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Para Trump, alvo não são as armas nucleares, e sim o governo do Irã

David E. Sanger

Em Washington (EUA)

09/05/2018 15h07

Para o presidente Donald Trump e dois dos aliados que ele mais valoriza — Israel e Arábia Saudita —, o problema básico do acordo nuclear com o Irã não foram as armas nucleares. Foi que o acordo legitimou e normalizou o governo religioso do Irã, reabrindo o país à economia mundial com a receita do petróleo que financiou suas aventuras na Síria e no Iraque, seu programa de mísseis e o apoio a grupos terroristas.

Agora, ao anunciar na terça-feira (8) que vai sair do acordo nuclear e reimpor sanções econômicas ao Irã e a empresas de todo o mundo que fizerem negócios com o país, Trump está começando uma experiência enorme, altamente arriscada.

Trump e seus aliados no Oriente Médio apostam que podem fragilizar a sobrevivência econômica do Irã e assim "quebrar o regime", como uma importante autoridade europeia descreveu a iniciativa. Na teoria, a saída dos EUA do acordo deixaria o Irã livre para produzir quanto material radioativo quiser — como fazia cinco anos atrás, quando o mundo temeu que estivesse rumando para uma bomba.

Mas a equipe de Trump despreza esse risco: o Irã não tem a força econômica para confrontar os EUA, Israel e Arábia Saudita. E sabe que qualquer movimento para produzir uma arma daria a Israel e aos EUA um motivo para adotar ações militares.

É uma abordagem brutal de "realpolitik" que os aliados dos EUA na Europa advertiram ser um erro histórico, que poderá levar ao confronto e talvez à guerra.

E é um claro exemplo do jogo de ameaças do Oriente Médio que vai contra o que o presidente Barack Obama pretendia quando o acordo nuclear foi fechado em julho de 2015.

A aposta de Obama nesse acordo — o principal acordo de política externa de seus oito anos de mandato — foi simples. Ele considerava o Irã potencialmente um aliado mais natural dos EUA do que qualquer um de seus vizinhos sunitas, com uma população jovem, instruída, voltada para o Ocidente, que está cansada de ser governada por uma teocracia envelhecida.

Ao tirar da mesa a perspectiva das armas nucleares, argumentou o governo Obama, os EUA e o Irã poderiam pôr de lado três décadas de hostilidade e trabalhar em projetos comuns, a começar pela derrota do Estado Islâmico.

Não foi o que aconteceu. O acordo conseguiu tirar 97% do material nuclear do Irã, mas os conservadores e os militares iranianos recuaram diante da ideia de cooperar em qualquer projeto com o Ocidente.

Meses antes de ficar claro que Trump tinha uma possibilidade razoável de se eleger, os militares iranianos aumentaram o apoio ao presidente Bashar al-Assad na Síria, expandiram sua influência no Iraque e aceleraram o apoio a grupos terroristas. E também intensificaram os ataques cibernéticos contra alvos no Ocidente e na Arábia Saudita, empregando uma arma que não foi coberta pelo acordo nuclear.

Então veio Trump, com sua declaração de que o acordo era um "desastre" e a promessa de desfazê-lo. Isso é exatamente o que ele fez agora, mas a um preço enorme.

Momentos depois que ele deu a declaração — em que passou a impressão de que o Irã trapaceava no acordo, embora seus chefes de inteligência tenham testemunhado o contrário —, Trump recebeu uma crítica firme da primeira-ministra Theresa May, do Reino Unido, do presidente Emmanuel Macron, da França, e da chanceler Angela Merkel, da Alemanha.

Os três líderes, os mais próximos aliados dos EUA, basicamente rejeitaram sua lógica. Eles comentaram que a resolução do Conselho de Segurança da ONU que aprovou o acordo com o Irã em 2016 "permanece sendo a estrutura jurídica internacional necessária para a solução da disputa sobre o programa nuclear iraniano".

Foi uma linguagem diplomática educada para a dura conclusão de que foram os EUA — e não o Irã — que violaram o acordo primeiro.

E agora, de repente, o mundo pode estar rumando de volta para onde estava em 2012: em uma estrada para o confronto incerto, com "muito poucas evidências de um plano B", como disse o ministro das Relações Exteriores britânico, Boris Johnson, em uma visita a Washington.

Sair do acordo, com ou sem plano, é bom para os sauditas. Eles veem o acordo como uma distração perigosa do verdadeiro problema de confrontar o Irã na região — problema que a Arábia Saudita acredita que só será resolvido com a mudança de regime no Irã.

