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Agentes russos trocam truculência e violência por sorrisos e flores em busca de informantes

Natalia Gryaznevich, do Rússia Aberta, foi procurada por um agente cortês - Sergey Ponomarev/The New York Times
Natalia Gryaznevich, do Rússia Aberta, foi procurada por um agente cortês Imagem: Sergey Ponomarev/The New York Times

Andrew Higgins

Em Moscou (Rússia)

05/09/2018 13h53

O vasto aparelho de segurança da Rússia muitas vezes exibe seu poder por meio de atos brutais: policiais prepotentes em trajes antitumulto espancam manifestantes, ou vilões misteriosos que atacam e às vezes assassinam políticos e jornalistas de oposição.

Uma face mais gentil e insidiosa do sistema, porém, pertence ao homem cortês, sorridente e bem vestido que apareceu com um buquê de flores no apartamento de Nataliya Gryaznevich, no nono andar de um prédio em Moscou, no início do mês passado.

Ele se apresentou apenas como "Andrei", e disse a Gryaznevich, 29, funcionária de um grupo pró-democracia chamado Rússia Aberta, que gostaria de convidá-la para um café e um bate-papo amigável. "Parece que você realmente gosta de café", disse ele, sugerindo que também sabia outras coisas sobre ela.

"Ele se comportava como um velho amigo que eu não estava reconhecendo", lembrou Gryaznevich.

Embora no início tenha ficado confusa, ela entendeu o que estava acontecendo quando eles se encontraram e ele a encheu de perguntas sobre suas viagens ao exterior e seus contatos estrangeiros. "Andrei" estava tentando recrutá-la como informante, percebeu a jovem.

"Vamos ser amigos", pediu ele. "Pense em si mesma. Você quer fazer uma carreira, e pode chegar longe conosco ao seu lado", lembrou ela.

O relato da proposta de recrutamento, que segundo Gryaznevich foi feita sem ameaças, abre uma pequena janela para um dos aspectos mais sigilosos e sinistros do sistema de segurança da Rússia.

Conhecidos em russo como "stukachi", termo soviético de etimologia incerta, os informantes basicamente servem como espiões para o Estado russo no país e no exterior. Eles não são tão onipresentes hoje na Rússia quanto foram na Alemanha Oriental ou na União Soviética, onde milhões de pessoas espionavam seus amigos e colegas.

Mas depois de ser proibida no início dos anos 1990 a prática de atrair russos para dar informações sobre seus vizinhos e conhecidos parece estar novamente se generalizando.

As autoridades têm procurado informações privilegiadas sobre a oposição política interna desde que grandes manifestações contra o governo irromperam no inverno de 2011, irritando gravemente o Kremlin. Um novo surto de protestos que começou em maio de 2017, embora menor que a safra anterior, também apanhou as autoridades de surpresa e aumentou o valor da informação interna.

Quantas pessoas servem como informantes hoje é impossível saber. As únicas que falam sobre as propostas de recrutamento são as que recusaram.

Viktor Voronkov, diretor do Centro de Pesquisa Social Independente em São Petersburgo, disse ao jornal russo "Novaya Gazeta" no início deste ano que quatro membros de sua equipe lhe contaram sobre tentativas de recrutamento pelo Serviço Federal de Segurança, o FSB, sucessor da polícia secreta KGB.

Contatado na semana passada, ele disse que não tinha ouvido falar de novas tentativas, mas supunha que muitos outros de seus funcionários foram abordados. "Acredite-me, é raro as pessoas relatarem tais coisas", disse ele, acrescentando que muitos dos que são procurados têm de assinar acordos de confidencialidade.

Um sinal claro de que os serviços de segurança estão novamente no mercado em busca de informantes ocorreu em 2016, quando a Life, um serviço de notícias russo que muitas vezes é usado pela FSB como canal para vazamentos, revelou que informantes aposentados receberiam pensões do Estado em troca de seus serviços. No passado, esse incentivo só era oferecido a empregados em tempo integral da agência de inteligência.

O principal incentivo para servir de informante, porém, raramente é dinheiro, e sim a promessa de que problemas legais ou outros serão resolvidos rapidamente.

Pedestres caminham pela praça Lubyanka, em Moscou, onde fica a sede do Serviço Federal de Segurança, o FSB, sucessor da polícia secreta KGB - Sergey Ponomarev/The New York Times - Sergey Ponomarev/The New York Times
Pedestres caminham pela praça Lubyanka, em Moscou, onde fica a sede do Serviço Federal de Segurança, o FSB, sucessor da polícia secreta KGB
Imagem: Sergey Ponomarev/The New York Times

Evgeny Shtorn, 35, um sociólogo nascido no Casaquistão, lembrou que enquanto trabalhava no Centro de Pesquisa de Voronkov em São Petersburgo foi chamado para uma reunião no Serviço Federal de Migração para discutir seu pedido de cidadania russa, que acabara de ser recusado. Quando ele foi ao escritório da migração em dezembro, como solicitado, foi levado ao andar superior a uma sala sem identificação, com câmeras de segurança do lado de fora.

