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Em escuta, ex-prefeito de Blumenau (SC) manda fraudar licitação de obra fantasma

Vinícius Segalla e Guilherme Balza

Do UOL, em Blumenau (SC) e São Paulo

30/04/2013 06h00

Interceptações telefônicas autorizadas pela Justiça em julho de 2012 flagraram o ex-prefeito da cidade de Blumenau (139 km de Florianópolis) João Paulo Kleinubing (PSD) ordenando a um de seus secretários que criasse um documento falso para simular um processo de dispensa de licitação para que a empresa municipal URB (Companhia Urbanizadora de Blumenau) recebesse uma verba de R$ 30 milhões do Badesc (Banco de Desenvolvimento do Estado de Santa Catarina).

O montante seria utilizado para executar obras de pavimentação na cidade, segundo investigação do MPE (Ministério Público Estadual) de Santa Catarina à qual o UOL teve acesso. Hoje, Kleinubing é presidente do Badesc. Ele nega as acusações.

Os projetos para tais obras, porém, não estavam prontos, e Kleinubing ordenou também que o ex-secretário de Obras Alexandre Brollo inventasse os projetos.

  • Ex-prefeito de Blumenau João Paulo Kleinubing

O telefone interceptado com autorização da Justiça era o de Brollo, um dos investigados na Operação Tapete Negro do Ministério Público Estadual de Santa Catarina, que apura a existência de um megaesquema de corrupção montado em Blumenau e que teria causado um prejuízo aos cofres públicos de, pelo menos, R$ 100 milhões.

Após o "forte indício de ilicitude cometida pelo prefeito", porém, o MPE passou também a investigar Kleinubing. Em virtude de sua condição de prefeito, Kleinubing gozava de foro privilegiado, o que fez com que as investigações fossem encaminhadas à Procuradoria-Geral do Estado.

A ordem do prefeito pode ser melhor compreendida dentro do contexto do esquema criminoso que estaria instalado em Blumenau. 

De acordo com as investigações do MPE, a principal forma utilizada pela quadrilha para lesar o patrimônio público seria o desvio de dinheiro por meio de obras superfaturadas e contratadas por meio de licitações fraudulentas. O esquema se daria principalmente em obras tocadas pela URB.

Por conta de uma legislação municipal, a empresa pública tem a prerrogativa de contratar com o município por meio de dispensa de licitação, desde que comprove, mediante tomada de preços, que os orçamentos que apresenta são compatíveis com aqueles praticados pelo mercado.

A fraude, então, teria início na comparação de orçamentos, contando com a participação de empreiteiras privadas que apresentavam intencionalmente preços superiores aos oferecidos pela empresa estatal. Dessa maneira, a URB ganhava o direito de realizar a obra por um custo, aparentemente, mais baixo que os de seus concorrentes privados, para depois terceirizar os trabalhos para as mesmas empresas envolvidas, só que por um preço menor. 

A diferença entre o que o a prefeitura paga à estatal e o que esta repassa às empresas subcontratadas seria dividida entre os participantes do esquema.

PREFEITO SOB INVESTIGAÇÃO

  • Montagem/Reprodução

    No dia 21 de agosto de 2012, diante dos indícios de envolvimento do então prefeito de Blumenau, João Paulo Kleinubng (PSD), no esquema de corrupção investigado pelo Ministério Público Estadual de Santa Catarina, a Justiça deu autorização para que o chefe do Executivo blumenauense passasse a ser um dos investigados na chamada Operação Tapete Negro

No caso específico em que o ex-prefeito ordenaria a fraude, o município de Blumenau pleiteava uma verba de R$ 30 milhões do Badesc proveniente do programa de fomento estadual "Asfalto Pra Gente", que financia obras de pavimentação em cidades catarinenses.

À época do diálogo interceptado entre o então prefeito e seu secretário, dia 5 de julho de 2012,  Kleinubing tinha até 31 de agosto daquele ano para enviar ao Badesc os projetos de obras de pavimentação para pleitear a verba.

No dia da conversa interceptada, porém, Kleinubing veio a saber que, em virtude de um entendimento do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) sobre a natureza jurídica e sobre as regras para a concessão do financiamento, a data final para o envio dos projetos ao banco era 7 julho, ou dois dias a partir dali, e já com os projetos definidos e as obras devidamente licitadas e com ordens de serviços expedidas.

Entenda o esquema

A prefeitura, porém, possuía apenas esboços de projetos, sendo que só um deles já contava com valores e medições em fase quase concluídos.

Assim, para não perder a verba estadual, com a qual o prefeito e seu grupo político contavam para realizar obras tidas como essenciais para fins eleitorais (a eleição municipal ocorreria em outubro daquele ano), Kleinubing decidiu ordenar que o secretário de Obras criasse um processo de dispensa de licitação fictício em favor da URB com data retroativa, além de uma ordem de serviço com data de 5 de julho, o dia em que é travado o diálogo.

