STF decide libertar José Dirceu, condenado na Lava Jato
Os ministros da 2ª Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) decidiram nesta terça-feira (2) revogar a ordem de prisão do juiz Sergio Moro e determinar a libertação do ex-ministro José Dirceu, preso preventivamente desde 2015 e já condenado duas vezes na Operação Lava Jato.
A decisão foi tomada pelo voto favorável de três dos cinco ministros da 2ª Turma: Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes. O relator da Lava Jato no STF, Edson Fachin, e o ministro Celso de Mello, votaram por manter Dirceu preso.
Os ministros também decidiram que o juiz Sergio Moro possa determinar outras medidas cautelares menos graves que a prisão, como o uso de tornozeleira eletrônica, por exemplo.
Os argumentos usados para libertar Dirceu foram de que, por ele já ter sido condenado em dois processos, seria improvável que ele conseguisse interferir nas investigações por meio, por exemplo, da ocultação de provas ou intimidação de testemunhas.
Além disso os ministros consideraram também que os crimes pelos quais ele foi acusado não são recentes, o que enfraqueceria o argumento da necessidade de mantê-lo preso preventivamente como forma de evitar que ele voltasse a praticar crimes.
Por fim, também consideraram que a possibilidade de Dirceu voltar a infringir a lei foi reduzida desde que o PT deixou o governo federal. “O grupo político que estava à frente da Petrobras já não mais está”, disse o ministro Dias Toffoli.
Último a votar, o ministro Gilmar Mendes desempatou o julgamento afirmando que, apesar da gravidade dos casos de corrupção, o Supremo deveria julgar com base no que diz a lei. “Não podemos nos ater à aparente vilania dos envolvidos para decidir acerca da prisão processual”, disse. “A missão desta Corte [o STF] é aplicar a Constituição, ainda que contra a opinião majoritária, e neste caso estou me referindo à opinião pública”, afirmou o ministro.
Em seu voto, Mendes lembrou que no julgamento do mensalão pelo STF, classificado por ele como o caso criminal mais importante julgado pelo Supremo, não foram decretadas prisões preventivas dos investigados. “As penas só foram aplicadas após a decisão”, disse o ministro.
Como votaram os outros ministros
Em seu voto, o relator da Lava Jato no Supremo, ministro Edson Fachin, votou a favor de manter a prisão preventiva de Dirceu, decretada pelo juiz federal Sergio Moro, responsável pela Lava Jato na 13ª Vara Federal de Curitiba. O ministro afirmou que a jurisprudência do STF (casos julgados anteriormente) autoriza a manutenção da prisão preventiva com base na gravidade do crime e no fato de o réu ter reiterado na conduta criminosa.
Esses dois elementos, segundo Fachin, são suficientes para garantir que a liberdade do réu pode ameaçar a garantia da ordem pública, ou seja, para impedir que novos crimes sejam cometidos.
O relator indicou que há informações de que Dirceu teria continuado a receber propina mesmo depois de condenado no mensalão, como o pagamento de cerca de R$ 10 milhões por uma empresa investigada na Lava Jato. “São cifras que bem sinalizam a gravidade concreta das infrações”, disse Fachin.
Segundo o ministro, há indícios de pagamentos ilegais até outubro de 2014. “O juiz da causa [Sergio Moro] a meu ver apontou indícios concretos do risco de reiteração delituosa”, afirmou. Fachin também afirmou que o tempo de duração das prisões preventivas deve ser avaliado com base nos critérios legais que autorizam esse tipo de prisão, e não somente a partir da duração da prisão.
“No caso em concreto, paciente se encontra preso desde 3 de agosto de 2015, situação que não é nem pode ser indiferente ao Estado-juiz. Eventual excesso na duração das prisões cautelares não deve ser analisado mediante prazos estanques, não se trata de avaliação meramente aritmética”, afirmou o ministro.
“A prisão preventiva é instrumento importante para efetividade das persecuções criminais, mas é certo que preventiva não pode ser um fim em si mesmo”, disse. “A lei é o limite. Tanto para determinar, quanto para revogar a prisão. E se assim não for, quem estará se afastando da lei é o próprio julgador.”
Após o voto do relator, o ministro Dias Toffoli foi o primeiro a votar a favor da libertação de Dirceu. Para Toffoli, a prisão preventiva decretada com o objetivo de evitar o cometimento de novos crimes não deve ser aplicada se já houver um tempo longo entre o momento da prisão e da prática criminosa.
