Ainda faltam dois meses e meio para o ano terminar, mas arrisco dizer que não haverá nenhuma série brasileira capaz de tirar de "Rota 66" o título de melhor do ano. A adaptação de Maria Camargo e Teodoro Poppovic do livro de Caco Barcellos resultou num programa de alta qualidade, que emociona, informa e faz pensar. São qualidades difíceis de reunir numa só série. Os oito episódios de "Rota 66", disponíveis no Globoplay, conseguem fazer isso naturalmente, sem qualquer intenção de didatismo ou de doutrinação. Recriam uma história real, sobre brutalidade policial, apurada pelo repórter em meados dos anos 1980, e a apresentam com os melhores recursos possíveis. Quem já leu o livro de Caco Barcellos logo perceberá que a série não é uma adaptação literal. Sua força vem justamente da decisão de oferecer ao espectador elementos próprios da ficção para facilitar a compreensão dos dramas narrados no texto jornalístico. Mas a essência está toda lá. A ação letal da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), muitas vezes estimulada ou protegida pelos superiores, levou policiais militares a matarem milhares de jovens pretos da periferia que não tinham qualquer antecedente criminal. Para demonstrar isso, Caco Barcellos foi às ruas, bateu em portas de barracos em favelas, fuçou os arquivos do Instituto Médico Legal e peitou PMs que se orgulhavam de sua valentia. No livro, o discreto repórter evita falar dos transtornos que essa investigação causou em sua vida pessoal. Mas a série, sabiamente, o humaniza, mostrando o impacto da apuração obsessiva em suas relações afetivas. Humberto Carrão, no papel de Caco Barcellos, consegue transmitir tudo isso - da coragem impressionante ao medo do repórter, da sua sensibilidade diante dos entrevistados à dificuldade de lidar com afetos próximos. A série mostra que, por mais "louco" que pudesse parecer, Caco nunca perdeu de vista que o seu trabalho envolvia e afetava também uma grande equipe e os seus familiares. "É uma série que pode prestar um serviço muito forte a respeito do debate do tema, que é o genocídio negro no Brasil, mas como a gente está num Brasil muito polarizado, onde as discussões vão ficando cada vez mais sem escuta, meu medo é o da série não ser absorvida de uma forma mais porosa por todas as pessoas", diz a atriz Naruna Costa, que interpreta na série a mulher de uma vítima da Rota. Outro assunto que livro e série abordam é o papel da mídia diante da violência policial. Caco mostra que os policiais violentos da Rota encontraram apoio em radialistas, que comungavam da tese que "bandido bom é bandido morto". O jornal "Notícias Populares", que reproduzia a versão oficial sobre as mortes, o ajudou a entender a maneira de agir dos PMs. Por outro lado, "Rota 66" presta um tributo ao jornalista policial Octavio Ribeiro, o Pena Branca, que é um precursor do trabalho de Caco. A série começa com a investigação sobre a morte de três jovens brancos de classe média alta nos Jardins, em 1975, sob a alegação de um tiroteio que depois se mostrou falso, e vai até o massacre do Carandiru, com 111 presos mortos pela polícia, em 1992. Adaptada por Maria Camargo (autora de "Dois Irmãos" e "Assédio") e Teodoro Poppovic, "Rota 66" tem redação final de Maria Camargo, roteiro de Teodoro Poppovic, Déo Cardoso, Mariah Schwartz, Philippe Barcinski, Felipe Sant'Angelo e Guilherme Freitas, com direção artística de Philippe Barcinski e direção de Philippe Barcinski e Diego Martins. A destacar no elenco, além de Carrão, Lara Tremouroux, Aílton Graça, Naruna Costa, Wesley Guimarães, Rômulo Braga, Juan Queiroz e Adriano Garib. PUBLICIDADE | | |