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"Plágio" de leis acirra briga por paternidade entre Planalto e Congresso, mas acelera tramitação, aponta estudo

Camila Campanerut<br>Do UOL Notícias

Em Brasília

24/07/2010 07h00

Além da batalha do convencimento (ou do fisiologismo) pela a aprovação de leis, Executivo e Legislativo federais travam uma luta de brio nos bastidores de Brasília. Vence quem consegue eternizar na história o próprio nome como autor da lei aprovada. Para isso, vale reescrever ou até copiar trechos de projetos de lei existentes para fazer valer o rótulo de benfeitor.

Estudo de dois consultores do Congresso Nacional e professores da UnB (Universidade de Brasília) Rafael Silveira e Silva e Suely Mara Vaz Guimarães de Araújo identificou que essa "usurpação" de propostas é uma "mão de via dupla".

"Não só os parlamentares se inspiram e copiam muitas propostas do Executivo, mas a mão inversa também acontece", disse Silva.

Na primeira versão do estudo exploratório, apresentado nesta semana durante o 10º Congresso Internacional da Associação de Estudos Brasileiros, os pesquisadores verificaram que, na prática, o "roubo" de ideias de um Poder pelo outro se torna um benefício para os brasileiros, já que a soma dos esforços entre Executivo e Legislativo acelera a tramitação e, a posterior aprovação dos projetos de lei em comum.

Entenda a tramitação das medidas provisórias

Desde a edição, as MPs têm força de lei e vigoram por 60 dias, podendo ser prorrogadas uma vez por igual período. Se não for concluída a votação em 45 dias na Câmara e o Senado, a medida passa a trancar a pauta da Casa onde estiver tramitando. O que significa que nenhum outro projeto pode ser votada no plenário até que se conclua a votação da MP.

Se o conteúdo da MP for alterado, ela passa a tramitar como projeto de lei de conversão e quem dá a palavra final é a Câmara dos Deputados, porque todas as medidas provisórias começam a tramitar por esta Casa. Quando há alteração no projeto, ele é enviado à Presidência da República para sanção, do contrário, é promulgado pelo Congresso, sem necessidade de sanção.

Além disso, quando o Executivo transforma um projeto de lei em medida provisória, o assunto passa a ser prioridade na aprovação pelo Congresso (veja quadro à esquerda). Assim, independentemente de quem recebe a fama de "pai" da proposta, a medida é aprovada e entra em vigor mais rapidamente.

O estudo analisou 20 casos durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

Um exemplo de trabalho em conjunto positivo entre o Executivo e o Legislativo foi a aprovação da Lei 11.520/2007, que trata da concessão de pensão especial às pessoas com hanseníase, submetidas a isolamento e internação compulsórios.
Com relação a este projeto, segundo o estudo, foi verificada uma rapidez "incomum" na tramitação, o que reforça também o fato do relator ser da base aliada do governo. A medida provisória 373, de 2007, tinha o conteúdo "muito próximo" do projeto de lei 206/2006, de autoria do senador Tião Viana (PT/AC).

"Usurpação" de ideias sem consulta

A identificação de apropriações de projetos tem aumentado o embate entre governo e oposição. Há mais de 10 anos, o deputado federal Rafael Guerra (PSDB-MG) articulava no Congresso o andamento do projeto (PL 1.071/1999), de sua autoria, que regulariza os consórcios públicos na área de saúde, e que já tinha sido aprovado na Câmara e aguardava aprovação no Senado.

No entanto, em 2004, o Executivo encaminhou à Câmara um projeto de lei sobre o mesmo tema, e o parlamentar, então coordenador da Frente Parlamentar de Saúde, não foi consultado e nem participou da negociação do projeto com o Executivo.

Indignado com a situação, o deputado foi a plenário reclamar seu "copyright". "Tivemos recentemente duas surpresas em relação ao assunto em pauta, pois o governo apresentou há 30 dias, em regime de urgência constitucional, projeto de lei regulamentando os consórcios públicos. A primeira surpresa, positiva, é que os críticos de outrora reviram sua posição, e, agora, defendem os consórcios públicos e, ainda mais, com urgência, para recuperar os 11 anos perdidos em críticas subjetivas, periféricas e estéreis", argumentou o parlamentar na ocasião.

E continuou: "A segunda surpresa, negativa, é que um governo sem propostas, desrespeitando e atropelando o Poder Legislativo, copia um projeto de lei de um deputado, já em fase final de aprovação, tentando assumir a paternidade de uma experiência de 11 anos e de um projeto de lei apresentado há 5 anos. Entre plágio e clonagem, prefiro classificar esta atitude como uma clonagem, até porque nos dias atuais, o clone é sempre mais frágil e pior que o original, o que é o caso do Projeto de Lei 3.884/04 do Poder Executivo Federal".

Depois dessa crítica, a proposta do Planalto acabou sendo prejudicada pela suposta apropriação da proposta do deputado e não apresentou avanços em sua tramitação na Câmara do Deputados.

Outro exemplo, mais recente, foi a regularização fundiária de favelas. O projeto tramitava no Congresso desde 2000. Parte dele foi absorvido por uma medida provisória relativa ao Programa Minha Casa, Minha Vida (MP 459, de 2009) - uma das grandes bandeiras da atual gestão presidencial. A MP foi rapidamente aprovada, gerando a lei 11.977/2009.

"Não houve reação [do deputado] em plenário. Ele não participou, não expôs que ficou bravo, pela parte da 'paternidade' roubada do projeto. A lei ainda está tramitando [no Congresso], só que perdeu em grau de importância e [também] a chance de ser votada logo", explica Suely.

O projeto, encampado pelo deputado Renato Amari (PSDB-SP), já havia ultrapassado a etapa das comissões: foi aprovado em comissão especial e estava pronto para ir à votação no plenário da Câmara. O texto do deputado aborda as regras para os novos parcelamentos e também para a regularização fundiária de ocupações pré-existentes - o que nova lei não abrange.

"Em primeiro lugar, foi uma surpresa, quando comecei a ler a MP e existia um capítulo da regulamentação fundiária praticamente igual ao meu (...) De um lado eu fiquei lisonjeado, porque o presidente copiou um projeto meu. Por outro, fiquei chateado porque acaba que a gente não consegue legislar", avaliou o parlamentar tucano.