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Análise: Na era Lula, o saldo é positivo

Mailson da Nóbrega

03/01/2011 07h00

O resultado dos oitos anos do governo Lula é medíocre, se visto da pobreza das ações em prol do crescimento futuro. Ele pouco fez para atacar as deficiências estruturais da economia, embora contasse com elevada popularidade e o favorável ambiente econômico do período, interno e externo.

Se considerado, todavia, que ele bloqueou as desastrosas idéias econômicas do PT, o Brasil lhe fica devendo muito. Fruto de uma extraordinária intuição, Lula percebeu os riscos da ruptura na política econômica. Isso exigiu enorme capacidade de renúncia a velhos ideais e habilidade para lidar com a decepção de seus companheiros.

Antônio Palocci, seu primeiro e competente ministro da Fazenda, teve participação relevante nesse processo, mas os novos caminhos se devem à liderança e à coragem do presidente. Daí a ousada decisão de convidar um banqueiro, Henrique Meirelles, para presidir o Banco Central.

Além do amadurecimento de Lula, a guinada rumo à racionalidade na gestão macroeconômica se explica pelo novo quadro institucional, que começou a ser construído com democratização em 1985 e se aprofundou com abertura da economia, a vitória contra a inflação e a integração do país aos fluxos financeiros globalizados.

Aqui se usa a definição de Douglass North, para quem instituições constituem as regras do jogo – formais e informais –, os códigos e as crenças da sociedade. Aí se inclui a imprensa livre e independente. A sociedade não tolera a inflação. Subidas fortes e duradouras dos preços corroem a popularidade do governo e do presidente.

Assim, a legitimidade política passou a depender da estabilidade econômica, que por seu turno é fruto de uma política econômica responsável. O experimentalismo pode gerar crises de confiança, fugas de capitais, deterioração das avaliações de risco do país e fortes desvalorizações cambiais. Resultado: mais inflação e menos crescimento.

Essa piora envenena o ambiente de negócios. A atividade econômica declina, o desemprego aumenta e as expectativas positivas se esfumaçam. O país perde credibilidade. Caem o investimento e o potencial de crescimento. As incertezas se ampliam, os custos de transação se elevam e o parque industrial se desatualiza.

Essa nova e auspiciosa realidade nos ombreia com os países nos quais as instituições inibem o populismo econômico. Estamos livres dessa praga que infelicitou muitos países da América Latina. O voluntarismo inconsequente é percebido pelos mercados e pelo eleitor. Ambos punem eventuais retrocessos na gestão macroeconômica.

Lula entendeu. Presidiria um país que havia mudado e no qual sucumbira a ideia que atribuía à inflação um papel no desenvolvimento. Somente uns poucos continuam a acreditar nessa lorota. Os brasileiros agora valorizam a estabilidade, particularmente os pobres.

Por isso, Lula preservou a autonomia do BC e lhe conferiu o status de ministério. Protegeu Meirelles dos ataques do PT, de empresários e de sindicalistas. Revelação recente da revista Veja diz que ele desfez a armação de Guido Mantega para substituir Meirelles por Luiz Gonzaga Beluzzo, um crítico do BC.

Nesses oito anos, o BC cumpriu metas de inflação e assegurou a estabilidade necessária ao crescimento. O Brasil desfrutou os efeitos das mudanças efetuadas por governos anteriores, em especial o de FHC. Beneficiou-se da ascensão da China e do forte crescimento da economia mundial entre 2003 e 2008.

O grande feito foi, portanto, a continuidade e não a mudança. Ao não promover a ruptura que prometera em suas quatro campanhas presidenciais, Lula preservou nossas conquistas fundamentais. Seria incalculável o custo da adoção das propostas equivocadas do PT. O desastre nos levaria de volta ao atoleiro.

O êxito do mais popular presidente do Brasil não decorreu apenas da manutenção da política econômica e da sorte advinda da forte expansão da economia mundial. A ele se deve também a consolidação e ampliação dos programas sociais da era FHC, o que exigiu coragem para abandonar o mal ajambrado Fome Zero.

No início do governo Lula, o ímpeto reformista prometia. As reformas microeconômicas de Palocci – praticamente abandonadas com sua saída – abriram avenidas para a expansão sadia do crédito. A nova Lei de Falências deixou para trás um arcabouço institucional que mais favorecia a destruição das empresas.

Lula deixa o governo sem fazer as grandes reformas de que carece o país. A concessão de estradas federais esperou sete anos. A rigidez orçamentária piorou com a elevação dos gastos de pessoal e os aumentos insustentáveis dos benefícios previdenciários. O aparelhamento piorou as ineficiências do Estado.

Os maus resultados estão aí. Segundo estudos da The Economist Intelligence Unit sobre transportes nas dez das maiores economias (Alemanha, África do Sul, Brasil, China, Espanha, França, Índia, Polônia, Reino Unido e Rússia), o Brasil está em último lugar. O caos impera nos aeroportos. A operação da logística é deficiente.

Provavelmente o maior erro de Lula foi a mudança das normas de exploração do pré-sal. Escolheu o regime de partilha, adotado em países de fracas instituições (Irã, Iraque,Nigéria e outros), mais ineficiente. O nosso estágio institucional é mais compatível com o regime de concessão, vigente nos países ricos. A mudança, pela qual pagaremos caro, foi movida por razões ideológicas e um infantil anticapitalismo.

Períodos de forte crescimento resultam geralmente de mudanças passadas. Lula se beneficiou das ações de outros governos, mas pouco plantou para futuras colheitas. Mesmo assim, é positiva a comparação entre o que não fez e o que evitou que se fizesse. As conquistas estão preservadas.

É mais fácil recuperar o atraso pela inação do que combater os efeitos da ruptura.

*Ex-ministro da Fazenda. Sócio da Tendências Consultoria Integrada