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Ex-prefeito de Blumenau (SC) confirma diálogo, mas nega fraude em licitação

Vinícius Segalla e Guilherme Balza

Do UOL, em Blumenau (SC) e São Paulo

30/04/2013 16h40Atualizada em 30/04/2013 20h25

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O ex-prefeito de Blumenau (139 km de Florianópolis) João Paulo Kleinubing (PSD), atual presidente do Badesc (Banco de Desenvolvimento de Santa Catarina), confirmou em nota divulgada nesta terça-feira (30) que manteve diálogo com o ex-secretário de Obras Alexandre Brollo, no qual teria mandado seu subordinado criar um documento falso para simular um processo de dispensa de licitação.

A fraude seria para permitir que a empresa municipal URB (Companhia Urbanizadora de Blumenau) recebesse uma verba de R$ 30 milhões do Badesc (Banco de Desenvolvimento do Estado de Santa Catarina). A reportagem do UOL teve acesso à transcrição da conversa, gravada pelo Ministério Público Estadual, que obteve autorização judicial para monitorar o telefone de Brollo.

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Na nota, o ex-prefeito, embora tenha confirmado a conversa, disse que o contrato foi assinado no dia seguinte à conversa (6.jul.2012), e não com data retroativa. “Não assinei contrato retroativo. E todos os contratos feitos pela URB foram abaixo dos valores de referência. Tudo o que foi divulgado hoje são informações não verdadeiras”, afirmou Kleinübing, em nota (veja no final do texto a íntegra da nota).

O ex-prefeito disse ainda que não foi chamado pelo MP para prestar esclarecimentos e que tomará medidas judiciais para esclarecer os fatos.

Segundo as investigações, os projetos para as obras citadas na conversa, porém, não estavam prontos, e Kleinubing ordenou também que o ex-secretário de Obras Alexandre Brollo inventasse os projetos.

A gravação do diálogo integra as investigações da Operação Tapete Negro, que apura a existência de um megaesquema de corrupção montado em Blumenau e que teria causado um prejuízo aos cofres públicos de, pelo menos, R$ 100 milhões.

Na sessão de hoje na Câmara Municipal de Blumenau, o vereador Jefferson Forest (PT) fez um apelo aos parlamentares para que abram uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o esquema de corrupção. 

Foro privilegiado

Após o "forte indício de ilicitude cometida pelo prefeito", porém, o MPE passou também a investigar Kleinubing. Em virtude de sua condição de prefeito, Kleinubing gozava de foro privilegiado, o que fez com que as investigações fossem encaminhadas à Procuradoria-Geral do Estado.

A ordem do prefeito pode ser melhor compreendida dentro do contexto do esquema criminoso que estaria instalado em Blumenau. 

De acordo com as investigações do MPE, a principal forma utilizada pela quadrilha para lesar o patrimônio público seria o desvio de dinheiro por meio de obras superfaturadas e contratadas por meio de licitações fraudulentas. O esquema se daria principalmente em obras tocadas pela URB.

Por conta de uma legislação municipal, a empresa pública tem a prerrogativa de contratar com o município por meio de dispensa de licitação, desde que comprove, mediante tomada de preços, que os orçamentos que apresenta são compatíveis com aqueles praticados pelo mercado.

A fraude, então, teria início na comparação de orçamentos, contando com a participação de empreiteiras privadas que apresentavam intencionalmente preços superiores aos oferecidos pela empresa estatal. Dessa maneira, a URB ganhava o direito de realizar a obra por um custo, aparentemente, mais baixo que os de seus concorrentes privados, para depois terceirizar os trabalhos para as mesmas empresas envolvidas, só que por um preço menor. 

A diferença entre o que o a prefeitura paga à estatal e o que esta repassa às empresas subcontratadas seria dividida entre os participantes do esquema.

No caso específico em que o ex-prefeito ordenaria a fraude, o município de Blumenau pleiteava uma verba de R$ 30 milhões do Badesc proveniente do programa de fomento estadual "Asfalto Pra Gente", que financia obras de pavimentação em cidades catarinenses.

À época do diálogo interceptado entre o então prefeito e seu secretário, dia 5 de julho de 2012,  Kleinubing tinha até 31 de agosto daquele ano para enviar ao Badesc os projetos de obras de pavimentação para pleitear a verba.

No dia da conversa interceptada, porém, Kleinubing veio a saber que, em virtude de um entendimento do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) sobre a natureza jurídica e sobre as regras para a concessão do financiamento, a data final para o envio dos projetos ao banco era 7 julho, ou dois dias a partir dali, e já com os projetos definidos e as obras devidamente licitadas e com ordens de serviços expedidas.

A prefeitura, porém, possuía apenas esboços de projetos, sendo que só um deles já contava com valores e medições em fase quase concluídos.

Assim, para não perder a verba estadual, com a qual o prefeito e seu grupo político contavam para realizar obras tidas como essenciais para fins eleitorais (a eleição municipal ocorreria em outubro daquele ano), Kleinubing decidiu ordenar que o secretário de Obras criasse um processo de dispensa de licitação fictício em favor da URB com data retroativa, além de uma ordem de serviço com data de 5 de julho, o dia em que é travado o diálogo.

Também seria necessário enviar ao Badesc os projetos das obras de pavimentação supostamente produzidos pela URB, mas eles não existiam ou não estavam concluídos. A solução encontrada pelo então prefeito, assim, foi fraudar toda essa documentação, inclusive criando simulacros de projetos de obras, para o que solicitou ajuda do então presidente da URB, Eduardo Jacomel, apontado como um dos comandantes do megaesquema de corrupção, conforme demonstra o diálogo interceptado pelo MPE:

Ex-prefeito João Paulo Kleinubing: "Alô, Brollo?"