Os sauditas têm um aliado em John Bolton, o novo assessor de segurança nacional do presidente Trump, que deixou claro antes de assumir o cargo que compartilha essa opinião. O acordo de Obama, disse Bolton na terça-feira, apresenta "um tratamento totalmente inadequado da dimensão militar das aspirações do Irã".

O caso saudita contra o Irã foi reforçado nos últimos meses pelo príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, que se referiu várias vezes ao líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, como "o novo Hitler".

"Muitos países em todo o mundo e na Europa não perceberam quão perigoso era Hitler até que aconteceu o que aconteceu", disse Mohammed em uma recente entrevista no programa "60 Minutes" da CBS News. "Eu não quero que os mesmos fatos aconteçam no Oriente Médio."

Em um discurso em março no Instituto Brookings, Adel al-Jubeir, o ministro das Relações Exteriores saudita, afirmou que o Irã é "o maior problema que enfrentamos em nossa região". Ele culpou o Irã por interferir em países vizinhos, apoiando grupos armados na Síria, no Iraque, no Líbano, no Iêmen e em outros lugares, e fornecendo aos rebeldes iemenitas mísseis balísticos que dispararam contra seu país.

Mesmo que suas restrições a armas nucleares fossem afirmadas e expandidas, "o acordo por si só não resolve o problema do Irã", disse Jubeir. "O Irã deve ter de prestar contas."

Jeremy Shapiro, diretor de pesquisa no Conselho Europeu sobre Relações Exteriores e autoridade do Departamento de Estado durante o governo Obama, afirmou que a oposição ao acordo nuclear pela Arábia Saudita, Israel e outros atores regionais é basicamente por seus efeitos na política e nas diretrizes dos EUA.

"Eles acreditam que estão nesse conflito existencial com o regime iraniano, e as armas nucleares são uma pequena parte desse conflito" — mas a que mais influencia a opinião pública nos EUA, explicou Shapiro.

"Se o acordo abrisse uma via para melhorar as relações entre os EUA e o Irã, seria um desastre para os sauditas", disse ele. "Eles precisam garantir uma motivação para a pressão americana contra o Irã que perdure mesmo depois deste governo."

Israel é um caso mais complexo.

O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu pressionou o governo Trump a abandonar o acordo que o líder israelense sempre detestou. Mas os próprios militares de Netanyahu e seus assessores de inteligência dizem que Israel está muito mais seguro com um Irã cujo caminho para a bomba está bloqueado do que com um que esteja novamente perseguindo a arma definitiva.

"Os indivíduos que carregam a responsabilidade pela sobrevivência e segurança de Israel foram muito claros", disse Graham Allison, um professor de Harvard que passou sua vida profissional examinando casos de proliferação nuclear.

"Isto provavelmente levará a um resultado muito pior não só para os EUA, mas para Israel", disse Allison, porque o acordo atual atrasou o programa nuclear do Irã em uma década "e impôs ao Irã o regime de inspeções mais intrusivo já negociado".

Mas Netanyahu usou o megafone de Israel mais uma vez na semana passada para convencer Trump a se desligar do acordo iraniano. Ao liberar documentos do Irã roubados de Teerã em janeiro, Netanyahu provou o que as agências de inteligência ocidentais sabiam há muito tempo: há uma década ou mais, os iranianos estavam trabalhando firmemente para desenhar uma ogiva nuclear.

Para Netanyahu, essa é a prova de que o Irã não é confiável e que chegou ao acordo nuclear com falsas intenções e fingindo que nunca teve um programa de armamentos.

Para Trump e seus aliados, a descoberta israelense disse menos sobre a capacidade nuclear do Irã do que sobre a deslealdade iraniana.

Diante da evidência de que o Irã estava preservando seus projetos de bombas como proteção para o futuro, a descoberta sugeriu que o país não abandonou suas ambições.

Como disse Dennis Ross, um ex-negociador para o Oriente Médio, alguém precisava abordar a descoberta israelense, "para não dar aos iranianos a capacidade de continuar rapidamente de onde haviam parado e obter armas".

No centro do anúncio de Trump na terça-feira, porém, está a convicção de que Obama cometeu um erro crítico ao aceitar um acordo que contém uma data de expiração. O argumento de Trump é que não se pode permitir que o Irã acumule material suficiente para montar uma bomba.

Por isso, quando os europeus disseram que isso exigiria reabrir as negociações, Trump recusou e decidiu anular o acordo inteiro.

Foi uma medida clássica de Trump, como nos tempos em que ele derrubava prédios de Nova York para dar lugar a visões de edifícios mais imponentes e gloriosos. Mas neste caso trata-se de perturbar um equilíbrio global de poder e enfraquecer um governo que Trump, desde o início de sua campanha, afirmou que tem de partir.