Leonardo Sakamoto

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Opinião

Bolsonaro arrasta 9 militares com ele ao ser indiciado por surrupiar joias 

A Polícia Federal indiciou Jair Bolsonaro por organização criminosa, lavagem de dinheiro e apropriação de bem público no caso das joias dadas ao Brasil por governos árabes que ele embolsou e tentou vender. Ainda não é réu, o que depende de uma denúncia da Procuradoria-Geral da República ser aceita pelo Supremo Tribunal Federal.

Junto com ele, outras 11 pessoas também foram indiciadas, das quais nove usam ou já usaram farda: o tenente-coronel Mauro Cid, seu pai, o general Mauro Lourena Cid, o almirante Bento Albuquerque, o contra-almirante José Roberto Bueno Júnior, capitão de corveta Marcelo Vieira, o coronel Marcelo Costa Câmara, capitão-tenente Marcos André do Santos Soeiro e o primeiro-tenente Osmar Crivelatti. Júlio Cesar Vieira Gomes, ex-chefe da Receita Federal, também entrou na lista porque é ex-oficial da Marinha.

Desses nove, seis foram indiciados especificamente por se associarem a Jair em uma grande lavanderia de ouro e diamantes.

Acusado de desviar grana pública via rachadinha de salários dos funcionários fantasmas de seu gabinete na Câmara dos Deputados por anos, Bolsonaro teria levado o mesmo comportamento para a Presidência da República, usando assessores no desvio e venda de joias dadas ao Estado.

E a farta presença de militares apenas comprova o que o campo democrático está cansado de repetir: militares podem ser tão corruptos como qualquer outra categoria.

Os diálogos entre o tenente-coronel Mauro Cid e sua turma revelaram que, a mando do capitão Jair, militares fizeram um verdadeiro "Família Vende Tudo" para transformar patrimônio público em cascalho a fim de tilintar o bolso do presidente.

Por exemplo, em um áudio, o coronel Marcelo Câmara, assessor de Bolsonaro, explicou para o ajudante de ordens o tenente-coronel Mauro Cid que o capitão de corveta Marcelo da Silva Vieira, chefe do Gabinete Adjunto de Documentação Histórica, disse que era necessário aviso prévio para a venda de bens destinados ao acervo privado do ex-presidente.

Cid aceita, mas indaga: "Só dá pena pq estamos falando de 120 mil dólares / Hahaaahaahah". Câmara concorda e ironiza: "O problema é depois justificar e para onde foi. De eu informar para a comissão da verdade. Rapidamente vai vazar". O que mostra que sabiam que estavam fazendo algo ilegal.

Em outra situação, que mostra o clima de feirão fardado, Mauro Cid enviou para outro investigado no caso, o seu próprio pai, Mauro Lourena Cid, endereços de lojinhas de ouro na Flórida para ele cotar a muamba, quer dizer, os presentes dados pela ditadura saudita ao Brasil. Os locais eram semelhantes a duvidosos comércios "Compro Ouro" presentes em grandes cidades brasileiras. Faltou apenas o homem-placa.

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E por que a Flórida? O general, amigo de Bolsonaro e seu colega na Academia Militar das Agulhas Negras, morava no Estado norte-americano por ter ganho do ex-presidente a chefia do escritório brasileiro da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) em Miami. Sim, o Brasil estava pagando o salário de um graduado militar agora indiciado por lavagem de dinheiro.

Aliás, em uma troca de mensagens de 18 de janeiro do ano passado, Cidinho disse a outro auxiliar de Jair que Cidão estava com cascalho para entregar ao presidente. E que seguindo a melhor tradição de Bolsonaro, que tem horror ao sistema bancário, o melhor era evitar contas.

"Tem 25 mil dólares com meu pai. Eu estava vendo o que, que era melhor fazer com esse dinheiro levar em 'cash' (dinheiro vivo) aí. Meu pai estava querendo inclusive ir aí falar com o presidente (...) E aí ele poderia levar. Entregaria em mãos. Mas também pode depositar na conta (...). Eu acho que quanto menos movimentação em conta, melhor né? (...)", disse.

