Com o sentimento de cruel déjà vu, entramos no segundo ano da pandemia com a perspectiva de dias ainda mais difíceis. A média móvel de óbitos mantém-se acima dos quatro dígitos desde 20 de janeiro, as taxas de ocupação de leitos de UTI beiram o esgotamento em todo o país, obrigando gestores a adotarem novamente rigorosos confinamentos. A única conclusão possível é que a busca por soluções para tirar o país desta situação tem de ser obsessiva.
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso Nacional concederam autonomia para que estados e municípios adquiram vacinas. Ao facilitar a aquisição dos imunizantes em todas as esferas governamentais e até mesmo pela iniciativa privada, há uma harmonização de forças capaz de alavancar a vacinação em massa da população brasileira.
A autorização vale caso o governo federal não cumpra o Plano Nacional de Imunização ou as doses sejam insuficientes e a aquisição poderá ser, inclusive, de vacinas que ainda não tenham autorização temporária de uso emergencial ou registro concedido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). E, junto a ela, vem algo fundamental: a divisão de responsabilidades, cerzindo assim o jogo de empurra e o apontar de dedos entre as autoridades competentes.
O projeto de lei 534/2021, que aguarda sanção presidencial, destaca, por exemplo, a responsabilidade civil relativa aos eventos adversos pós-vacinação contra a Covid-19. O compartilhamento da responsabilidade deve, sim, ser distribuído entre os entes federados. A articulação é imprescindível em prol do Brasil. Qualquer ação que busque uma eficiente e célere imunização dos brasileiros tem de ser celebrada. Não é hora de competição entre os entes, mas de união de forças.
A descentralização da compra de vacinas é realidade inevitável diante do cenário; assim como assumir de forma compartilhada os riscos relacionados a eventuais efeitos adversos pós-vacinação. Enquanto durar a emergência em saúde pública causada pela pandemia, deveres, riscos e responsabilidades precisam ser partilhados. O momento exige coragem e ousadia.
E, junto à coragem, o compromisso com a coisa pública. O texto aprovado no Congresso determina que estados e municípios, no âmbito da responsabilização por vacinas adquiridas por conta própria, devem adotar medidas efetivas para dar transparência à utilização de recursos públicos para compra e distribuição de doses e dos demais insumos.
Para isso, é fundamental a atuação das Procuradorias dos Estados e do DF para oferecer a modelagem jurídica mais adequada à aquisição desses imunizantes. Desde as primeiras negociações, os gestores devem atuar em consonância com as procuradorias para garantir a lisura dos processos, com as seguranças jurídica e fiscal necessárias. Não podemos permitir que o vírus da corrupção invada o sistema imunológico dos cofres públicos.
É disso que o país precisa. Uma articulação nacional para alavancar a imunização do povo brasileiro. Todos assumindo as devidas responsabilidades para que possamos chegar a março de 2022 com a certeza de que esse pesadelo teve começo, meio e fim.
Vicente Martins Prata Braga é presidente da Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do DF (Anape), procurador do estado do Ceará e doutorando em Direito Processual Civil pela Universidade de São Paulo
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