Presidente de empresa pública fraudou concorrências e contratou empresas de que era sócio
O engenheiro Eduardo Jacomel ocupou o cargo de diretor-presidente da URB (Companhia Urbanizadora de Blumenau) durante dois anos, de 2010 a janeiro deste ano. Funcionário de carreira da estatal, ingressou na companhia em 2004, ainda como estagiário. Posteriormente, foi contratado como engenheiro e passou por cargos de gerência e direção até chegar ao comando da empresa.
Entenda o esquema
Nas escutas feitas pelos promotores com autorização da Justiça, o então diretor-presidente da URB aparece combinando com assessores e empreiteiros a montagem de concorrências simuladas, formulação de documentações falsas para aprovar obras e orçamentos e realização de medições fictícias em obras públicas.
Além disso, descobriu-se, por meio de documentos obtidos na Receita Federal e aos quais o UOL teve acesso, que Jacomel é sócio-proprietário de uma empresa chamada Engetechne, juntamente com os empreiteiros Israel de Souza e Gerson Dolberth, donos de outras empresas diretamente envolvidas no esquema fraudulento instalado em Blumenau, como a Construpav, uma das empreiteiras que mais contratou com a URB durante a gestão de Jacomel.
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A suposta ação criminosa do ex-presidente da estatal blumenauense extrapolou os limites do município e chegou a Criciúma e Timbó, a 190 e 180 quilômetros de Florianópolis, respectivamente.
Em gravação de uma conversa telefônica do dia 20 de abril de 2012, Jacomel conversa com uma funcionária da URB, identificada apenas como Isabel, e supostamente combina com a servidora a montagem de orçamentos fictícios para uma obra de iluminação na rua 2 de Setembro, no centro de Blumenau.
A execução do serviço seria de interesse para o então candidato a vereador e diretor do departamento de iluminação da prefeitura, Robinsom Soares (PSD), o Robinho.
De acordo com os elementos colhidos na investigação do MPE, a obra deveria ser feita com urgência, para que Robinho angariasse apoio político e votos por supostamente ter sido o responsável pela realização da melhoria.
Para tanto, a URB deveria ser indicada via dispensa de licitação para tocar a obra.
A fim de garantir que isso viesse a ocorrer, a própria estatal formulou os orçamentos das empresas que supostamente deveriam concorrer para ficar com a empreitada, mas que, por fazer parte do esquema, permitiam que servidores da URB pertencentes à quadrilha montassem suas propostas fictícias.
Ao falar com a funcionária da URB no diálogo interceptado, Jacomel cobra "o contrato de iluminação e o memorial que tem que mandar pro Robson". A servidora responde que está providenciando toda a documentação solicitada, e que a demora se deu porque Robson levou muito tempo para passar os detalhes da obra necessária, e acrescenta: "Ele me mandou na semana passada, daí acabou enrolando um pouquinho. Mas nós já estamos fazendo os três orçamentos, e daí falta as CNDs (certidões negativas de débito com o poder público das empresas que simulavam estar concorrendo, documento necessário para a participação em licitações). Mas já tá lá com o nosso amigo, pra encadernar e fazer tudo, pra poder ir para frente".
Eduardo Jacomel, então, agradece e passa a falar de outra obra.
Os documentos da investigação aos quais o UOL teve acesso registram transcrições de 18 conversas telefônicas em que o então diretor-presidente da URB mantém diálogos semelhantes com seus subordinados, acertando simulações de concorrências ou ditando vencedores para certames fraudulentos. Ele também negociava cargos na URB para aliados (veja transcrição do documento abaixo do texto).
De acordo com o MP, as fraudes envolvendo a URB, seja com licitações fraudulentas, medições a maior, desvio de materiais ou superfaturamento em pagamentos, somam um prejuízo de mais de R$ 50 milhões.
Cabide de empregos
Em uma das ligações de Eduardo Jacomel interceptadas pela Promotoria, o então presidente da URB diz que irá atender ao pedido do então candidato a vereador Braz Roncaglio (PR) para empregar na companhia estatal um dos cabos eleitorais de Roncaglio. O pedido é para que o cabo eleitoral seja contratado com data retroativa, para receber salário desde antes do dia em que se dá o diálogo (veja o documento abaixo).
Jacomel atende o pedido e diz a Roncaglio o que fazer. De acordo com as investigações do MPE-SC, o funcionário foi efetivamente contratado, mas jamais deu expediente na empresa pública, já que trabalhava na campanha de Braz Roncaglio.
Negócios particulares
Em outra ligação interceptada, Eduardo Jacomel é informado pelo seu sócio Gerson Dolberth que eles haviam vencido concorrência para uma obra em Criciúma. O diálogo é do dia 26 de julho de 2012, e se dá de maneira cifrada, uma vez que, nesse período, os participantes do suposto esquema de corrupção já desconfiavam que estavam sendo grampeados.
Eduardo Jacomel: "Como estão as coisas, tudo bem?"
Gerson Dolberth: "Tudo bem. Tô te ligando pra dizer que fechei mais uma obra boa ali."
Eduardo Jacomel: "Ôpa, eu tô sem aquele telefone aqui [o telefone que não correria o risco de estar grampeado]."
Gerson Dolberth: "Não, tá bom, só para te contar que eu tô contente, porque fechei mais uma obra."
Eduardo Jacomel: "Quantos dias de serviço?"
Gerson Dolberth: "Uma semana."
Eduardo Jacomel: "É em Blumenau?"
Gerson Dolberth: "Não, não, é em Criciúma."
Eduardo Jacomel: "Ah sim, que bom. Desejo sucesso a você neste novo empreendimento."
Segundo restou evidenciado pela apuração do MPE, os sócios Eduardo Jacomel, Gerson Dolberth e Israel de Souza empreendiam o máximo esforço para que a participação do diretor-presidente da URB na sociedade dos três fosse mantida em segredo, já que é ilegal que empresas pertencentes ao presidente de uma estatal prestem serviços para a mesma.
Em uma conversa do dia 24 de julho de 2012, Gerson Dolberth e Israel de Souza travaram diálogo pelo telefone sobre pagamento de propina para um assessor da Secretaria de Planejamento de Joinville (180 km de Florianópolis), cujo nome não é revelado. "Já acertei com ele, se a gente pega obra que ele indicou, é 10%", afirmou Souza.
Após continuarem falando sobre obras, negociatas e concorrências, em determinado momento, Souza adverte: "Viu, não comenta do outro sócio lá".
Gerson Dolberth: "Não, não, Deus o livre, cara!"
Israel de Souza: "Para fins de todos, é eu e tu, tá Gerson?"
Gerson Dolberth: "Isso aí todo mundo me pergunta: 'Ô, mas é você e o Eduardo?' Eu digo, 'não, não, Deus o livre'."
O UOL tentou falar com os três citados no diálogo transcrito, mas nenhum deles retornou aos contatos da reportagem.
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