Em um estudo acadêmico recém-lançado, a jornalista e linguista Eliara Santana busca demonstrar que o "Jornal Nacional" foi "um suporte relevante" na implementação e consolidação de alguns processos políticos recentes da história brasileira, como o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT). Na visão da pesquisadora, a chamada "mídia corporativa", que o principal telejornal da Globo integra, também exerceu um papel na situação que se seguiu ao afastamento de Dilma, "inserindo o país num quadro de grande polarização social e também de desestruturação política e econômica, estendendo-se ao processo eleitoral de 2018 e posteriormente". No livro "Jornal Nacional: um ator político em cena" (Editora Meraki, 192 págs., R$ 46), Santana afirma que o desenrolar do processo de impeachment seria diferente "se não fosse amparado e legitimado pela mídia corporativa". Ela defende a ideia de que os meios de comunicação "construíram uma narrativa" que levou as pessoas a associarem o PT a "uma corrupção nunca vista antes" e a responsabilizar o governo Dilma por "uma crise econômica sem precedentes". Para demonstrar a tese, a pesquisadora busca exemplos em diferentes edições do "Jornal Nacional". Em 13 de março de 2015, ao noticiar manifestações a favor de Dilma, o JN enfatiza que os organizadores são sindicalistas da CUT. Três dias depois, ao falar de protestos contra a presidente, o telejornal não identifica os organizadores, o que, segundo ela, daria uma ideia de "espontaneidade do movimento". A divulgação no JN de áudios vazados de uma conversa de Dilma com o ex-presidente Lula, em março de 2016, "induz os telespectadores à emoção, à comoção, que não é necessariamente positiva, mas também de raiva e indignação". Isso ocorre, segundo Santana, pela forma como a notícia foi "encenada, com a dramatização da ação e representações dos personagens e a intervenção de narradores" (William Bonner e Renata Vasconcellos). A representação gráfica das notícias sobre acusações de corrupção no JN neste período - um duto por onde sai dinheiro com um fundo vermelho - busca "despertar a emoção do espectador", diz. Some-se a isso, aponta, a "modalização da voz e da entonação (mais grave e circunspecta em alguns momentos, efusiva em outros)" dos apresentadores do telejornal. A pesquisadora enxerga também um "processo de ressignificação" do noticiário econômico, no qual "problemas conjunturais passam a ser abordados como questões gravíssimas" e notícias positivas sofrem o efeito do "silenciamento". São os casos do anúncio, em 2014, que o Brasil saiu do mapa da fome da ONU, noticiado em 38 segundos, e o registro de que o país atingiu o mais baixo índice de desemprego na história (4,8%), em dezembro de 2014, que mereceu 30 segundos do JN. A título de comparação, Santana registra uma notícia de janeiro de 2018, no governo Temer, quando o índice de desemprego chega a 12,7%, o pior em cinco anos, e a ênfase do telejornal é nos "sinais de recuperação da economia ainda discretos, mas suficientes para estimular mais pessoas a procurarem empregos". A pesquisadora vê abordagens diferentes em relação ao ex-presidente Lula e ao então candidato presidencial Jair Bolsonaro, em 2018. Os dois passam pelo que ela chama de um processo de "silenciamento" - as notícias evitam exibir as falas de ambos. No caso de Lula, ainda preso, é com "viés negativo", pois ignora as muitas entrevistas que dá e a movimentação política que ocorre em torno dele no período. No caso de Bolsonaro, é com "viés positivo", pois seria uma forma de "não expor um candidato controverso e declaradamente homofóbico". Por fim, Santana analisa o que ela enxerga como "a desconstrução do presidente Bolsonaro", a partir da eleição e posse. O "silenciamento" ocorrido na campanha eleitoral dá lugar, diz, a um "embate frontal" a partir de 2019, com denúncias de corrupção e notícias sobre a morte de Marielle Franco e, em 2020, com a exposição do discurso negacionista do presidente sobre a pandemia de coronavírus. Ainda que sustentada por registros objetivos, a análise de Eliara Santana reproduz, em várias passagens, uma visão consolidada há tempos no campo da esquerda de que a Globo persegue o PT. O estudo ganharia mais solidez se recuasse até, pelo menos, o final dos anos 1980 e mostrasse como o "Jornal Nacional" noticiou episódios-chave da vida política e econômica em outros governos. PUBLICIDADE | | |