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Entre choros e aplausos, EUA têm clima de comoção em processo de nomeação para a Suprema Corte

27.set.2018 - Americanas assistem, no Colorado (EUA), ao depoimento de Christine Blasey Ford em comissão do Senado americano - Kayana Szymczak/The New York Times
27.set.2018 - Americanas assistem, no Colorado (EUA), ao depoimento de Christine Blasey Ford em comissão do Senado americano Imagem: Kayana Szymczak/The New York Times

Jack Healy e Farah Stockman

Em Colorado Springs, Colorado (EUA)

28/09/2018 14h38

Os passageiros de aviões choraram enquanto assistiam nos televisores no encosto dos assentos. Estudantes universitários se agruparam o dia todo nos computadores das bibliotecas e o transmitiram em seus smartphones, atrapalhando as aulas. Amigas se sentaram juntas, atônitas e imóveis, em sofás de salas de estar. Telas de televisão em salões de manicure, bares esportivos e saguões de hotéis estavam todas sintonizadas na mesma coisa.

Durante toda a quinta-feira (27), por oito horas de lágrimas, raiva e desespero, parecia que o país inteiro não podia desviar os olhos.

No metrô de Nova York, as pessoas se agrupavam ao redor de telefones para escutar. Ficaram sentadas em estacionamentos com o depoimento saindo pela janela dos carros. Elas escutaram nos trens na volta para casa, transfixadas pelo espetáculo de alto nível que se desenrolava em uma sala de audiência lotada em Washington, enquanto Christine Blasey Ford e o juiz Brett Kavanaugh, nomeado para a Suprema Corte dos EUA pelo presidente Donald Trump, faziam relatos emotivos e irreconciliáveis de uma noite 36 anos atrás que mudou suas vidas de forma indelével, enquanto dividiam Washington e a maior parte do país.

Alguns achavam que tinham de presenciar o desenrolar da história. Eles o compararam a assistir à explosão da nave espacial Challenger ou à caçada policial por O.J. Simpson. Só que hoje era uma batalha pelo controle da Suprema Corte, misturada com perguntas sobre justiça, igualdade de gêneros e como o sistema político dos EUA trata as denúncias de agressão sexual contra membros da classe governante.

Uma dor crua e não filtrada era visível para todos presenciarem. Os democratas viram as lágrimas de Kavanaugh. Os republicanos enfrentaram a dor de Blasey.

"Isto traz de volta tanto sofrimento", disse uma espectadora identificada como Brenda, 76, do Missouri, à C-SPAN, enquanto a rede --que funciona como uma mistura de TV Senado, Câmara e Justiça nos EUA-- transmitia uma foto da cadeira vazia de Blasey. "Você nunca vai esquecer."

27.set.2018 - Christine Blasey Ford fala na Comissão de Justiça do Senado americano - Jim Bourg/AFP - Jim Bourg/AFP
27.set.2018 - Christine Blasey Ford fala na Comissão de Justiça do Senado americano
Imagem: Jim Bourg/AFP

Em Colorado Springs, três amigas que se conheceram na igreja décadas atrás afundaram em um sofá que dava vista para uma cadeia de montanhas.

Segundo as mulheres, elas pensavam que as audiências fossem um julgamento encenado, que não definiria se Kavanaugh realmente atacou Blasey numa noite em 1982, em uma festa de colegiais embebida em álcool em Maryland.

"Parece que é real para ela, não posso julgar isso", afirmou Susan Kennedy, 57, que assistia com a mão no queixo. "Eu volto a: quando você contrata alguém, você examina quem a pessoa é hoje. Mesmo que ele fizesse parte daquilo, não é quem ele é hoje."

Sentada ao seu lado, Louellen Welsch, 62, lembrou que sobreviveu a diversas tentativas de ataque sexual quando menina e jovem mulher, e refletiu em como há cerca de 30 anos ela foi obrigada a evitar um chefe que fazia brincadeiras carregadas de intenções sexuais.

"Eu tenho um problema com isto que vem à tona agora", disse ela. "Eu ficaria feliz se essas pessoas fossem processadas. Quero que sejam punidas, e não 'vou manter isso em segredo'."

Após dias de discussão ininterrupta sobre as denúncias de Blasey, as pessoas em todo o país ficaram mudas ao vê-la falar diante da câmera pela primeira vez.

