A corrida em que ninguém ganha de Datena: a dos rolês pelos mercadões
Tenho um amigo que está convencido: José Luiz Datena (PSDB) só topou entrar na corrida para a Prefeitura de São Paulo para se livrar, ao menos por uns meses, da claustrofobia dos estúdios de televisão e passear um pouco pela cidade que só conhece de vista —no caso, a do Comandante Hamilton.
Sim, é plenamente possível passar uma vida narrando todo tipo de desgraça da metrópole e ainda assim ignorar os cheiros, texturas e sabores que só os habitantes da planície reconhecem. A hora é essa.
Joni Mitchell, lendária cantora folk canadense, canta na música "Both Sides Now" que primeiro conheceu as nuvens vendo-as de baixo; depois, sobrevoando-as. E ainda assim não sabia nada sobre nuvens.
Imagine uma cidade do tamanho de São Paulo. Não tem helicóptero que dê conta.
Fora das telas, a equipe de Datena montou para ele um roteiro muito parecido com o que fazemos quando recebemos visitas dos parentes do interior na capital. E, como todo mundo sabe, nesse roteiro, o rolê pelo Mercadão Paulistano é passagem obrigatória.
Pois foi lá que aconteceu o batismo de fogo do ribeirão-pretano radicado em São Paulo como candidato, ainda na fase da pré-campanha, em 17 de julho.
Conversamos no dia seguinte. "Eu acho o Mercadão fantástico. Um prédio icônico. Tem um microuniverso do Brasil ali", me disse ele em uma entrevista para a revista piauí.
"Pessoas do Brasil inteiro vieram me abraçar."
Na frase, estavam embutidos um raro brilho nos olhos e um problema de agenda —além da balbúrdia, da qual ele também reclamou: "90% das pessoas do Mercadão vêm de outras cidades. Tem muito menos votos ali do que em qualquer outro lugar de São Paulo."
Ainda assim, Datena falou com entusiasmo sobre o famoso lanche de mortadela, que não conseguiu não comer. "Comi um teco", corrigiu-se. "O cara que fazia esse sanduíche, o Mané, era meu amigo pra caramba. Bateu um saudosismo. Hoje quem está lá é o filho dele", lembrou.
A experiência gastronômica passava também por um pedaço de salsicha ("mandei pagar, porque político adora comer de graça") e um kiwi ("esse não, esse o cara não me deixou pagar").
O fato é que todo mundo queria que ele experimentasse alguma iguaria no local. É assim quando um famoso decide turistar num lugar do tipo. "Eu tenho diabetes, assim você vai me foder", disse ele a um comerciante que fazia as vezes das nossas avós ao mandar o candidato do PSDB comer mais um pouco.
Talvez a mortadela tenha acionado nas papilas gustativas do jornalista uma memória parecida com a do protagonista de Marcel Proust e as madeleines de "Em Busca do Tempo Perdido".
E, apesar do perrengue, Datena saiu de lá mais candidato do que nunca.
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Quero receberGostou tanto da programação que já visitou outros dois mercadões desde então.
Um deles, o da Lapa, parecia o cenário perfeito para falar sobre segurança alimentar. E sobre o apoio ao comércio a partir de feiras e mercados populares. E a ampliação do programa Armazém Solidário. E a criação de uma rede de pequenos comércios para vender alimento mais barato etc, etc.
Nesta quarta-feira (28), foi a vez de o Mercadão de Pinheiros receber a visita do candidato.
Só que o local estava praticamente vazio —o que rendeu uma bronca à equipe, além de um passeio miado, e sem concorrência com outros clientes no corredor-polonês de iguarias. "Vocês estão de brincadeira?", vociferou Datena.
(Um observador atento diria que o problema não era o local, e sim o horário. O candidato chegou ao Mercadão em Pinheiros com uns 30 anos de atraso, quando esse tipo de evento rendia boas imagens para a TV e, consequentemente, votos).
Segundo a pesquisa Quaest mais recente, divulgada na quarta-feira (28), o apresentador da Band tem 12% das intenções de voto na corrida para a Prefeitura de São Paulo, sete pontos a menos do que apresentava há um mês, o que garantia a ele uma incômoda quarta posição na disputa.
Mas em um aspecto ninguém tira a liderança dele: nenhum candidato visitou tantos mercadões quanto Datena.
Depois da publicação desta reportagem, Datena cumpriu sua missão na campanha e foi a mais um mercado municipal, desta vez, o do Ipiranga.
Há outros ainda a serem explorados. Tem o Mercadão de Guaianases, o da Penha, de Pirituba, Sapopemba, Santo Amaro e por aí vai.
Até o fim de outubro, dá pra gabaritar o Grand Slam.
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