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Base popular que poderia apoiar o governo não quer se mobilizar

Especial para o UOL

26/08/2015 06h00

Há uma pergunta que não quer se calar e que está colocada desde o início das manifestações contra o governo: por que uma parcela substancial da sociedade que não quer o impeachment, que está assustada com uma pauta extremamente conservadora permanece quieta. Essa parcela tem medo que a redução da desigualdade recentemente conquistada se evapore, mas não consegue se mobilizar. Por que motivo?

Esses atores, que chamo de campo democrático popular, se mobilizaram constantemente desde 1985 até o ano passado. Citemos alguns momentos decisivos: a campanha das Diretas Já; a pressão pelo impeachment do ex-presidente Collor; momentos decisivos das campanhas eleitorais do ex-presidente Lula; junho de 2013. Todos estes momentos foram de forte mobilização desse campo democrático popular que, no entanto, não conseguiu se mobilizar em 2015.

As manifestações de 20 de agosto último foram mais uma evidência dessa incapacidade. Apesar dos bons números no Rio e em São Paulo, os protestos não tocaram o campo democrático e ficaram fortemente concentradas entre os atores sindicais. Vejamos alguns dos dados: 1.000 pessoas em Curitiba, 1.000 em Belém, 2 mil em Belo Horizonte e 40 mil em São Paulo expressam um fato básico que tem que ser entendido: a base democrática popular que poderia apoiar o governo não quer se mobilizar.

Cidades centrais para o projeto participativo, como Belo Horizonte e Porto Alegre, não se mobilizaram fortemente, e o motivo é claro: um ciclo de mobilização e de organização social que existiu no Brasil desde 1985 se encerrou em 2013. Para que um novo ciclo surja é necessário reorganizar os atores dos protestos, suas relações com o governo e suas relações com os restantes dos atores socais.

Atores dos protestos

Vejamos como tal concepção de reestruturação se aplica aos principais atores que foram às manifestações do último dia 20. Em primeiro lugar, situa-se o movimento sindical, que já foi o grupo central desse campo político. Este grupo mobilizou-se fortemente nos anos 80 e 90 e ainda é capaz de mobilizar, como foi possível observar na quinta-feira passada.

Provavelmente foi ele quem levou mais pessoas às ruas. Ainda assim, esse grupo está na defensiva devido à existência de uma política econômica que ele não apoia, mas também porque muitos dos seus membros são identificados com práticas políticas que acabaram deixando todo o campo democrático popular vulnerável.

O corporativismo em relação aos principais elementos da política econômica, a reivindicação de benefícios previdenciários insustentáveis e presença de lideranças deste grupo nos escândalos em curso: tudo isto torna a hegemonia deste grupo menos confortável do que foi em um passado recente. Assim, os protestos mostraram que os sindicalistas não têm capacidade política para hegemonizar um campo democrático sob ataque hoje, dada a sua relação com o Estado e com os outros atores sociais.

Um segundo grupo é composto de estudantes e juventude em geral – que também esteve à frente de mobilizações nos anos 90, especialmente durante o impeachment de Collor. Esse grupo tem a sua capacidade de mobilizar comprometida pela juventude de esquerda, que tem uma agenda colada ao Movimento Passe Livre e está insatisfeita com o governo e setores conservadores. Há, de fato, uma juventude com uma agenda progressista disposta a se mobilizar, mas ela não passa pela UNE ou pela juventude estudantil organizada pelo PT.

É importante pontuar os motivos pelos quais esse grupo não consegue organizar uma base social de juventude que está bastante ativa no Brasil neste momento: uma tensão entre as políticas dos governos do PT e esta base. Assim, também no campo estudantil e da juventude não vemos uma forte capacidade de mobilização capaz de agregar atores sociais não comprometidos diretamente com o projeto democrático popular.

Em terceiro lugar estão atores populares urbanos que estão insatisfeitos com os governos desde que as obras para a Copa foram iniciadas. Importantes remoções de populações urbanas ocorreram em São Paulo e podem estar a ponto de ocorrer na região metropolitana de Belo Horizonte, com a chamada ocupação do Isidoro. Mais uma vez, existem aqui ambiguidades nas práticas dos governos ligados aos movimentos populares, afetando a capacidade de mobilização.

Mobilização em declínio

As manifestações de 20 de agosto expressam uma capacidade declinante de mobilização de um campo social que está ativo no Brasil desde o final dos anos 80. Esses grupos, em um esforço hercúleo para mostrar presença política, conseguiram mobilizar um número significativo de pessoas no Rio de Janeiro e em São Paulo, mas não são aqueles que poderiam dar um recado decisivo das ruas de que a sociedade civil democrática não quer o impeachment e não quer as perdas de direitos que estão sendo impostas por uma base conservadora em operação no Congresso.

Aqueles verdadeiramente indignados e que poderiam se mobilizar questionam os manifestantes e não sentem que existe coerência ou legitimidade nesse campo. Podemos dizer que os protestos são uma expressão da fragmentação de um campo democrático que esteve unido por um longo período e que se diferenciou a partir de 2003, quando o PT virou governo.

Alguns dados da pesquisa Datafolha em relação aos manifestantes do dia 20 são importantes de ser destacados: apenas 54% consideram o governo bom, e 20% o consideram péssimo. Assim, mesmo no campo que o defende, o governo não é visto positivamente, devido ou a uma agenda econômica regressiva ou a pontos de uma agenda política com os quais o campo democrático não pode ser identificar.

É evidente que presenciamos o fim de um ciclo que começou em junho de 2013.  Desde então, o campo democrático popular passou por fissuras e implodiu no começo deste ano. O motivo da implosão é claro: falta ao governo uma pauta compatível com o campo político no qual ele está situado.

Seja na questão dos direitos à cidade e à moradia, seja na questão do meio ambiente, seja na questão estudantil e de juventude, o governo não tem uma pauta progressista ou tem uma pauta claramente regressiva. Deste modo, ele não consegue agregar novos atores sociais ao seu campo que continua contando com atores, como o sindical, que continuam a mobilizar, mas são incapazes de propor para a sociedade brasileira uma pauta progressista baseada na ampliação de direitos e na desprivatização do Estado.

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