Exportação de soja para a China puxa desmatamento no Cerrado
Acelerada nas últimas duas décadas, a exportação de soja para a China tem estimulado a expansão do agronegócio no Cerrado, o bioma mais desmatado do Brasil em 2023.
O que aconteceu
Um relatório apontou ontem (28) que o Cerrado superou a Amazônia e se tornou o bioma mais desmatado do país. Segundo a rede Mapbiomas, autora do estudo, a região do Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), dedicada ao agronegócio para exportação, concentrou 47% de todo o desmatamento registrado no Brasil no ano passado.
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A expansão do agronegócio no Matopiba é estimulada pelo mercado internacional. Dados da plataforma Agrostat, do Ministério da Agricultura, apontam que os quatro estados da região mais que dobraram sua participação nas exportações do agro brasileiro. Em 2004, Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia respondiam juntos por 4,15% do valor exportado. No ano passado, a fatia foi de 9,6%.
Em 20 anos, a China se tornou a maior compradora do agro brasileiro. Em 2004, segundo a Agrostat, o país asiático respondia por 7,61% das exportações brasileiras do setor, contra 14,75% dos EUA e 32,64% da União Europeia. Em 2023, a fatia chinesa subiu para 36,17%, enquanto a da União Europeia caiu para 12,93%, e a dos EUA recuou para 5,9%.
A China se consolidou como a principal compradora de soja do Matopiba. Os quatro estados juntos exportaram, em 2004, 2 milhões de toneladas do grão para a União Europeia e apenas 186 mil toneladas para a China. Em 2023, o panorama se inverteu: foram 3 milhões de toneladas para a Europa, contra 11,4 milhões de toneladas para o mercado chinês, quase o quádruplo.
A regulação mais fraca é um dos motivos para a preferência pela China. Leis mais rígidas da União Europeia em relação à soja transgênica, por exemplo, têm ajudado a direcionar as exportações brasileiras para a China.
O Brasil já exportou muito para a União Europeia no passado, mas o mercado consumidor se tornou mais crítico e vem impondo restrições sobre as questões ambientais e sociais da produção agropecuária. E são restrições que a China não tem. Hoje os chineses se consolidaram como os maiores compradores de produtos como soja, milho e algodão do Matopiba
Vicente Eudes Lemos Alves, professor do instituto de geociências da Unicamp
Agro cresce sob fraca regulação ambiental
A maior parte do desmatamento do Matopiba ocorre de forma legal. Isso acontece porque o Cerrado, que abriga mais de 90% da área do Matopiba, tem leis de proteção mais fracas que outros biomas. Enquanto o Código Florestal obriga produtores rurais a preservar 80% da vegetação em suas propriedades na Amazônia, essa taxa é de 20% no Cerrado.
O desmatamento no Matopiba mais que triplicou nos últimos cinco anos, segundo o Mapbiomas. Em 2019, a plataforma detectou o desmatamento de 273 mil hectares na região, quase o dobro da área da cidade de São Paulo. No ano passado, a taxa saltou para 859 mil hectares, o que representa mais de cinco vezes a capital paulista.
Dos estados mais desmatados do Brasil em 2023, três são do Matopiba. Maranhão (1º), Bahia (2º) e Tocantins (3º) ultrapassaram Pará (4º) e Mato Grosso (5º), que tradicionalmente ocupavam os primeiros lugares da lista. De 2022 para 2023, o Tocantins foi o estado que mais acelerou o desmatamento — aumento de 177,9%, de acordo com o Mapbiomas.
A expansão do agro nessa região se explica porque as terras, há cerca de vinte anos, eram ainda muito mais baratas que em regiões com o agronegócio já consolidado. Por ter muitas áreas planas, em que é fácil praticar a agricultura mecanizada, essa é uma região de grande interesse de grandes empresas
Vicente Eudes Lemos Alves, professor do instituto de geociências da Unicamp
Desmatamento caiu em área crítica da Amazônia
Os dados do Mapbiomas indicam um deslocamento no eixo do desmatamento no Brasil. O maior foco de preocupação nos últimos anos foi a região chamada de Amacro, em torno da divisa entre Amazonas, Acre e Rondônia.
De 2019 a 2022, o desmatamento havia quase dobrado nessa região, o que atraiu mais atenção da fiscalização ambiental. Ao contrário do Matopiba, onde a perda de vegetação costuma acontecer em áreas legalizadas, a Amacro é marcada por crimes ambientais como pecuária ilegal e extração de madeira.
Em 2023, o desmatamento nessa região caiu 74% em relação ao ano anterior, segundo o Mapbiomas. De 390 mil hectares de vegetação perdida em 2022, quase três vezes a cidade de São Paulo, a área desmatada caiu para 102 mil hectares — cerca de dois terços da área da capital paulista — no ano passado.