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Contra fake news da Rússia, EUA iniciam operação cibernética e tentam proteger campanha eleitoral

1.mar.2018 - General Paul Nakasone, chefe do Comando Cibernético dos EUA e da Agência Nacional de Segurança, em audiência do Comitê de Serviços Armados do Senado no Capitólio, em Washington (EUA) - Erin Schaff/The New York Times
1.mar.2018 - General Paul Nakasone, chefe do Comando Cibernético dos EUA e da Agência Nacional de Segurança, em audiência do Comitê de Serviços Armados do Senado no Capitólio, em Washington (EUA) Imagem: Erin Schaff/The New York Times

Julian E. Barnes

Em Washington (EUA)

23/10/2018 13h43

O Comando Cibernético dos EUA está monitorando agentes russos para tentar impedi-los de disseminar desinformação que interfira nas eleições, dizendo-lhes que agentes americanos os identificaram e estão rastreando seu trabalho, segundo autoridades informadas da operação.

A campanha, que inclui missões realizadas nos últimos dias, é a primeira operação cibernética internacional que se conhece para proteger as eleições nos EUA, incluindo as de meio de mandato em novembro próximo.

As operações ocorrem depois que o Departamento de Justiça descreveu na sexta-feira (19) uma campanha de "guerra de informação" dos russos destinada a influenciar as eleições, salientando a ampla ameaça que o governo americano vê em Moscou interferir na campanha.

Autoridades da Defesa não quiseram dizer quantos indivíduos estão sendo visados e não descreveram os métodos que o Comando Cibernético usou para enviar mensagens diretas aos agentes na campanha de influência. Não está claro se a informação foi enviada por e-mail, bate-papo ou outra forma de intervenção eletrônica.

Autoridades graduadas da Defesa disseram que não estão visando diretamente os agentes. Mas antigas autoridades afirmaram que qualquer pessoa visada saberia, com base nas ações do governo americano contra outros agentes russos, que pode ser indiciada ou sofrer sanções. Até a ameaça não declarada de sanções poderia impedir alguns russos de participar de campanhas de desinformação, segundo Andrea Kendall-Taylor, que foi membro graduado da inteligência e hoje está no Centro para Nova Segurança Americana.

"Seria uma forma de gerar vantagem que pode modificar o comportamento", disse ela.

As operações do cibercomando parecem relativamente comedidas, especialmente em comparação com os esforços cada vez mais elaborados e sofisticados da Rússia em usar desinformação para semear dissidência nos EUA.

Mas a campanha americana empreendida em reação à ofensiva de informação da Rússia se limita em grande parte a impedir Moscou de aumentar sua reação, derrubando a rede de energia elétrica ou fazendo alguma outra represália que poderia provocar um choque maior entre as grandes potências. Comparadas com o conflito armado tradicional, as regras da guerra cibernética não estão bem definidas.

O Comando Cibernético foi fundado em 2009 para defender as redes militares, mas também desenvolveu capacidades ofensivas. O comando compartilha a sede e a liderança com a Agência Nacional de Segurança (ANS), que coleta inteligência eletrônica e de sinais. Uma equipe conjunta do Comando Cibernético e da ANS está trabalhando na iniciativa de identificar e conter as campanhas de influência estrangeiras.

As autoridades americanas também disseram que a campanha é um aspecto de um esforço maior, que inclui expurgos pelas empresas de redes sociais de contas falsas que difundem propaganda, para combater a intrusão da Rússia nas eleições democráticas. O Comando Cibernético também enviou equipes à Europa para reforçar as defesas de aliados e parceiros dos EUA para que possam combater a intrusão russa em suas próprias redes, segundo autoridades da Defesa.

Autoridades da inteligência dos EUA concluíram que a Rússia não é propensa a invadir as máquinas de votação ou manipular diretamente os resultados da eleição neste ano. Na sexta-feira, o diretor da inteligência nacional disse que os governos estaduais e locais relataram tentativas de intrusão em suas redes, mas que governos estrangeiros não penetraram nos sistemas de votação.

Mas as iniciativas russas para influenciar a opinião pública espalhando informação falsa continuaram, e autoridades disseram que esses esforços estão ficando mais refinados, visando grupos específicos de americanos. Quase todos os esforços russos de desinformação, segundo autoridades atuais e passadas, visam semear dissidência, polarizando os partidos políticos e armando o cenário para a eleição presidencial de 2020.

As autoridades de Defesa não quiseram identificar seus alvos. Mas outras autoridades disseram que alguns deles estiveram envolvidos em iniciativas russas anteriores de disseminar desinformação nos EUA e na Europa, incluindo na eleição presidencial de 2016. A nova campanha americana, segundo essas autoridades, visa grupos de invasores financiados por oligarcas e agentes da inteligência russa que fazem parte da campanha de desinformação de Moscou. Não está claro se o esforço do Comando Cibernético também visa conter agentes russos acusados de invadir entidades políticas.

Outros disseram que o governo americano deve se preparar para ir além, cortando a capacidade russa de divulgar propaganda.

"É muito importante identificar a fonte e essencialmente ser capaz de neutralizar essa fonte", disse Laura Rosenberger, diretora da Aliança para Segurança da Democracia e uma antiga autoridade no governo Obama. "Essas são redes que operam. Quanto mais pudermos identificar os nódulos chaves dessas redes e removê-los, é como realmente poderemos atacar esse problema de maneira sistêmica, e não jogar tiro ao alvo."

