Emoções e eleições guiam despedida de Lula da Presidência
No dia em que se ia se tornar ex-presidente, Luiz Inácio Lula da Silva acordou por volta das 8h no Palácio da Alvorada para esperar o Rolls Royce que horas mais tarde traria sua sucessora na Presidência da República. Tinha cogitado escapar com a faixa pela Esplanada dos Ministérios, onde no sábado (1) caía uma chuva fina. Mostrou-se feliz ao longo do dia, ao receber carinho dos amigos, da mulher e do povo que foi vê-lo na capital federal. Escondeu a tristeza da despedida, que o tomou há semanas.
O ex-líder metalúrgico, que deixou o governo com níveis recordes de aprovação, chegou ao Palácio do Planalto por volta das 15h30, depois de almoçar com a família. Pela TV, assistiu à pupila Dilma Rousseff assinar a carta de compromisso constitucional. A partir daquele momento, ele já integrava o restrito clube composto por Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. Foi à janela de sua sala para acenar ao público na Praça dos Três Poderes.
Às 16h52, acompanhado da mulher, Marisa Letícia, Lula desceu ao saguão do escritório do governo para receber a presidente Dilma Rousseff. Aproveitou para cobrar os futuros ministros, muitos deles integrantes da gestão encerrada em 31 de dezembro de 2010. “Juízo, meninos”, repetia a um grupo formado por Antonio Palocci (Casa Civil), Nelson Jobim (Defesa) e Fernando Pimentel (Desenvolvimento). Beijou a mãe e a tia da sucessora e tirou fotos com elas. E foi à entrada do Palácio.
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Quando Dilma e o vice-presidente Michel Temer chegaram para subir a rampa, às 16h58, fez-se um curto silêncio. Lula não entendeu o cerimonial e deu de ombros. A presidente respondeu com o mesmo gesto milésimos de segundos depois. A banda militar começou o hino nacional – depois de uma sequência de hits populares – e o esperado encontro se concretiza. Aplausos do mentor para a estudante aplicada, que devolveu com mais vigor. Mãos para o céu para representar a vitória da aliança.
Transmissão da faixa
No curto caminho para o parlatório, a presidente caminhou decidida ao lado direito de Lula. O ex-presidente ajeitou a faixa e fez um leve carinho no pano. Às 17h02, diante de cerca de 30 mil pessoas, ele repassou o símbolo do mais alto cargo da República a sua ex-ministra – uma mulher de perfil técnico que nunca tinha disputado uma eleição em toda a vida. Um abraço apertado selou o afastamento, para que a nova ocupante do Palácio do Planalto tivesse para si todos os holofotes. Por alguns momentos.
Enquanto Dilma discursava, Lula voltou ao saguão do prédio. “Olê, olê, olê, olê, olê, olá/Lula/Lula”, pela segunda vez, embalou os convidados da posse da nova presidente, que em nenhum momento teve seu nome entoado no Palácio do Planalto. Brincou com o senador eleito José Pimentel (PT-CE), que deixou a pasta da Previdência: “Ex-ministro!”. Ganhou um abraço em retribuição. Em seguida, foi ultrapassado por Paula, filha de Dilma, que desceu a rampa antes de todos.
Às 17h43, suando muito, Lula e sua mulher receberam Dilma e Temer para descer a rampa do Palácio do Planalto. Tocava o “Hino da Vitória”, usado pela TV Globo para comemorar triunfos de pilotos brasileiros na Fórmula 1. As duas mulheres dão os braços ao ex-presidente, que, no fim do percurso, acenou para a multidão. Mais abraços e cumprimentos de autoridades, até que o público, formado por petistas, lulistas e feministas, aumentou os chamados por seu ídolo.
Entre os gritos de guerra e pedidos, surgiu no sistema de som um breve “Lula lá” - jingle de suas primeiras e derrotadas campanhas presidenciais. O maior suspeito é o palco na Praça dos Três Poderes, onde artistas se apresentaram às custas do Ministério da Cultura. E lá foi o ex-presidente para as grades de segurança, assim como fez ao tomar posse em 2002 e ao ser reeleito em 2006. Tocou as pessoas, foi abraçado e chorou em público pela primeira vez no dia. Outros acompanharam suas lágrimas.
Voltando para casa
Também pela primeira vez como ex-presidente, Lula pôde baixar o vidro do carro que o levou à Base Aérea de Brasília e acenar – os carros da Presidência da República não permitem isso. Chegou por volta das 18h30, recebeu abraços de aliados e tirou fotos com sua equipe de segurança. Ao lado do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), embarcou para São Paulo ao som do hino do Corinthians, seu clube do coração. Antes de decolar, foi à cabine e acenou da cadeira do comandante.
Duas horas e meia depois, ele chegou ao hospital Sírio-Libanês para abraçar o ex-vice-presidente José Alencar, que está em tratamento de um câncer. Contou sobre a posse e insistiu na vontade de ver seu aliado colaborando com o futuro instituto Luiz Inácio Lula da Silva. Aproveitou para ver o ex-ministro Luiz Gushiken, também internado ali. Seguiu para a recepção em São Bernardo do Campo, seu berço político, por volta das 22h. Chegou meia hora mais tarde, ainda emocionado, à porta de casa.
Novamente o “Tema da Vitória”. Lula se instalou no palco apenas depois das 22h40, com direito a queima de fogos. “Volto para casa de cabeça erguida e com a sensação do dever cumprido”, disse ele, em seu primeiro pronunciamento como ex-presidente.
“Foram semanas sofridas, de choradeira de emoções e de muitas lágrimas”, afirmou.
Um estilo bastante diferente do de Fernando Henrique Cardoso, que deixou o Palácio do Planalto pela porta dos fundos e evitou declarações públicas logo após a saída.
Convocada pelo prefeito de São Bernardo do Campo, o ex-ministro Luiz Marinho, uma orquestra de violas tocou “Como é grande o meu amor por você”, uma das canções mais famosas de um dos ídolos de Lula, o cantor Roberto Carlos. Trouxe Marisa para dançar “Menino da Porteira”, um sucesso de Sérgio Reis. A chave da cidade foi, então, entregue ao ex-líder metalúrgico diante de mais de 2 mil pessoas, que tomaram chuva por horas à espera do petista.
Por volta das 23h, deixou o evento com cara de comício para seu prometido descanso de 20 dias. Disse ele que quer “colocar a cabeça no lugar”. No som, músicas de suas campanhas presidenciais embalavam a noite. No dia em que se tornou ex-presidente, Luiz Inácio Lula da Silva foi dormir deixando no ar a dúvida sobre se, daqui quatro anos, sua pupila acordará às 8 da manhã no Palácio da Alvorada para esperar o Rolls Royce que, horas mais tarde, trará seu antecessor na Presidência da República.
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