Ex-secretário de Obras Alexandre Brollo: "Oi."

Kleinubing: "Conhece a definição do termo 'fodeu'?"

Brollo: "Ai, meu Deus."

Kleinubing: "Fodeu, fodeu, vais entender, fodeu."

Brollo: "Certo."

Kleinubing: "Falei com o Nelson agora, né?, do Walfredo me provocou agora, algum luminar do BNDES mandou correspondência pro Badesc, advogado, advogado merda, advogado merda, equiparando operação de crédito a transferência voluntária de recurso."

Brollo: "Fodeu."

Kleinubing: "Ou seja, o prazo não é mais 31 de agosto, mas 7 de julho."

Brollo: "É depois de amanhã."

Kleinubing: "Deve estar licitada e com ordem de serviço emitida. Isso é a definição do termo 'fodeu', né?"

Brollo: "Sim."

Kleinubing: "Então, fodeu."

Brollo: "Puta que pariu."

Kleinubing: "Então, Brollo, preciso trazer tu e o Jacomel [Eduardo Jacomel, então presidente da URB] pra cá."

Brollo: "Sim."

Kleinubing: "E assim, ó: dispensa pra URB, com data atrasada e ordem de serviço com data de hoje."

Brollo: "Tá bom, tô ligando pro Jacomel e tô indo pra aí."

Kleinubing: "De projeto que não existe."

Brollo: "Não, até existe, né?"

Kleinubing: "É, só que assim, naturalmente, Brollo, porque eu preciso que vocês dois venham aqui. Eu não vou fazer isso para R$ 20 milhões, nem faz..."

Brollo: "Não, claro, claro, claro, mas tem mais ou menos as obras que eles poderiam fazer lá."

Kleinubing: "Isso, a questão é: o que que, de fato, o que nós vamos priorizar, o que nós temos capacidade de execução, pra começar agora, e essa nós vamos encaminhar. Nós vamos fazer de tudo, né, também..."

Brollo: "Não, não, mas isso aí... Isso aí tem, mais ou menos nós já temos."

Kleinubing: "Pra gente trabalhar nisso."

Brollo: "Meia-hora aí."

Kleinubing: "Meia-hora aqui."

Íntegra da nota de Kleinubing

Em relação à matéria publicada no site UOL, no dia de hoje, e à investigação do Ministério Público, na chamada Operação Tapete Negro, o ex-prefeito João Paulo Kleinubing esclarece a bem da verdade:

1 – As notícias publicadas não correspondem à verdade dos fatos, são irresponsáveis e já foram divulgadas no final do ano passado;

2 – O que de fato existe é uma apuração do Ministério Público Estadual baseada em suposições construídas em cima de informações não verdadeiras;

3 – O Ministério Público não ofereceu denúncia contra qualquer pessoa;

4 – Nenhuma pessoa foi indiciada, muito menos o ex-prefeito João Paulo Kleinubing;

5 – Não houve qualquer tipo de fraude e não foi provada a existência de qualquer tipo de fraude: a contratação da URB – Companhia Urbanizadora de Blumenau - pela Prefeitura é um procedimento legal;

6 – Não houve superfaturamento de qualquer obra realizada ou contratada pela URB – durante a gestão do prefeito João Paulo Kleinubing;

7 – Todas as obras referidas foram contratadas e executadas abaixo dos preços de mercado e abaixo dos preços de referência oficiais apresentados nas tabelas federais do SICRO e SINAP e estadual, do DEINFRA;

8 – Por preceito legal, a URB era contratada através de dispensa de licitação, modalidade prevista em lei, porque a Companhia pertence à Prefeitura e pode ser contratada através dessa modalidade, desde que efetue preços compatíveis com o mercado, o que de fato sempre ocorreu; 

9 – O suposto superfaturamento de obras apontado na matéria do UOL e na ação do Ministério Público teria sido feito para beneficiar a URB, que é uma empresa da Prefeitura, ou seja, a beneficiada seria a própria Prefeitura, o que é no mínimo incoerente e sem fundamento;

10 – Nem a reportagem, nem a ação do Ministério Público apontam como teria sido desviado o dinheiro da URB, coisa que de fato não aconteceu;

11 – A matéria aponta, de forma inverídica, o desvio de R$ 100 milhões através da URB, mas não diz que os contratos realizados pela prefeitura com a URB para execução de obras somam R$ 58 milhões de 2006 a 2012, período da apuração do Ministério Público;

12 – Nenhuma empresa e nenhuma pessoa foi favorecida no suposto esquema apontado pela reportagem;

13 – Nenhum contrato foi assinado com data retroativa;

14 – Todos os contratos com o Badesc foram assinados dentro dos prazos previstos em lei e as datas comprovam isso;

15 – Nenhum documento foi fraudado;

16 – O uso maldoso de gravações fora do devido contexto é um artifício que deve ser repudiado.  Naquele momento, a Prefeitura de Blumenau corria o risco de perder R$ 15 milhões por conta de entraves burocráticos, mesmo assim, nenhum contrato, dispensa de licitação ou ordem de serviço foi assinado com data retroativa, conforme sugere a reportagem;

17 - A conversa foi citada na reportagem foi realizada no dia 5 de julho de 2012 e todos os documentos foram assinados em data posterior, o que é de fácil comprovação;

19 – O ex-prefeito João Paulo Kleinubing reafirma que não houve desvio de recursos públicos e não houve prejuízo aos cofres públicos e tomará as medidas judiciais necessárias com relação à matéria do UOL;

20 – O ex-prefeito João Paulo Kleinubing jamais foi chamado pelo Ministério Público para prestar qualquer esclarecimento e está totalmente à disposição do MP para as informações que forem necessárias.

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