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Uma ameaça à transformação social de Paraisópolis

O processo movido pelas entidades Educafro, Anced (Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente) e Ponteduca contra o Colégio Porto Seguro, que repercutiu amplamente na mídia nos últimos dias, me causou indignação por ser não só incorreto como injusto. Enxergando este cenário atual, deixo a seguinte reflexão sobre as empresas que atuam na comunidade: elas agregam ou segregam?

Questiono isso com a convicção de que estamos diante de um caso de agregação à comunidade, e não de segregação. Não fosse assim, então vejamos: o programa do Hospital Albert Einstein, que tem unidade em Paraisópolis e oferece serviços de saúde gratuitos para a comunidade, segrega ao não oferecer assistência médica e hospitalar diretamente em suas unidades privadas do Morumbi ou do Itaim? A faculdade de graduação do Ensino Einstein recém-lançada dentro de Paraisópolis segrega quando não oferece bolsas?

A Escola Alef Peretz, quando instala uma unidade dentro da comunidade para oferecer ensino gratuito, segrega pelo fato de as pessoas não frequentarem o Clube Hebraica? A rede Cultura Inglesa, que atende duas mil pessoas dentro de Paraisópolis com sede própria, segrega quando não oferece bolsas diretamente nas unidades pagas?

As dezenas de empresas de diferentes setores produtivos que já criaram programas sociais para oferecer ensino profissionalizante a jovens de baixa renda da comunidade segregam quando não os incluem nos quadros de suas próprias unidades e escritórios?

Portanto, uma empresa que vem atuar na comunidade está segregando ou ajudando?

Nestes últimos dias, nossa comunidade foi injustamente acusada de apoiar ações judiciais contra a unidade do Colégio Visconde de Porto Seguro na nossa região, uma afirmação que definitivamente não condiz com a verdade. Minha família reside há 70 anos em Paraisópolis. Não havia uma escola antes de mobilizarmos todas as instituições hoje instaladas para contribuir conosco.

Somente a partir de 2008, quando as unidades começaram a ser construídas como parte do plano de urbanização, tivemos acesso à educação sem precisar sair da comunidade. Nossa luta também garantiu a presença de vários equipamentos públicos, como hospitais de excelência para a comunidade. Rotular essa iniciativa como separatista é injusto, pois ao longo desses cem anos de história, nossa comunidade também prosperou graças ao apoio dessas instituições.

A construção do prédio escolar na Vila Andrade foi um sonho antigo nosso e que hoje beneficia mais de 1500 alunos e suas famílias. Esse projeto foi concebido em conjunto com a comunidade, visando proporcionar uma estrutura de qualidade que atenda às nossas necessidades. O uniforme é o mesmo, o conteúdo é o mesmo. Existe um processo contínuo de integração que perdura há anos. Os pais conseguem participar ativamente da vida escolar de seus filhos e a escola, conhecendo a realidade dessas famílias de perto, forma um elo potente pelo desenvolvimento e melhorias da nossa gente.

As recentes reportagens veiculadas na imprensa sugerem que a comunidade está processando a escola, indo contra algo que lutamos para conquistar. Essa não é a nossa posição. Não fomos consultados em momento algum. Temos uma tradição de mobilização comunitária e mesmo assim não fomos abordados para expressar nossas opiniões. Isso está errado; deveriam ter nos incluído de maneira mais ampla. Temos legitimidade e tal ação não reflete o sentimento da comunidade e da maioria dos mais de 1500 alunos beneficiados.

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Se esses estudantes não estivessem lá, teríamos milhares de pessoas com dificuldade de acesso à educação, muitos deles com o desafio de percorrer grandes distâncias até uma escola pública, realidade de muitos alunos na capital. Respeitamos a Educafro e suas causas, que também são as nossas causas, mas discordamos do que está acontecendo.

Nesta semana dolorosa em que uma criança foi ferida em uma ação policial, nos sentimos também agredidos. Queremos construir a paz. Unidos, podemos transformar vidas e construir um futuro melhor para nossas crianças e jovens. A unidade Vila Andrade do Colégio Porto Seguro é uma peça crucial nesse processo de transformação e deve ser preservada como tal.

Quando acusamos a escola de segregação, consequentemente estamos acusando a nossa comunidade, os professores, os funcionários e todos que, há anos, estão buscando contribuir pra construção da comunidade para que não esteja à parte da sociedade.

Aqueles que desejam agregar, convido-os a conhecer a comunidade, propor projetos e ações que quebrem os muros invisíveis que vivem apenas na cabeça daqueles que criam muros invisíveis que separam Paraisópolis do Morumbi.

*Gilson Rodrigues é lider comunitário em Paraisópolis

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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