Lá, encontrou um homem educado que lhe mostrou uma carteira que o identificava como oficial da FSB e que lhe explicou que sabia tudo sobre o pedido de cidadania negado e fingiu achar a decisão lamentável. "Então ele rapidamente passou a perguntar sobre o centro de pesquisas, sobre fundações estrangeiras e organizações de direitos humanos", lembrou Shtorn.

Shtorn, que é gay e estava pesquisando sobre ataques a homossexuais e transgêneros na Rússia, disse que rapidamente ficou claro que ele tinha sido visado como potencial informante, porque era "supervulnerável" devido a sua situação de imigrante e seu envolvimento com grupos de direitos gays. Certificado de que seu pedido recusado poderia ser revisto no futuro, ele foi interrogado durante quase duas horas sobre fundações estrangeiras, seu apoio financeiro a grupos gays e centros de pesquisa na Rússia e seus próprios contatos com diplomatas e ativistas estrangeiros.

O mesmo agente chamou Shtorn no dia seguinte e pediu outro encontro. Ele declinou. O oficial ligou de novo e ele recusou novamente.

"A estratégia deles é encontrar uma vulnerabilidade e usá-la para fazer você colaborar com eles. Quanto mais fraco você for, maior a probabilidade de que o procurem em algum momento", disse ele por telefone da Irlanda, para onde fugiu em janeiro depois de se recusar a colaborar.

Convencido de que o descontentamento na Rússia é principalmente causado por forças estrangeiras hostis, o aparelho policial russo se concentra cada vez mais em se infiltrar em grupos com ligações reais ou imaginárias com organizações e governos do exterior, disse Mark Galeotti, um especialista no sistema de segurança da Rússia no Instituto de Relações Internacionais em Praga, República Tcheca.

A caçada por informantes, disse ele, "tornou-se muito mais concentrada" do que era na União Soviética, quando a KGB se encheu de pessoas que passavam fofocas de escritório e domésticas inúteis. A ênfase hoje, segundo ele, é encontrar informantes que possam ter informação realmente privilegiada sobre grupos terroristas como o Estado Islâmico, assim como grupos estrangeiros pacíficos que defendem a democracia, o que o Kremlin considera uma ameaça perigosa.

Uma lista de grupos sem fins lucrativos estrangeiros foi declarada "indesejável" e uma ameaça à segurança nacional da Rússia, incluindo um posto-avançado em Londres da organização de Gryaznevich, Rússia Aberta.

O Kremlin está especialmente preocupado sobre grupos como o Rússia Aberta, disse Galeotti, por causa de suas ligações com Mikhail Khodorkovsky, um bilionário russo exilado que depois de passar quase uma década em campos de prisioneiros russos hoje vive em Londres e financia uma série de projetos destinados e promover a democracia e as liberdades civis na Rússia.

O Rússia Aberta, cujo escritório em Moscou foi invadido duas vezes pelas autoridades, diz que recebe algum financiamento de Khodorkovsky, mas não de seus grupos em Londres que foram declarados "indesejáveis". Representantes do Rússia Aberta na Rússia insistiram que não é tanto uma organização quanto uma aliança de pequenos grupos da sociedade civil russa.

Nervosa, mas também intrigada pelos motivos e a identidade do estranho que apareceu em sua casa com flores, Gryaznevich pegou seu número de telefone. Depois de ligar para seu chefe no Rússia Aberta para lhe pedir conselhos, ela concordou em encontrá-lo.

"Eu não tinha ideia de quem ele era ou do que queria, mas ele foi muito educado e gentil", lembrou Gryaznevich, que havia recentemente voltado da cidade de Vladivostok, no leste da Rússia, depois de passar uma noite em detenção policial por ajudar a organizar uma conferência lá, patrocinada pelo Rússia Aberta.

Tomando café, "Andrei" rapidamente deixou claro que sabia tudo sobre seus problemas com a polícia em Vladivostok e um volume desconcertante de informações sobre sua vida em geral, incluindo viagens ao exterior em nome do Rússia Aberta.

O homem se ofereceu para ajudá-la a resolver seus problemas jurídicos, explicando que o advogado dela não poderia protegê-la, "mas nós podemos", desde que ela os ajudasse.

Sua proposta, disse ela, foi esta: se concordasse em se encontrar uma vez por semana para passar informações, especialmente sobre seus contatos estrangeiros, quem eram, o que estavam fazendo e por quê, ela não precisaria mais se preocupar em ser perseguida pela polícia e ameaçada de prisão. "Podemos solucionar todos esse problemas", lembra ela que o homem lhe disse.

Segundo Gryaznevich, "Andrei" mostrou pouco interesse pelas atividades do Rússia Aberta no próprio país, sobre as quais parecia saber bastante, mas se concentrou em sua interação com estrangeiros.

A única vez que ele abandonou as maneiras estudadamente educadas, acrescentou a jovem, foi depois que se negou a servir de informante e recusou seu pedido para que mantivesse o encontro em segredo. Mesmo assim, disse ela, não fez as ameaças diretas muitas vezes associadas à polícia secreta russa. "Ficou óbvio que não era a primeira vez que ele fazia esse tipo de coisa", disse Gryaznevich.