Herói dos 'patriotas', X de Musk pôs em risco vida de policiais no Brasil
Dados pessoais de agentes da Polícia Federal que apuram inquéritos envolvendo Jair Bolsonaro foram obtidos ilegalmente e vazados a fim de pressioná-los. Quando o X foi suspenso do Brasil após se negar a cumprir ordem judicial do STF suspendendo esse tipo de conteúdo, Elon Musk vendeu ao mundo que fazia uma cruzada pela liberdade de expressão quando, na verdade, permitia que criminosos colocassem em risco famílias de policiais.
E os autointitulados "patriotas", que dizem defender tanto o trabalho de policiais, batem palminhas diante do comportamento de um bilionário estrangeiro que teria ajudado a colocar agentes brasileiros da segurança pública na mira de delinquentes. Mais do que isso, ainda o chamam de herói.
O delegado Fabio Shor, por exemplo, sofreu ameaça depois de indiciar Bolsonaro no caso das joias doadas por governos árabes ao Brasil e surrupiadas pelo ex-presidente. Os dados foram extraídos de bases da administração pública.
"A investigação demonstrou a participação criminosa e organizada de inúmeras pessoas para ameaçar e coagir delegados federais que atuam ou atuaram nos procedimentos investigatórios contra milicias digitais e a tentativa de golpe de Estado. As redes sociais — em especial a "X" — passaram a ser instrumentalizadas com a exposição de dados pessoais, fotografias, ameaças e coações dos policiais e de seus familiares", afirmou o ministro Alexandre de Moraes, em registro de reportagem de Letícia Casado, Mateus Coutinho e Rafael Neves, do UOL, que trouxe luz sobre o tema.
Nesta sexta (13), o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, disse em uma reunião com empresários que o senador Marcos do Val (Podemos-ES) foi uma dessas pessoas. Ele teria feito uma postagem no X com fotos da filha de 5 anos e da esposa de um delegado que o investigava. Abaixo dela, a legenda: "Procura-se vivo ou morto".
Segundo Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo, diante do pedido de remoção das ameaças, Rodrigues disse à plateia que "o X não fez nada, nem apagou o post nem pagou a multa. E ainda disse que iria retirar o escritório da rede social no Brasil, para não terem com quem falar".
Com isso, Musk vem se despindo da fantasia de arauto da democracia. Apesar de se colocar como defensor da liberdade no mundo, ele quer garantir é a própria liberdade de decidir que leis e países quer obedecer. Pergunte a Xi Jinping o que aconteceria com a Tesla na China se o bilionário tratasse o país como o trata o Brasil ou a Austrália, outro alvo de seus ataques.
Após a desobediência judicial, ele resolveu partir para a ação direta e passou a bombar os convites para o ato de 7 de setembro na avenida Paulista, que pediu anistia a golpistas e impeachment de Moraes. Vale lembrar que manifestação que defende golpista é golpista também.
Na decisão da Primeira Turma do STF, que chancelou a suspensão do X, o ministro Flávio Dino mandou um recado aos proprietários de Big Techs. Na avaliação da constitucionalista Eloísa Machado, professora da FGV Direito SP e coordenadora do centro de pesquisa Supremo em Pauta, o recado é que "Elon Musk está usando sim a sua influência, o seu poder e o seu dinheiro para corromper o Estado Democrático de Direito no Brasil".
"Ao afirmar em seu voto que 'o poder econômico e o tamanho da conta bancária não fazem nascer uma esdrúxula imunidade de jurisdição', Dino não diz apenas que o cara ser rico não pode interferir em como o tribunal decide. Ele aponta que há uma percepção no STF de que o dono do X agia dessa forma e que, se nada fosse feito, a democracia seria atropelada", avalia Machado.
Para ela, na questão mais ampla, Dino trata de uma concepção de Estado que está sendo fragilizado pelas grandes empresas de tecnologia. "Há um deslocamento de poder do espaço do direito e da legalidade para as plataformas digitais. Nesse sentido, o voto do Dino é um grito de sobrevivência do Estado de Direito e das instituições públicas frente às forças que usam o seu peso econômico para uma cruzada contra um país."
O X foi suspenso do Brasil porque se negou a cumprir a lei (manter representante legal no país) e por se negar a obedecer decisões judiciais, como a remoção de conteúdo e bloqueio de contas que incitavam ataques a instituições e promoviam o ódio. Agora, a informação de que as contas que ele se negou a bloquear também continham ameaças contra policiais serve como um desenho para quem ainda não entendeu de que lado a extrema direita local ou global está.