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O curioso caso da eleição que levou quatro anos

A realidade às vezes nos brinda com fatos curiosos, que desafiam os mais brilhantes romancistas. No último domingo deste mês, o eleitorado de Armação dos Búzios (RJ) iria às urnas eleger prefeito e vice, em eleições suplementares, para mandatos com término em dezembro.

A chapa eleita em novembro de 2020 respondeu a uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral autuada em dezembro daquele ano. Sentença proferida em março de 2022 determinou, além da cassação dos diplomas dos investigados por suposto abuso de poder econômico, a inelegibilidade por oito anos.

A decisão foi confirmada pelo TRE do Rio de Janeiro, em setembro de 2022. Porém, no último dia 18 de abril, o plenário do TSE reformou a decisão original e determinou o retorno dos políticos aos cargos.

O que menos importa aqui é o conteúdo das decisões. O direito é uma técnica de resolução de conflitos e sempre haverá pelo menos um grupo insatisfeito com algum julgado.

A questão diz respeito, então, ao fato de que, em centenas de municípios, as eleições levam meses ou anos para chegar a termo. Em média, 2% das eleições municipais são invalidadas, com a convocação de suplementares. Não é um percentual desprezível, considerando o número de eleitores com votos invalidados.

O artigo 224, parágrafo terceiro, do Código Eleitoral previa inicialmente, que a realização de novas eleições deveria ocorrer após o trânsito em julgado da decisão que resulte em indeferimento do registro, cassação do diploma ou perda do mandato de candidato eleito em pleito majoritário.

Entretanto, no julgamento da ADI 5525, o STF decidiu de forma unânime que a expressão "após o trânsito em julgado" era inconstitucional. Privilegiou-se a soberania popular, mas com o efeito colateral do incentivo à jurispolitização da competição eleitoral.

Condutas ilegais devem ser punidas e os eleitores também são responsáveis pelas escolhas que fazem. No entanto, integridade eleitoral é muito mais do que eleições limpas. Ela envolve também a percepção social sobre as eleições.

Neste momento tão conturbado, a comunidade jurídica precisa discutir com a sociedade alternativas para trazer estabilidade aos resultados em tempo razoável.

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Nossa delicada, mas resiliente, democracia agradece.

*Ary Jorge Aguiar Nogueira é doutor em direito pela USP e membro da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político).

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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