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Aquecimento climático em São Paulo já é o dobro da meta global

Pode acreditar, esta é São Paulo: com o tempo seco e temperatura na casa dos 25ºC - Werther Santana/Estadão Conteúdo
Pode acreditar, esta é São Paulo: com o tempo seco e temperatura na casa dos 25ºC Imagem: Werther Santana/Estadão Conteúdo

Wanderley Preite Sobrinho

Do UOL, em São Paulo

06/11/2018 04h01

O mundo se prepara para uma nova rodada de negociação climática em dezembro deste ano na Polônia. A COP 24 (24ª Conferência do Clima) pretende que governos, indústrias e populações inteiras mudem a forma de se relacionar com o meio ambiente. O objetivo é limitar o aumento da temperatura global em até 1,5ºC até o final do século, tendo como comparação o clima na era pré-industrial. Em algumas cidades do mundo, no entanto, o aquecimento já se aproxima dos 3ºC, como é o caso de São Paulo. 

As consequências podem ser graves. São Paulo deve enfrentar nos próximos anos chuvas cada vez mais fortes e alagamentos isolados, ao mesmo tempo em que períodos de seca poderão causar falta de água nos reservatórios. As temperaturas noturnas devem aumentar, custando a vida de idosos, enquanto a redução de alimentos no campo levará a cidade a investir em agricultura urbana.

A previsão é de Marcos Buckeridge, coordenador do programa USP-Cidades Globais e coautor de um dos capítulos do Quinto Relatório do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas), uma organização criada em 1988 no âmbito da ONU (Nações Unidas).

“Em São Paulo já tivemos um aumento de 2ºC nos últimos 50 anos. Temos olhado reiteradamente estes dados, que podemos obter dos bancos de dados que temos sobre São Paulo e, por eles, estamos mesmo caminhando para os 3ºC”, afirmou o biólogo ao UOL.

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O especialista acredita que 90% da população mundial viverá em cidades até 2040, uma vez que os custos de vida seriam 15% mais baratos nos centros urbanos. “As cidades médias estão crescendo cada vez mais. Perto dos 3ºC, São Paulo é um laboratório para saber o que acontece se passarmos de 1,5ºC”, diz.

O biólogo Marcos Buckeridge ajudou a redigir documento internacional sobre mudanças climáticas - Divulgação - Divulgação
O biólogo Marcos Buckeridge ajudou a redigir documento internacional sobre mudanças climáticas
Imagem: Divulgação
No ano passado, a ONU divulgou um estudo que prevê uma elevação de 3,2ºC na temperatura global até 2100. Esse aumento custaria caro a muitas cidades do mundo. Em Nova Orleans, nos Estados Unidos, o aquecimento provocaria aumento do nível do mar e temperaturas mais quentes na superfície dos oceanos. O resultado seria a ocorrência frequente de furacões na região, como o Katrina, que em 2005 provocou a evacuação de 1 milhão de pessoas.

Na Cidade do Cabo, na África do Sul, o risco é o agravamento da seca, que já dura um século. A escassez de água nos próximos anos deve ser maior embora a cidade venha construindo estações de dessalinização e até restringindo o uso da água.

Com uma população de 14,4 milhões de pessoas, Daca, em Bangladesh, assiste a um preocupante aumento no nível dos oceanos. A expectativa é de que, na região, eles subam de dois a quatro metros nos próximos três séculos. O problema é que a cidade fica a apenas quatro metros acima do nível do mar.

Em São Paulo, os quase 3ºC de aquecimento global terão pelos menos seis consequências, de acordo com Buckeridge:

1 – Chuvas e alagamentos

A cidade passará por chuvas cada vez mais fortes, resultando em alagamentos localizados. “Uma melhor arborização da cidade pode ajudar a espalhar melhor as nuvens e amenizar os extremos de chuvas em certas regiões”, acredita o biólogo. “A arborização em São Paulo é assimétrica, como ocorre nas grandes cidades do mundo, inclusive Paris e Nova York. Um aumento de arborização na Zona Leste, por exemplo, pode ajudar.”

2 – Morte de idosos

Períodos de alta temperatura noturna por vários dias são extremamente prejudiciais à saúde humana, levando inclusive à morte de pessoas mais velhas. Um fenômeno que pode virar rotina nos próximos anos. “Se não tomarmos medidas para resfriar a cidade, e a arborização tem um papel importante, poderemos ter problemas sérios nas próximas duas décadas. Os seres humanos se adaptam a mudanças de temperatura, mas podemos sair de uma região que qualquer ser humano tolera.”

3 – Energia e Transporte

O especialista prevê que as altas temperaturas levarão mais e mais pessoas a instalarem sistemas de condicionamento de ar em casa além de aumentar o uso do ar-condicionado em automóveis. O transporte público também terá que se adaptar. “Com isto, teremos maior gasto de energia de forma geral, aumentando a demanda. Se a nossa matriz energética não estiver bem adaptada, aumentaremos as emissões ao invés de diminuí-las.”

4 – Água

A elevação da temperatura também faz crescer o consumo de água. As consequências disso são o aprofundamento das desigualdades, “pois a situação em regiões onde tradicionalmente falta água vai piorar”; crescimento do desperdício proporcional ao aumento de seu consumo; e dependência ainda maior das chuvas. “Isso porque o tamanho da população na região metropolitana já é tal que não temos margem de segurança para eventuais períodos de escassez hídrica”, diz Buckeridge.

5 – Alimentos

Os efeitos negativos do aquecimento sobre a produção agrícola no campo comprometerão a produtividade e qualidade dos alimentos, afetando as populações urbanas. “Os efeitos do aquecimento global são diferentes dependendo da planta. Nós provavelmente teremos que nos preparar para monitorar os alimentos em tempo real para saber o que está acontecendo. A discussão agora é sobre a possibilidade de agricultura urbana. São Paulo já está entrando neste caminho, mas esse tipo de agricultura também deverá enfrentar problemas com aumento de temperatura e poluição.”

6 – Doenças Infecciosas

As temperaturas mais altas no verão já vêm intensificando os casos de doenças infecciosas como dengue, febre amarela, zika e outras provocadas por vírus e dependentes de vetores animais que podem se espalhar pela região urbana. “A interação com as florestas periurbanas (regiões que abrangem a periferia de uma cidade) é fundamental. Temos que entender melhor estas interações complexas (floresta-macaco-inseto-vírus-homem) e montar sistemas de monitoramento eficientes para evitar epidemias nas cidades.”

Contra o superaquecimento, o pesquisador espera que o Brasil invista ainda mais em etanol, que “sozinho pode substituir 15% da gasolina mundial e evitar a emissão de carbono em até 6% em relação a 2014”, afirmou o biólogo em debate com outros pesquisadores ambientais no dia 19 de outubro. “Não há necessidade de destruir floresta para produzir energia renovável."

O Brasil, e especialmente São Paulo, também poderia se beneficiar do uso de energia solar para “eletrificar” sua frota de carros. “Temos o maior potencial do mundo para energia solar que pode nos ajudar na eletrificação dos automóveis e do transporte público. Estamos quase no limite da energia hidroelétrica. Vamos precisar produzir mais energia renovável. No Brasil, nossa transição pode ser a de usar o etanol e eletrificar os automóveis ao mesmo tempo, desenvolvendo a energia fotovoltaica com o etanol.”