Vale lembrar que Bolsonaro estava passando uma temporada em Orlando nessa época. Viajou preventivamente para evitar ser envolvido nos atos golpistas que ocorreriam sete dias após a posse de Lula.

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, na decisão que autorizou busca e apreensão em endereços de suspeitos de intermediar a venda de joias surrupiadas do patrimônio do povo brasileiro, já afirmara que havia evidência de que o esquema tenha partido de "determinação de Jair Bolsonaro".

O trambique da venda de joias surrupiadas não complica apenas a vida dos militares e civis envolvidos, mas também mancha a imagem das Forças Armadas - que demora em depurar suas fileiras. E coloca Bolsonaro em uma situação difícil, não apenas pelos desdobramentos criminais, mas pela imagem que ele vendeu a seus eleitores.

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A Polícia Federal caminha para indiciá-lo por um pacotão de crimes - do caso das joias, passando por fraude no cartão de vacina até tentativa de golpe de Estado. Para ele, contudo, que está se preparando para tentar transferir sua popularidade nas eleições municipais de 2024 a candidatos do PL e do bolsonarismo, a imagem de réu por roubo será pior que a de golpista.

Vamos dividir seu eleitorado em dois: o bolsonarismo-raiz radical e o restante. O primeiro grupo continua com ele independente do que faça, pois vai acreditar em qualquer explicação, mesmo que bisonha. Por exemplo, se ele arrancasse em um comício a cabeça de um morcego com a boca, emulando Ozzy Osbourne, essa massa diria que ele estava fazendo isso para salvar uma criança prestes a ser mordida pelo mamífero ou que o bicho estava possuído pelo Tinhoso.

O segundo grupo votou em Jair, mas não empunha a bandeira do bolsonarismo. Sim, nem todo mundo que votou nele é bolsonarista, da mesma forma que nem todo mundo que votou em Lula é lulista ou petista. Há uma série de razões para votar em alguém, da ojeriza ao outro candidato, passando por simpatia por uma ideia, por esperança de vantagem em um governo ou pelo continuísmo. Ser acusado de "ladrão de joias" é bem mais palpável do que "golpista" para uma parcela da população que votou nele, mas não é fã. Aquela parcela que acreditou na narrativa de que Jair era um homem "honesto" e estava acima da corrupção.

Ser pego surrupiando não precisa de muita explicação. Qualquer cristão conhece bem o "não furtarás" dos Dez Mandamentos no livro de Êxodo, capítulo 20, tanto quanto a história de adorar um bezerro feito de ouro e joias contada em Êxodo 32.

Durante as campanhas eleitorais de 2018 e de 2022, e também nos quatro anos de seu mandato, Bolsonaro se vendeu como um "homem comum" que representaria os interesses do povo mais do que os políticos profissionais. Claro que era uma construção, uma vez que ele, um político profissional, especializou-se em ficar rico dando à luz funcionários fantasmas nos gabinetes da família e ficando com parte de seu salário.

Agora, esse personagem deve ser acusado em um esquema que envolveu almirante, tenente, coronel e até general para importar ilegalmente joias dadas de presente ao Brasil, depois usar todo o peso do governo fim de pressionar auditores da Receita Federal a liberarem a carga, daí mandar para fora e vendê-la.

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Como já disse aqui mais de uma vez, para azar do ex-presidente e seu desejo de parecer um homem simples, o eleitorado tem mais facilidade de gravar na memória escândalos com produtos considerados de luxo, como diamantes e ouro. Neles reside não apenas o absurdo do desvio da coisa pública, mas a utilização desses recursos para fazer do governante uma pessoa que desfruta de luxos a que a maioria da população nem sonha em ter acesso.

Como Jair Bolsonaro, que se apresentava como um "homem comum", um "homem do povo", pode surrupiar joias de luxo que pertenciam ao governo brasileiro, vender para os ricos e ficar com o dinheiro? Isso pega mal com uma parte do eleitorado evangélico. Aquela que acha que toda família pode vender muita coisa na necessidade, menos os seus princípios.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL