marshmallow.

Acho que isso nunca foi visto antes em não-primatas. Isso mostra que os cães usam partes correspondentes de seus cérebros para resolver tarefas de uma forma similar à das pessoas.

NYT: Os cães nos amam mais do que a comida? Como o senhor testou isso?

Berns: Nós fizemos um experimento onde às vezes lhes dávamos salsichas e às vezes os elogiávamos. Quando comparamos suas reações e olhamos para o centro de recompensas de seus cérebros, a maioria dos cachorros respondeu aos elogios e à comida da mesma forma.

E cerca de 20% deles tiveram respostas mais fortes aos elogios do que à comida. A partir disso, concluímos que a ampla maioria dos cachorros nos ama pelo menos o mesmo tanto que a comida.

Dr. Gregory Berns e o cão ,Zen, após uma sessão de ressonância magnética - DUSTIN CHAMBERS/NYT - DUSTIN CHAMBERS/NYT
Dr. Gregory Berns e o cão, Zen, após o fim ressonância magnética
Imagem: DUSTIN CHAMBERS/NYT


Outra coisa que aprendemos ao mostrar fotos de objetos e de pessoas aos cachorros foi que eles dedicavam partes de seus cérebros a processar os rostos. Então os cães de muitas formas estão programados para processar rostos.

Isso significa que os cães não aprendem só de conviver conosco que rostos humanos são importantes—eles nascem sabendo olhar rostos. Isso é um dado inédito.

NYT: Existem aplicações práticas para sua pesquisa?

Berns: Pode ser útil para treinar cães de serviço.

Durante dois anos, colaboramos com a Canine Companions for Independence no estudo de filhotes de cachorro cogitados para se tornarem cães de serviço. A maioria dos cães de serviço custa entre US$20 mil e US$60 mil (R$62 mil a R$186 mil), porque eles precisam de um treinamento extremamente intenso para se tornarem capazes de fazer seu futuro trabalho.

Ainda que esses filhotes sejam criados especificamente para a tarefa, muitos deles se revelam inapropriados. A Canine Companions queria que tentássemos identificar quais filhotes tinham maior probabilidade de serem bem-sucedidos.

Então fizemos os exames em seus filhotes e os acompanhamos depois. Descobrimos que os cães que eram os melhores candidatos tinham maior atividade na região cerebral com mais receptores de dopamina, o núcleo caudado.

Eles também tinham menor atividade na parte do cérebro associada ao medo e à ansiedade, a amígdala.

NYT: Você fez exames de ressonância no cérebro de leões-marinhos. O que aprendeu com eles?

Berns: Nos últimos anos, um número recorde de leões-marinhos tem encalhado nas praias da Califórnia, com convulsões e incapacitados.

Juntamente com outros pesquisadores, fizemos imagens dos cérebros de animais encalhados, buscando determinar as partes danificadas. Era o hipocampo. É essa parte que tem danos em pessoas com epilepsia do lobo temporal.

Varreduras cerebrais do cão Zen, uma mistura de retriever, que foram tomadas em uma máquina de imagem de ressonância magnética, aparecem em uma tela durante uma experiência administrada pelo Dr. Gregory Berns na Emory University, em Atlanta - DUSTIN CHAMBERS/NYT - DUSTIN CHAMBERS/NYT
Varreduras cerebrais do cão Zen, uma mistura de retriever, que foram tomadas em uma máquina de ressonância magnética, aparecem em uma tela durante uma experiência administrada pelo Dr. Gregory Berns
Imagem: DUSTIN CHAMBERS/NYT


Os leões-marinhos me ensinaram que distúrbios de consciência em animais podem ser muito semelhantes aos distúrbios de consciência em pessoas. Na verdade, a soma de minhas pesquisas me fez perceber o quanto os animais são parecidos conosco.

Claro, é difícil saber o que os animais estão pensando, porque eles não falam. Mas quando você olha para seus cérebros, percebe o quanto alguns de seus processos são parecidos com os nossos. Você reconhece que eles não são simplesmente coisas.

NYT: Essas descobertas podem trazer mudanças para políticas públicas?

Berns: Talvez para animais em abrigos. Talvez possamos usar essa pesquisa para ajudar cães de abrigos com problemas de agressividade. Se conseguirmos descobrir o que acontece em seus cérebros, talvez possamos encontrar alternativas à eutanásia.

A principal coisa que esses estudos me trouxeram, pessoalmente, foram sérios questionamentos sobre como tratamos os animais. Pense em como criamos animais em grandes centros industrializados, onde eles ficam confinados por boa parte de suas vidas e depois são abatidos, muitas vezes de forma cruel.

Se os animais têm ciência de seu sofrimento—e eu acredito que eles tenham—nós deveríamos repensar a forma como os tratamos.

Pessoalmente, desde a faculdade que sou vegetariano, em níveis diversos. Essa pesquisa deixa claro que os animais têm cérebros com a capacidade de sentir muitas das emoções que sentimos.

Isso estimula minha determinação de ser um vegetariano melhor, embora eu também tenha aprendido a não me martirizar quando não atinjo minhas expectativas.