No café Cravings, no oeste de Pensilvânia, onde um grupo de mulheres democratas tinha se reunido para assistir às audiências, a sala ficou em silêncio quando o depoimento de Blasey começou. Os dedos pararam de correr sobre as telas dos telefones.

Mesmo enquanto seu avião para Atlanta taxiava no Aeroporto Internacional Raleigh-Durham, Farrah Shapiro estava em seu assento do meio, colada ao telefone, assistindo à audiência do Senado em Washington. Quase no instante em que o Wi-Fi a bordo ficou disponível, ela voltou ao depoimento de Blasey. E continuou assistindo mesmo depois de pousar na Geórgia.

"É importante ver que uma mulher tem uma voz", afirmou ela comovida, enquanto os passageiros saíam do avião.

Shapiro disse que era jovem demais para se lembrar do depoimento de Anita Hill no Congresso. Era importante ver Blasey falar, explicou, mesmo enquanto viajava. Ler a cobertura da mídia seria uma coisa, explicou. Assistir ao vivo, porém, "dá um aperto no coração".

Em Plymouth, Massachusetts, Dorothy Brodesser começou a manhã sentada com uma xícara de café e seu gato cinzento para confortá-la, enquanto se preparava para assistir à audiência da Comissão de Justiça do Senado, sabendo que mexeria com suas próprias lembranças de ser estuprada.

Quando Blasey se sentou na cadeira das testemunhas, Brodesser engasgou.

"Oh, meu Deus", disse. "Parece que ela vai ter um infarto."

Quando Blasey começou a descrever a agressão, Brodesser pôs os dedos sobre as têmporas. Enquanto ela contava que a experiência mudou sua vida --como teve dificuldades na escola, por exemplo--, Brodesser assentia.

"Eu gostaria de abraçá-la", disse Brodesser enquanto assistia Blasey responder a horas de perguntas de senadores democratas e um promotor de fora contratado pela maioria republicana. "Ela parece mais frágil do que eu esperava. Eu ficaria apavorada naquele salão."

Então, quando chegou a vez de Kavanaugh falar, à tarde, o sentimento do evento mudou drasticamente, e

27.set.2018 - Dorothy Brodesser assiste ao depoimento de Christine Blasey Ford em comitê do Senado americano - Kayana Szymczak/The New York Times - Kayana Szymczak/The New York Times
27.set.2018 - Dorothy Brodesser assiste ao depoimento de Christine Blasey Ford em comitê do Senado americano
Imagem: Kayana Szymczak/The New York Times
nquanto o nomeado para a Suprema Corte irradiava raiva sobre seu processo de nomeação.

Em Portland, Oregon, Robert McCullough, um economista de energia que se descreve como um "republicano liberal", ficou chocado com o tom emocionado de Kavanaugh enquanto criticava os democratas da comissão e chorava ao falar sobre como as acusações tinham afetado sua família e seus filhos.

"Para um juiz experiente, emitir tal crítica é muito incomum", declarou McCullough. "Fiquei surpreso e um pouco alarmado."

Em Atlanta, Sophia Tone, 17, assistiu à audiência em uma sala de aula na Escola Secundária de Druid Hills, e sintonizou de novo quando chegou em casa. Enquanto Trump e os apoiadores conservadores de Kavanaugh se uniam por trás de suas respostas iradas, Tone disse que as achou perturbadoras. "Ele é tão agressivo, é difícil para mim processar o que ele está dizendo e acreditar", explicou.

Ela queria que as audiências se concentrassem em um suposto ataque sexual, mas as reações cada vez mais divisoras dos senadores dos dois partidos só salientaram, para ela, a atmosfera polarizada da política americana. "Isto não deveria ser democratas contra republicanos", refletiu.

Quando terminou, e as pessoas mudaram de canal ou desligaram os televisores, havia poucos sinais de uma catarse nacional. Os apoiadores de Blasey acreditaram nela quando disse que tinha "100% certeza" de que Kavanaugh a atacou. Aliados do juiz conservador aceitaram que ele tivesse "100% certeza" de que as acusações eram falsas.

Em Massachusetts, Brodesser terminou o dia com mais empatia por Kavanaugh e as ameaças e insultos que sua família foi obrigada a suportar. Mas ela ainda acreditava em Blasey. Sobreviver a uma agressão como ela fez, disse Brodesser, não acaba simplesmente como uma audiência de um dia na televisão.

"Toda noite quando você caminha até seu carro no estacionamento", explicou. "A cada minuto do dia você pensa nisso, quer você queira, quer não."