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Pablo Marçal: desinformação como estratégia contra você

"Quem não quer correr risco fica em casa vendo stories." O roteirista desse nosso Brasil não poderia pensar em melhor plot twist.

Em 2022, o influenciador Pablo Marçal ganhou notoriedade ao arriscar a vida de dezenas de pessoas em uma trilha rumo ao Pico dos Marins (SP). Sob tempestade, ventos de 100 km/h e sem nenhuma proteção, terminou com resgate do Corpo de Bombeiros. Agora, Marçal, o candidato outsider, investe no que outrora parecia desdenhar: o poder das redes para levar muito mais que a Prefeitura de São Paulo.

A trilha, agora nas plataformas digitais, é pior: com muita velocidade, sem proteção nem bombeiros. O Brasil não tem legislação sobre regulamentação de redes —peço, por favor, que segure a emoção antes de falar de censura. Vou dar dois exemplos distantes das eleições para mostrar como a maçã que cai longe da árvore é sempre a mesma.

Empresas têm uma série de regulamentações para operar no Brasil, certo? As plataformas digitais não. E toda vez que a discussão chega, a desinformação vem junto. Por um simples motivo —não é por mim nem por você.

Plataformas são empresas com um modelo de negócios: a publicidade —em anúncios, cliques ou views. O relatório Global Advertising Trends diz que este ano as mídias sociais serão o maior canal de investimento em publicidade do mundo. Trocando em miúdos, a regulamentação impacta nos lucros de empresas e influencers como Marçal. A Alphabet, controladora do Google, terminou 2023 com uma receita de US$ 307 bilhões (RS 1,73 trilhão). A previsão é que a Meta —que responde por WhatsApp, Instagram e Facebook— alcançará US$ 247,3 bilhões (R$ 1,39 trilhão).

O segundo exemplo também dói no bolso, nas categorias jurídica e física. Um exercício de baixo risco e alta rentabilidade, que fez o mercado ilegal de anúncios mentirosos ser o segundo mais rentável, atrás apenas do de entorpecentes.

São os golpes, como páginas fake que imitam uma marca (aquela querida, que você sempre compra). Impacta os negócios e coloca empresas em risco, diz o Bank of America. Outro modelo é o sequestro dos seus dados bancários em poucos cliques, como o golpe da indenização da Serasa. O Facebook ganhou R$ 500 mil para divulgar o golpe.

Se você achou estranho eu repetir a palavra mentira tantas vezes, aviso ao espectador que é proposital. Precisamos começar a chamar as coisas pelo o que são. O custo da mentira é alto, e essa é uma das frases que repito há anos.

Quando impacta a vida financeira, é mais fácil entender a cadeia produtiva da mentira e clamar por responsabilização. Mas, quando o assunto mexe com nossas emoções —sim, faz parte da estratégia tirar você do sério—, somos guiados pela fúria e não nos entendemos vítimas da engrenagem. Mas a mentira tem um custo alto, para além de dividir e afastar famílias e amigos.

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A mentira atrapalha, propositalmente, ações e soluções. Olha eu e você aqui, conversando sobre mentiras como se, em uma eleição, o assunto mais importante não fossem as propostas que vão impactar as nossas vidas por mais de quatro anos. Aliás, você já viu as propostas de Marçal?

O Brasil não tem planos de governo, mas de partidos. Quem assume pode desmontar políticas públicas consolidadas, como o SUS, em uma canetada. Ou elegendo uma pessoa inepta à frente da pasta. Quem sofre? Uma chance para você responder.

Mas, de novo, fujo das eleições (e da fúria que sempre as acompanha) para mostrar o custo invisível em outra área.

As mentiras sobre as queimadas e o desmatamento adiam a ação climática. É o nosso exercício diário com o projeto Mentira Tem Preço, que mostra o custo alto da mentira com foco em clima, meio ambiente e discurso de ódio. Quando deveríamos estar buscando soluções para os impactos das mudanças climáticas, que vão muito além do esforço urgente e necessário de conter as queimadas, somos levados pelo tsunami para disputas sobre quem mais queimou e ataques contra a ministra Marina Silva, alvo há anos por defender a agenda climática.

Nas eleições, a missão da máquina de mentiras é a mesma: afastar eu e você da discussão que mais importa. A desinformação é estratégica e se espalha 70% mais rápido que a informação, segundo pesquisa do Instituto de Tecnologia de Massachusetts. A resposta, não.

A Justiça Eleitoral investiga Marçal por contratar mais de 5.000 pessoas para fazer cortes em vídeos seus e espalhar nas plataformas digitais. Lembrei das fazendas de cliques. Você já viu uma?

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Qual era a sequência esperada? Pontual e acanhada. Bloquear as contas de Marçal nas redes sociais. O que ele fez? Apontou o dedo para nossa frágil democracia, vestiu a fantasia de coitado e acusou a Justiça de censurá-lo. É como cortar um braço e deixar a engrenagem operando.

Da maneira como estamos hoje, somos uma pessoa inerte na praia, à espera do tsunami de mentiras. O custo é a nossa vida, mas não percebemos.

*Thais Lazzeri, jornalista e cineasta , fundou a FALA, um estúdio de impacto dedicado a soluções transformadoras, e criou o projeto Mentira Tem Preço.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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