Carlos Madeiro

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Reportagem

TRF1 rifa Ibama do licenciamento de projeto da maior mina de ouro do país

Em uma reviravolta jurídica, o TRF1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região), em Brasília, devolveu na semana passada ao governo do Pará o papel de realizar o licenciamento ambiental do projeto de maior mina a céu aberto no país a ser instalado na região do Xingu. A decisão tira do Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis) a responsabilidade.

O projeto Volta Grande, da empresa canadense Belo Sun Mineração, quer usar uma área de 2.428 hectares por 12 anos para retirar cinco toneladas de ouro ao ano. A ideia é vista com preocupação pela comunidade local devido aos prováveis impactos ambientais. Além disso, está próxima à usina de Belo Monte, que já causou diversos danos ao meio ambiente.

A disputa judicial em torno do licenciamento ambiental do projeto dura mais de 10 anos. O governo do estado, por meio da Semas (Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade), havia concedido duas licenças à Belo Sun: a prévia, em 2014; e a de instalação, em 2017.

Ainda em 2014, o MPF (Ministério Público Federal) pediu a federalização do licenciamento, atribuindo a responsabilidade ao Ibama. O pedido do MPF foi aceito pela Justiça Federal em primeira instância em setembro de 2018 e durou até a semana passada.

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Imagem: Arte UOL

Reviravolta

Na última sexta-feira (24), os mesmos desembargadores da 6ª Turma do TRF1, que em setembro de 2023 confirmaram o Ibama como o órgão licenciador, mudaram de posição.

Eles decidiram acolher um recurso proposto pela Belo Sun e passaram novamente ao estado do Pará a responsabilidade pelo licenciamento, o que reduz os itens a serem analisados.

O MPF informou que vai recorrer da decisão, mas ainda estuda o caso para se pronunciar com mais detalhes.

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O argumento do MPF é que a federalização é necessária porque incluiria a análise de mais três pontos considerados fundamentais:

  • Impacto em terras indígenas;
  • Impacto ambiental no rio Xingu;
  • Sobreposição dos impactos do empreendimento com os da construção da usina hidrelétrica Belo Monte, na Volta Grande do Xingu.

Procurada, a Semas informou que não havia sido notificada da decisão até a noite de segunda-feira (27). A Belo Sun foi contatada pela página do projeto no Instagram e pelo e-mail do site, mas não houve retorno. O espaço está aberto para manifestação.

A Belo Sun Mineração afirma na página do empreendimento que, como o projeto não inclui TIs (Terras Indígenas), não é obrigada a realizar estudos de impactos.

A instalação do projeto levou entidades a fazerem uma queixa na ONU contra Brasil e Canadá, em maio de 2024.

Casa de força da hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu
Casa de força da hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu Imagem: Lalo de Almeida - 19.set.2022/Folhapress
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Revolta local

A decisão de passar a responsabilidade ao Estado causou surpresa e medo à comunidade local. "Nós estamos acompanhando aqui com muita apreensão essa decisão retrógrada", diz Ana Barbosa, do movimento Xingu Vivo, citando ainda que os impactos da definição ainda não estão claro.

"Estamos ainda em um processo de entender o que virá com essa decisão, há muita desinformação", afirma.

Nossa área está bastante comprometida pela usina de Belo Monte. É uma área rica em biodiversidade e de povos indígenas e comunidades tradicionais. Temos outros povos que migraram para essa região. O que nos surpreende a forma que os governos estadual e federal nos tratam, mesmo clientes disso tudo.
Ana Barbosa

Para ela, a implantação de um projeto desse porte no estado da COP 30 é "um descaramento". "Aqui justamente vai se falar da degradação ambiental, que está mudando o curso natural do planeta. Para nós, essa questão aqui é central. A gente fica como?", diz.

Entenda as decisões em detalhes

A Semas —que estava fora e agora volta à cena— deu a licença de instalação ainda em 2017 para extração de ouro por um período de 12 anos e monitoramento de mais oito anos após o fechamento da mina.

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A licença de instalação foi concedida após a aprovação do projeto executivo, com base no previsto na licença prévia. Ela autoriza o início da implantação do empreendimento. Para funcionar, é necessária a licença final, de operação, solicitada depois da construção.

Em setembro de 2018, a 1ª Vara Federal de Altamira acolheu o pedido do MPF e decidiu que o licenciamento deveria ser feito pelo Ibama, e não pelo governo do estado.

A empresa então recorreu ao TRF1. Em setembro de 2023, a 6ª Turma confirmou a decisão e manteve o Ibama como órgão licenciador. Logo após essa decisão, a Belo Sun entrou com embargos de declaração questionando a decisão e conseguindo a reviravolta.

Canal do rio Xingu na região da Volta Grande, próximo da barragem de Belo Monte
Canal do rio Xingu na região da Volta Grande, próximo da barragem de Belo Monte Imagem: Lalo de Almeida - 19.set.22/Folhapress

Outra decisão contrária

A Belo Sun ainda enfrenta uma outra disputa, que envolve a concessão pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) da área onde está o ouro.

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As Defensorias Públicas do Estado e da União entraram na Justiça em 2022 alegando que a concessão foi irregular, pois não houve processo administrativo para conceder uma área de uso comum a um domínio privado. Além disso, argumentam que o contrato fere os direitos das comunidades assentadas e configura "desvio de finalidade."

As defensorias alegam ainda que a Belo Sun estaria "agindo como proprietária da área, controlando a circulação e acesso de terceiros".

Em novembro do ano passado, a Justiça Federal atendeu ao pedido das defensorias e suspendeu a concessão. A empresa canadense recorre.

Reunião do Incra com assentados para esclarecer o contrato de concessão de uso de terras pela Belo Sun
Reunião do Incra com assentados para esclarecer o contrato de concessão de uso de terras pela Belo Sun Imagem: Divulgação/Belo Sun

Entenda o projeto

O projeto Volta Grande prevê um investimento total de R$ 1,22 bilhão, com 2.100 empregos diretos na obra e 526 na operação. A sede do projeto no município de Senador José Porfírio (PA).

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O ouro vai ser garimpado pelo método de cava a céu aberto porque o minério não está tão profundo. As cavas terão 220 metros de profundidade.

Sobre os rejeitos, a empresa diz que fará uma barragem com capacidade total de 35,4 milhões de metros cúbicos, ou 1/3 da barragem de Fundão, de Mariana (MG). A empresa garante que ela será "construída para permanecer estável durante toda a vida útil do empreendimento e após o encerramento das operações."

A Belo Sun alega também que a operação do projeto não será desenvolvida no leito do rio Xingu, independe das condições de nível do rio e não vai interferir na vazão. Segundo a companhia, a instalação do projeto Volta Grande deve durar dois anos.

Segundo o governo do Pará, o projeto deve gerar R$ 60 milhões de em royalties de mineração em 12 anos, ou seja, R$ 5 milhões ao ano.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

38 comentários

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Marly Alves dos Santos Smuda

É muito simples, porque que os desembargadores que antes tinham negado, agora autorizam? Segue o dinheiro......

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Ciro Lauschner

Todo mundo querendo sua parte. O resto é conversa para desviar atenção.

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Márcio Pompei

Se correta a informação, quando funcionar o faturamento será maior que R$2,5 bilhões/ano em valor atual.  Em conceito a soma dos tributos deveria alcançar ao menos 1/3 disso. E conforme a prática no Brasil, a maior parcela seria desviada.  Também é bem possível que o garimpo ilegal já esteja em peso no local, e esse não gera tributos.

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