Populismo penal coloca liberdades individuais sob ameaça
Apresentei, neste início do ano, um pacote de medidas legislativas para resgatar a racionalidade democrática ao sistema de justiça criminal. São cinco projetos de lei apresentados nos últimos três meses que, se aprovados, podem significar algum alento democrático em meio ao recrudescimento penal desenfreado.
Um estudo elaborado pela Alpec (Associação Latino–Americana de Direito Penal e Criminologia) sobre as tendências legislativas do direito penal e processo penal brasileiro entre 1985 a 2015 aponta que, a despeito da exigência já consolidada e inquestionável do direito penal somente ser utilizado como última razão, a criminalização primária brasileira está em franca expansão.
Atualmente no Brasil existem 1688 hipóteses de criminalização primária distribuídas pelo Código Penal e dezenas de outras leis especiais. Sendo que, desde a promulgação da Constituição de 1988 até o mês de agosto de 2015, foram editadas 77 leis ordinárias e complementares criando novos tipos penais, seja em leis extravagantes ou em artigos do Código Penal.
Por fim, o estudo indica que, entre 1940 (data da edição do Código Penal) e 1985 (fim da ditadura militar), foram editadas 91 leis com conteúdo penal –ou seja, uma média de 2 ao ano. Já no período de março de 1985 a dezembro de 2011 foram editadas 111 novas leis penais, o que resulta numa média de 4 ao ano.
Ou seja, o Brasil, após a democratização, criminalizou mais que o dobro, em praticamente metade do tempo, em comparação com o período da ditadura militar. Tal constatação coloca em cheque a própria efetivação do regime democrático, ademais de ter significado, na prática, um rotundo fracasso.
O Brasil possui a quarta maior população carcerária do mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, da China e da Rússia. No primeiro semestre de 2014, havia 607.731 pessoas privadas de liberdade, abrigadas em apenas 376.669 vagas, o que representa um deficit de 231.062.
É preciso questionar o argumento de que no Brasil o maior problema do sistema de justiça é a impunidade. Seletivamente, pune-se muito e prende-se muito. O público desse nefasto sistema são os jovens pobres e negros. Os dados são os seguintes: 54,8% das pessoas presas são jovens entre 18 e 29 anos, e 60,8% são negros. Os delitos contra o patrimônio representam 51,9% do sistema.
Em breve síntese, as medidas legislativas que apresentei revogam entulhos legislativos autoritários, corrigem equívocos de interpretação quanto aos crimes raciais, aperfeiçoam a colaboração premiada, criam a Lei de Responsabilidade Político-Criminal e tornam efetiva a garantia da presunção de inocência.
São cinco projetos de lei (PLs 4372/2016, 4373/2016, 4577/2016, 2769/2015 e 3640/2015), construídos em parceria com juristas e movimentos sociais, que tentam colocar contrapesos ao avanço da escalada autoritária.
Parto, portanto, da análise de que a ordem jurídica, o regime democrático e as liberdades individuais estão sob ameaça. Seja no desrespeito aos direitos da pessoa investigada ou acusada submetida a operações policiais guiadas pelo espetáculo, seja pelo avanço da pauta punitiva no Congresso Nacional, ou até mesmo por decisões do Supremo Tribunal que relativizam direitos fundamentais.
As medidas apresentadas estão em consonância com as recentes recomendações da ONU, que recomendou aos países membros a adoção de políticas públicas para impedir o encarceramento em massa.
O Parlamento não deve se furtar à responsabilidade democrática de conferir racionalidade ao debate criminal, mesmo que tenha que nadar contra a corrente. Em tempos de populismo penal é o mínimo que se espera daqueles que defendem a democracia e o estado de direito.
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