Também seria necessário enviar ao Badesc os projetos das obras de pavimentação supostamente produzidos pela URB, mas eles não existiam ou não estavam concluídos. A solução encontrada pelo então prefeito, assim, foi fraudar toda essa documentação, inclusive criando simulacros de projetos de obras, para o que solicitou ajuda do então presidente da URB, Eduardo Jacomel, apontado como um dos comandantes do megaesquema de corrupção, conforme demonstra o diálogo interceptado pelo MPE:

Ex-prefeito João Paulo Kleinubing: "Alô, Brollo?"

Ex-secretário de Obras Alexandre Brollo: "Oi."

Kleinubing: "Conhece a definição do termo 'fodeu'?"

Brollo: "Ai, meu Deus."

Kleinubing: "Fodeu, fodeu, vais entender, fodeu."

Brollo: "Certo."

Kleinubing: "Falei com o Nelson agora, né?, do Walfredo me provocou agora, algum luminar do BNDES mandou correspondência pro Badesc, advogado, advogado merda, advogado merda, equiparando operação de crédito a transferência voluntária de recurso."

Brollo: "Fodeu."

Kleinubing: "Ou seja, o prazo não é mais 31 de agosto, mas 7 de julho."

Brollo: "É depois de amanhã."

Kleinubing: "Deve estar licitada e com ordem de serviço emitida. Isso é a definição do termo 'fodeu', né?"

Brollo: "Sim."

Kleinubing: "Então, fodeu."

Brollo: "Puta que pariu."

Kleinubing: "Então, Brollo, preciso trazer tu e o Jacomel [Eduardo Jacomel, então presidente da URB] pra cá."

Brollo: "Sim."

Kleinubing: "E assim, ó: dispensa pra URB, com data atrasada e ordem de serviço com data de hoje."

Brollo: "Tá bom, tô ligando pro Jacomel e tô indo pra aí."

Kleinubing: "De projeto que não existe."

Brollo: "Não, até existe, né?"

Kleinubing: "É, só que assim, naturalmente, Brollo, porque eu preciso que vocês dois venham aqui. Eu não vou fazer isso para R$ 20 milhões, nem faz..."

Brollo: "Não, claro, claro, claro, mas tem mais ou menos as obras que eles poderiam fazer lá."

Kleinubing: "Isso, a questão é: o que que, de fato, o que nós vamos priorizar, o que nós temos capacidade de execução, pra começar agora, e essa nós vamos encaminhar. Nós vamos fazer de tudo, né, também..."

Brollo: "Não, não, mas isso aí... Isso aí tem, mais ou menos nós já temos."

Kleinubing: "Pra gente trabalhar nisso."

Brollo: "Meia-hora aí."

Kleinubing: "Meia-hora aqui."

Outro lado

Procurado pelo UOL, João Paulo Kleinubing afirmou, por meio de nota, que jamais ordenou a confecção de qualquer documento fraudado.

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"Nenhum contrato foi assinado com data retroativa. Todos os contratos assinados com o Badesc aconteceram dentro dos prazos previstos em lei e as datas comprovam isso. Nenhum documento foi fraudado. Existem informações equivocadas e não efetivamente confirmadas que dizem o contrário, mas não conferem com a realidade dos fatos. Os contratos atenderam a forma da lei", diz a nota do atual presidente do Badesc.

A reportagem perguntou também se Kleinubing tem conhecimento do esquema de corrupção que estaria instalado no município de Blumenau durante sua administração. Kleinubing afirmou que, até o momento, não foi comprovada a existência de qualquer irregularidade na Prefeitura de Blumenau durante a sua administração, que foi de 2005 a 2012, exatamente o período em que MPE enquadra suas investigações.

"Ninguém foi indiciado e também não foi oferecida denúncia contra qualquer pessoa. Isto ocorre porque não houve qualquer tipo de fraude ou superfaturamento nas ações da Prefeitura de Blumenau. A Companhia Urbanizadora de Blumenau pertence à Prefeitura e a sua contratação através de dispensa de licitação é perfeitamente legal.

Além disso, a URB sempre praticou preços menores que o mercado. Todos os serviços contratados junto à URB sempre estiveram abaixo dos preços praticados no mercado e também abaixo dos preços de referência oficiais apresentados nas tabelas federais SICRO e SINAP e o estadual DEINFRA. Não houve desvio e nenhum contrato foi assinado acima dos preços de referência, pelo contrário. Em todo o processo, o Ministério Público jamais apresentou perícia que comprove a alegação de superfaturamento. Qualquer perícia iria comprovar os preços praticados abaixo dos valores de mercado", diz a nota do ex-prefeito.

Sobre os indícios de que funcionários municipais da confiança do então prefeito seriam os comandantes do esquema de desvio público, Kleinubing afirmou que "desconhece o assunto e jamais foi questionado sobre o tema".

Já o ex-secretário de Obras de Blumenau Alexandre Brollo e o ex-presidente da URB Eduardo Jacomel foram procurados pela reportagem do UOL por email, telefone e redes sociais, mas não retornaram a nenhum contato.

Atualmente, a investigação do MPE está focada na análise das centenas de documentos obtidos em dezembro do ano passado, após o cumprimento de 37 mandados de busca e apreensão em repartições públicas, empreiteiras e residências dos envolvidos. De acordo com os promotores, após a análise deste material, que pode durar muitos meses, será oferecida denúncia contra os envolvidos.