ESCÂNDALOS NO CONGRESSO

24. Farra aérea: Câmara e Senado perdoam todos os delitos da "farra aérea" e fingem cortar gastos

Data de Divulgação

16.04.2009 e 22.04.2009

O escândalo

Câmara e Senado ensaiaram uma reação para conter a farra das passagens. Mas o principal fato a ser mencionado é que tudo, absolutamente tudo o que foi feito no passado foi considerado normal. Foi tudo "lícito", disse o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP). O corregedor dos deputados, ACM Neto (DEM-SP) viajou para o exterior e assim justificou seu ato: "Usei os créditos [de passagens aéreas pagas com o dinheiro público] rigorosamente conforme estava autorizado pelas normas da Casa, em vigor há aproximadamente 40 anos". Não é verdade. As normas do Congresso nada diziam sobre viagens ao exterior e sobre dar bilhetes para amigos e parentes. Como se sabe, no direito público, se algo não está autorizado, está proibido. A propósito, leia aqui o que diz a respeito o jurista Sepúlveda Pertence.

No dia 16.de abril, Câmara e Senado tentaram reagir. Anunciaram um corte de 20% no orçamento de viagens dos deputados e de 25% no dos senadores. Na prática, essas reduções não entraram em vigor - e serão quase inócuas se vierem a vigorar. Pela regra nova, por exemplo, os senadores do Piauí têm direito a R$ 21.900 mil por mês para gastar com passagens aéreas. Isso dá para comprar quase 22 bilhetes de ida e volta no trecho Brasília-Teresina.

Nessa primeira reação tímida dos congressistas, anunciada em 16 de abril, foram mantidas as viagens para parentes e namoradas. "Se for bonita, pode", disse Heráclito Fortes (DEM-PI), primeiro-secretário do Senado.

A anistia para atos do passado foi a decisão mais relevante. O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), por exemplo, que gastou quase meio milhão de reais para alugar jatinhos está perdoado. Leia aqui sobre o caso. Daqui para a frente, quase tudo pode no Congresso. Daqui para trás, tudo foi permitido e ninguém será investigado.

No dia 22 de abril, veio a segunda reação - mas mantendo a importantíssima anistia para viagens irregulares realizadas no passado. O Senado baixou um ato proibindo viagens de parentes. Assessores só poderão viajar com autorização da Mesa Diretora. Já na Câmara, anúncio similar foi feito pelo presidente da Casa, Michel Temer (PMDB-SP).

Assista aqui abaixo ao vídeo da fala de Temer (22.04.2009), quando o presidente da Câmara alega ter sido lícito o uso de passagens aéreas para familiares e amigos. É um anúncio de perdão para todos os eventuais delitos do passado:






Após reclamações de muitos parlamentares e de um recuo de Temer, as normas foram aprovadas pela Mesa Diretora da Câmara em 28 de abril. Temendo um desgaste ainda maior, as novas regras não foram analisadas pelo plenário.

Mesmo que parentes não possam mais ganhar passagens, o efeito será limitado. É que os congressistas continuam autorizados a acumular as milhagens das companhias aéreas quando viajam a trabalho. Esse crédito não será revertido para os cofres públicos. Mulheres, maridos, filhos e amigos poderão continuar a viajar à vontade usando as milhagens de deputados e de senadores.

Não está claro também nas novas regras de Câmara e Senado se os congressistas podem ou não converter suas cotas aéreas para alugar jatinhos particulares. Em resumo, até segunda ordem, o que vai valer agora é o seguinte:

a) família e amigos - fim das passagens aéreas para familiares e amigos (mas essa turma poderá continuar a viajar com as milhagens dos deputados e dos senadores);

b) assessores - só poderão viajar com autorização explícita da direção da Casa (o que não quer dizer nada, pois todos serão autorizados);