A COO do Facebook, Sheryl Sandberg, e o CEO do Twitter, Jack Dorsey, testemunham no Comitê de Inteligência do Senado sobre a interferência russa nas eleições americanas - aJim Watson/AFP - aJim Watson/AFP
A COO do Facebook, Sheryl Sandberg, e o CEO do Twitter, Jack Dorsey, testemunham no Comitê de Inteligência do Senado sobre a interferência russa nas eleições americanas
Imagem: aJim Watson/AFP

O general Paul Nakasone, chefe do Comando Cibernético e da Agência Nacional de Segurança, sugeriu a nova operação cibernética neste mês, quando comentou que os adversários dos EUA estão "tentando realmente nos atacar abaixo do nível de conflito armado" semeando desconfiança na sociedade e "tentando perturbar nossas eleições".

"É assim que funciona a concorrência entre grandes potências hoje, e é o que vamos examinar ao examinar o futuro" [sic], disse ele durante um debate em Washington.

O Comando Cibernético tem uma história relativamente curta de operações no exterior contra adversários, mas realizou missões destinadas a conter a capacidade do Estado Islâmico de disseminar propaganda e recrutar online. Essas operações, que incluíram tentativas de congelar computadores, produziram resultados mistos.

É difícil avaliar a eficácia das ciberoperações dos EUA nesta altura. O diretor da inteligência nacional, Dan Coats, deverá concluir uma resenha depois das eleições legislativas de novembro.

Mas algumas autoridades americanas disseram acreditar que as operações iniciais tinham pelo menos em parte diminuído a eficácia do esforço de Moscou para manipular as eleições.

De maneira semelhante, autoridades britânicas disseram que viram menos atividade russa do que esperavam depois que identificaram agentes de inteligência russos por trás do envenenamento de um ex-espião russo neste ano e que as autoridades holandesas detalharam neste mês um ataque cibernético fracassado russo à Organização para Proibição de Armas Químicas.

Especialistas externos acreditam que um grande motivo pelo qual os trolls nas redes sociais russas são menos eficazes é o trabalho agressivo de companhias tecnológicas. Os expurgos pelo Twitter e o Facebook de contas criadas ou controladas por russos reduziram a efetividade da propaganda de Moscou, segundo Ben Nimmo, especialista em esforços de desinformação russos online no Laboratório de Pesquisa Forense Digital do Conselho Atlântico.

Algumas autoridades americanas disseram estar frustradas pelo que consideram a timidez do presidente americano, Donald Trump, em atacar os russos envolvidos na interferência eleitoral. Trump frequentemente hesitou sobre se acredita que os russos interferiram nas eleições de 2016 para ajudar sua campanha à Presidência.

Mas autoridades disseram que existe um amplo acordo no restante do governo de que a campanha de interferência russa continua e exige uma reação mais firme para impedir novas ações.

Com a nova campanha, afirmaram as autoridades americanas, eles estão tentando impedir a Rússia de interferir na votação neste ano e dissuadir futuros esforços. As novas operações do Comando Cibernético refletem um impulso do secretário da Defesa, Jim Mattis, para expandir o papel do Pentágono em conter os invasores cibernéticos russos que ameaçam os EUA e seus aliados. Na Casa Branca, o assessor de segurança nacional, John Bolton, também está pressionando para acelerar a aprovação de operações de defesa eleitoral.

Bolton anunciou as novas autoridades de guerra cibernética no mês passado, mas a Casa Branca não deu mais detalhes. Sob as novas diretrizes, Trump transferiu a aprovação de certos atos ao Conselho de Segurança Nacional, ao secretário da Defesa ou ao Comando Cibernético, dependendo da operação.

Nos últimos meses do governo Obama, enquanto detalhes da interferência russa na eleição de 2016 eram revelados, autoridades em particular pressionaram o Comando Cibernético e a Agência Nacional de Segurança a criar opções de reação.

O Comando Cibernético e a ANS hesitaram em oferecer opções, segundo uma ex-autoridade, temendo que se tentassem conter Moscou diretamente os agentes russos aprenderiam demais sobre as técnicas de espionagem dos EUA, que estão entre os maiores segredos do governo.

Desde que assumiu o leme do Comando Cibernético e da ANS, em maio, Nakasone disse que tem autoridade para agir contra adversários que ameaçam as eleições americanas. Tanto no comando como na agência, ele pressionou para desenvolver novas opções para conter a interferência.

As autoridades americanas disseram que a iniciativa russa para desestabilizar as eleições nos EUA está estreitamente ligada ao trabalho de Moscou na Europa.

A queixa criminal revelada na sexta-feira mostrou que Elena Alekseevna Khusyaynova, a contadora de São Petersburgo envolvida na campanha de desinformação nos EUA, também atuou na Europa, inclusive na Ucrânia, considerada o foco dos esforços de Moscou para fragilizar seus vizinhos e o Ocidente.

O Comando Cibernético também enviou equipes à Ucrânia, à Macedônia e a Montenegro, para formar defesas contra hackers russos que pretendem penetrar redes de governos da Europa do Leste.

Os EUA estão ajudando Montenegro a remover agentes cibernéticos russos de sistemas não secretos do governo, segundo uma autoridade graduada do país. Um trabalho difícil, que poderá levar meses para encontrar e fechar todos os pontos de acesso que os hackers russos criaram. Os russos não penetraram nos sistemas secretos do governo, disse a autoridade.

Líderes europeus vêm pedindo que os EUA assumam um papel maior no bloqueio da atividade cibernética e interferência russas.

A Lituânia está trabalhando com os EUA em treinamento de defesa militar, assim como pesquisa e desenvolvimento de defesas cibernéticas, disse a presidente Dalia Grybauskaite em uma entrevista. Mas ela também pressionou por maior cooperação, incluindo uma presença rotativa de especialistas militares no Centro de Defesa Cibernética da Lituânia.

"O que vemos é uma pressão crescente e constante no campo cibernético, na frente de informação, propaganda e, recentemente, fake news", disse Grybauskaite. "Seus esforços e instrumentos estão ficando mais sofisticados a cada dia."