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Mauricio Stycer

REPORTAGEM

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Pedro Cardoso: Donos de TVs estão desinteressados em construir um país

Colunista do UOL

11/07/2022 12h43Atualizada em 11/07/2022 15h20

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Um dos mais talentosos e corajosos atores de sua geração, Pedro Cardoso deu uma longa entrevista ao UOL nesta segunda-feira (11). Falou muito sobre a situação política do Brasil, sua ojeriza ao governo Bolsonaro, os riscos que a democracia brasileira enfrenta neste momento, e também sobre comunicação e televisão. "As TVs abertas brasileiras estão entregues a pessoas completamente desinteressadas de construir um país. São pessoas interessadas no negócio imediato ou são pessoas realmente desonestas", disse.

Pedro foi contratado da TV Globo por mais de 30 anos, até o final de 2015. Atuou em humorísticos, novelas e séries, entre tantos trabalhos. O mais marcante e conhecido foi o personagem Agostinho Carrara, que interpretou por 14 temporadas de "A Grande Família". Hoje vive em Portugal, mas segue conectado ao Brasil.

Selecionei alguns trechos da entrevista, conduzida pelo jornalista Kennedy Alencar, que também contou com Cristina Padiglione e comigo. Veja no trecho acima e na íntegra da conversa abaixo:

Artistas devem se manifestar?
Há momentos e momentos da história de um país. Todos, não só os artistas, têm a obrigação de se manifestar. No momento que estamos agora, de absoluta ameaça à democracia, qualquer pessoa que tiver a oportunidade de divulgar ideias a favor da democracia tem a obrigação, sim, de fazer. Defender a democracia do ataque que ela está sofrendo do grupo atualmente no poder é uma obrigação moral de qualquer pessoa. Hoje não falar é falar a favor do regime autoritário que está tentando ser imposto ao Brasil.

Falta humor na TV
Não há nada mais saudável do que paródia política. Não haver paródia política na TV é um sinal de timidez dos empresários ou conivência com outros empresários. As TVs abertas brasileiras estão na mão de empresários associados a este grupo que está no poder. Com exceção da Globo, que não é associada a este grupo, já foi associada com outros, e faz oposição a este grupo.

Os meios de comunicação hoje
Não só a televisão, mas todo o negócio da comunicação no Brasil está aquém da tarefa. Os empresários são tímidos. O Brasil está sofrendo pressão do capital estrangeiro, HBO, Netflix, que está passando pelo país. E o empresário brasileiro é muito mal escolhido pelo poder público. As TVs abertas brasileiras estão entregues a pessoas completamente desinteressadas de construir um país. São pessoas interessadas no negócio imediato ou são pessoas realmente desonestas.

Intolerância
A intolerância não pode ser tolerada. Porque ela autoriza o desmonte da democracia. Venho aqui, onde me considero respeitado e podendo respeitar. Daria uma entrevista a O Globo, a um monte de lugares. Mas há outros lugares onde eu já não iria hoje.

Trinta anos de "Anos Rebeldes"
Gilberto Braga era melhor que o empresário que o empregava. E trouxe, naquele momento, aquele tema que a televisão brasileira ainda não tinha tratado, que era a ditadura militar de 64. E a Globo foi muito sábia de permitir que ele fizesse a série. Sabedoria que não sei se ela depois manteve. Como quando vetou, em "A Grande Família", que o Agostinho voltasse da prisão convertido como evangélico. Refugou da realidade. Sempre falei que o defeito da Rede Globo era tentar criar um país que parecia uma Disneylândia. Essa negação de aceitar o Brasil é o erro, na minha opinião, da TV Globo. Mas a emissora não consegue resistir à pressão dos artistas. Taí uma novela agora, "Pantanal", que é uma novela com muitas qualidades dramatúrgicas. Benedito é um homem muito talentoso. Temos que lembrar todas as novelas do Dias Gomes. Era comunista, mas era um artista de grandeza, não ia à TV fazer política partidária, mas reflexão sobre a identidade nacional. Gostaria que a TV brasileira recuperasse os artistas brasileiros.

Trabalho de autor
Tenho uma questão sobre o direito autoral. O que o empresário compra do artista é uma obra acabada. Você não compra um quadro de Picasso em pedaços para montar. O industrial de telecomunicação tem a ilusão que ele compra de um artista como eu, ou outro qualquer, uma obra de montar. Então, ele pega a minha ideia e põe na mão de um diretor e põe outra pessoa para supervisionar. Eles tentam quebrar a autoria, multiplicar a autoria, para que ninguém seja o dono e para que ele, empresário, seja o dono. Essa sempre foi a minha questão com todos os empresários com quem trabalhei. O que eu vendo é uma obra acabada. Não vendo trechos. A lei do direito autoral me reconhece isso. O que sempre me criou atritos.

Netflix, HBO etc
O streaming tenta fazer uma TV americana no Brasil. Acho que tem pouquíssima sensibilidade para o fato cultural brasileiro. E a pessoa que o streaming termina por contratar é aquela que mais se assemelha a um pastiche internacional. Essa é minha sensação, falando de maneira geral, e também não conheço obra do streaming que tenha penetrado na sociedade brasileira. "Pantanal" faz muito mais eco na vida cultural no Brasil do que qualquer programa no streaming.

Invasão de privacidade
A vida do artista é tão importante quanto a de qualquer pessoa. Quando o artista começa a assumir que a vida dele é mais importante que a do próprio público, acho que o artista comete uma indelicadeza. Para de vender uma arte e passa a vender apenas uma biografia. Isso é uma falsidade.