Átila faz publicidade com petrolífera; é a agenda anti-COP 30 no ar
O golpe veio com uma pergunta e uma hashtag: "Já parou para pensar de onde veio o petróleo e como influencia as nossas vidas?" #publicidade. O campo progressista não superou assistir o divulgador científico Átila Iamarino fazer 'publi', como dizem os influenciadores, de petróleo, sabidamente o maior responsável pelo aquecimento global.
Átila tem 1,6 milhão de inscritos no YouTube e 1 milhão de seguidores no Instagram. O post dele, feito junto com a companhia petrolífera Shell, gerou uma série de ações, vídeos e comentários (inconformados). A multinacional londrina, com lucros ajustados de US$ 28,25 bilhões (R$ 160 bilhões), está na lista das 57 empresas produtoras de petróleo e cimento responsáveis por 80% das emissões mundiais de CO2 entre 2016 e 2022, mostra o relatório 'Carbon Majors' do InfluenceMap.
A Shell tem sido pródiga em campanhas para tentar encobrir ou disfarçar os impactos da bomba climática que ela e tantas outras poluidoras vem armando há anos. Uma investigação do The Guardian e da DeSmog mostrou, por exemplo, que "uma fundação americana associada à Shell doou centenas de milhares de dólares a organizações de direita religiosa e conservadoras" que negam as mudanças climáticas. Bingo!
Parece muito longe deste Brasil, não é mesmo? Até a gente se deparar com o tuíte avisando que a próxima Conferência de Ação Política Conservadora, 'o maior evento conservador do mundo' (segundo seus organizadores) de 2025 será realizada em Manaus, antes da COP 30, no Pará.
Enquanto eventos extremos continuam cada vez mais intensos e frequentes devido às mudanças climáticas —acelerados pela indústria do petróleo— e se acumulam para tornar a retrospectiva de fim de ano da Globo monotemática e trágica, o Brasil paralelo comemora um encontro mundial para combater...a ação climática. Não, você não leu errado.
A missão da conferência é ser um contraponto proposital à COP 30 e a "agenda limpinha sustentável". O evento é organizado pela The American Conservative Union, Young Americans for Freedom e Instituto Conservador Liberal, presidido pelo deputado Eduardo Bolsonaro. A agenda parece ter começado. Eduardo postou no Instagram um encontro com o xeique Mohammed bin Zayed, mandatário dos Emirados Árabes Unidos, detentor de 90% do petróleo produzido naquele país.
Os criadores de conteúdo são a ponta de uma cadeia de fornecedores, sem salvaguarda, da indústria de combustíveis fósseis, a que o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, chamou de a nova indústria do tabaco. Integram essa rede empresas de mídia, times de futebol e outros esportes, empresas de relações públicas e de publicidade, e seus clientes, como influenciadores. Todos, de alguma maneira, são uma vitrine das marcas poluidoras.
Essa dor seletiva com Átila em parte se explica porque ele foi uma das vozes mais importantes na internet brasileira durante a maior crise sanitária de nossa geração, a epidemia de covid. Foi um dos corajosos contrapontos a um governo negacionista.
Por que seletiva? Explico. Átila não foi o primeiro e, até aqui, pouco se falou de outros criadores da área socioambiental e de tantas outras relacionadas ao clima com milhares de seguidores que há muito fazem publi.
Você e eu seguimos criadores de conteúdo que recebem por parcerias pagas, incluindo os do campo da ciência. Nossos filhos assistem conteúdos associados a marcas, seja no YouTube e até no game. Criar conteúdo é trabalho de centenas de milhares de pessoas apenas no Brasil. Criar conteúdo bom dá trabalho. Criar conteúdo pode ser a única fonte de receita de muita gente. No fim, são pessoas com boletos como eu e você. O que é inegociável para uns pode não ser para outros.
Segundo o guia de publicidade para influenciadores digitais do Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária, Átila fez o que devia: inclui #publicidade na hashtag, o que eu particularmente acho que é pouco.
A discussão, como você lê por aqui, é muito maior que essa —basta olhar para as Bets. Temos uma oportunidade muito importante que não pode ficar nas redes sociais nem terminar com uma política de cancelamento.
O criador de conteúdo é uma marca. Tem responsabilidade sobre o que diz, o que defende e de quem aceita dinheiro. Por isso Átila representa tanto. Na disputa anti-COP 30, a COP do Petróleo, é fundamental ter aliados da ciência, que também são alvo da desinformação climática. As redes não vão esquecer.
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