c) transparência com prazo dilatado - todos os dados de despesas de deputados (passagens aéreas, verbas indenizatórias, correio, telefone, auxílio moradia etc.) serão colocados na internet "em breve". O prazo será, em tese, de 90 dias depois do mês no qual foi emitido o bilhete. É surpreendente que no século 21, na era da internet, tanto tempo seja necessário para prestar contas. E estamos falando do Congresso, que tem mais de 20 mil funcionários para tomar conta desses procedimentos burocráticos;

d) viagens internacionais - estão vetadas, exceto quando o congressista viajar para participar de evento ligado ao exercício do mandato - um conceito elástico. Essa norma não consta do ato do Senado. Na Câmara, Odair Cunha (PT-MG), 3º secretário da Casa, será o responsável por autorizar passagens internacionais. "Se não está escrito que pode viajar para o exterior é porque não pode", explicou a assessoria da presidência. É uma situação interessante: o ato anterior também nada dizia sobre viagens internacionais; logo, esse tipo de passeio ao exterior estava proibido. Ilícitos foram cometidos. Ninguém sabe explicar essa incongruência no Senado e fica tudo por isso mesmo;

e) bilhetes por gasolina ou por jatinhos - está proibida a troca do valor das cotas para comprar passagens para outros fins, como pagar combustível de avião ou alugar jatinhos. Essa norma também é verbal, pois não consta do ato do Senado - e cai na mesma situação da regra tácita e incerta sobre viagens externas;

f) o "cotão" - foi feita uma cota única na Câmara, o "cotão". ela abriga todas as despesas mensais de cada deputado. Em tese, pode haver redução de gastos. Saiba mais aqui.

g) aumento de salários - se houver redução de gastos (ou se anunciarem uma redução postiça de despesas), os deputados e os senadores pretendem aumentar seus salários de R$ 16,5 mil para R$ 24,5 mil por mês.

Em 7 de julho, o jornal O Globo (aqui) mostrou levantamento feito pelo Contas Abertas mostrando que de janeiro a junho o gasto do Senado com passagens triplicou em relação ao mesmo período de 2008.

Foi gasto R$ 1,8 milhão para custear viagens internacionais entre janeiro e junho deste ano, contra R$ 549,9 mil em 2008. A conta inclui não só as passagens da cota de senadores como os bilhetes de missões oficiais da Casa e usados por servidores.

O que aconteceu?

Em 06.mai.2009, o Congresso em Foco (leia aqui) mostrou que o deputado Lincoln Portela devolveu à Câmara os R$ 18,5 mil referentes ao valor dos dez voos internacionais feitos por seus familiares.

Já Carlos Sampaio (PSDB-SP) ressarciu a Câmara em R$ 304,58. O valor se refere às taxas de embarque pagas com sua cota em uma viagem feita pelo deputado e sua mulher a Milão, em 2007.

Conforme noticiou a Folha de S. Paulo em 16 de maio (aqui), a viúva do Senador Jefferson Peres decidiu devolver os R$ 118.651,20 que recebeu em dezembro de 2008 referentes ao valor da cota de passagem aérea que o senador não utilizou durante o mandato.

Em 17 de outubro, a Folha aqui)mostrou que o TCU (Tribunal de Contas da União) aprovou um acórdão cobrando da Câmara a devolução aos cofres públicos do dinheiro da chamada "farra aérea", mas transferiu ao próprio Congresso a tarefa de investigar os desvios e, se for o caso, adotar as providências.

O ministro Raimundo Carreiro, relator do caso, recusou medidas mais duras sugeridas por técnicos do tribunal.

Raimundo recusou a proposta de fazer uma auditoria de todas as emissões de bilhetes da cota dos senadores desde 1989 e a possibilidade de que as milhagens aéreas promocionais obtidas com o uso da verba fiquem com o Congresso e não com os congressistas.

Nos acórdãos aprovados não há menção a valores, só a determinação da continuidade de apuração de todos os casos citados pela imprensa e, se for o caso, o posterior ressarcimento.

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