O ministro também afirmou que o fato de o grupo político de Dirceu não estar mais no poder torna mais difícil que ele volte a cometer crimes. “O grupo político que estava à frente da Petrobras já não mais está”, disse. Toffoli também afirmou que o juiz Sergio Moro poderia estabelecer medidas cautelares mais leves que a prisão, como o uso de tornozeleira eletrônica, por exemplo.
Para o ministro Ricardo Lewandowski, a prisão preventiva de Dirceu se alongou por um período excessivo, já que o cumprimento da pena só é possível após a condenação ser confirmar em segunda instância de julgamento, o que ainda não aconteceu.
“O que está havendo são prisões a partir de decisão de primeiro grau. Isso evidentemente é vedado em nosso ordenamento jurídico constitucional, como é vedado em qualquer ordenamento de país civilizado”, disse. “A prisão sem direto a segundo grau de recurso (...), a meu ver causa a maior espécie e estranheza `aqueles afeitos à defesa dos direitos fundamentais do cidadão”, afirmou Lewandowski.
Para o ministro Celso de Mello, os fatos investigados pela Lava Jato revelam a existência de uma organização criminosa que tentou “capturar o Estado” desde o escândalo do mensalão, caso de corrupção no qual Dirceu também foi condenado.
“Nada mais constituem senão episódios criminosos que, anteriores, contemporâneos ou posteriores ao mensalão, compõem um vasto e ousado painel revelador do assalto e da tentativa de captura do Estado por uma organização criminosa identificável por elementos que são comuns tanto no denominado petrolão quanto no mensalão”, afirmou o ministro.
MPF fez nova denúncia contra Dirceu
Também nesta terça-feira, os procuradores do MPF (Ministério Público Federal) da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba apresentaram uma nova denúncia contra Dirceu. O ex-ministro foi acusado de ter recebido propina de empresas investigadas na Lava Jato entre 2009 e 2014, período que compreende sua condenação no mensalão e o início das investigações da Lava Jato.
Os procuradores afirmaram que a apresentação da denúncia foi antecipada com o objetivo de influenciar o STF pela manutenção da prisão de Dirceu. "Evidentemente, esta acusação já estava sendo amadurecida. É uma acusação que estava para ser oferecida e, em razão da análise de um habeas corpus, teve uma precipitação no objetivo de oferecer novos fatos ao STF", afirmou o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa no MPF.
O ministro do STF Gilmar Mendes, integrante da 2ª Turma, ironizou a pretensão dos procuradores da Lava Jato e afirmou que a suposta influência sobre o STF equivaleria ao “rabo abanando o cachorro”, disse Mendes.
Preso provisório desde 2015
Dirceu está preso preventivamente em Curitiba desde agosto de 2015. A prisão preventiva é um dos tipos da prisão provisória, e costuma ser decretada com o objetivo de evitar que os réus voltem a cometer crimes ou prejudiquem o andamento do processo.
Hoje, a regra adotada pelo STF é a de que os réus só começam a cumprir a pena de prisão após a condenação ser confirmada em 2ª instância, por um tribunal, o que ainda não aconteceu no caso de Dirceu.
Em maio de 2016, o petista foi condenado pelo juiz federal Sérgio Moro, que conduz a Operação Lava Jato na primeira instância, a 23 anos de prisão por crimes como corrupção passiva, lavagem de dinheiro e participação de organização criminosa.
Neste caso, ele foi condenado por ter recebido propina paga pela construtora Engevix relativa a contratos com a Petrobras. Em março deste ano, ele foi novamente condenado, desta vez a 11 anos de prisão, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Neste processo, Dirceu foi apontado como destinatário de dinheiro de propina paga pela empresa Apolo Tubulars para que ela fosse contratada pela Petrobras. Dirceu alega inocência nos dois casos.
STF já libertou presos da Lava Jato
Na semana passada, três investigados na Lava Jato ou em operações derivadas, que estavam presos preventivamente foram libertados. Na última terça-feira (25), a 2ª Turma do STF determinou a soltura do ex-tesoureiro do PP João Carlos Genu e do pecuarista José Carlos Bumlai.
Genu e Bumlai foram liberados depois que três dos cinco ministros da 2ª Turma votaram pela procedência dos habeas corpus impetrados por suas defesas. O relator dos recursos e da Operação Lava Jato no STF, Edson Fachin, votou contra a concessão dos habeas corpus nos dois casos.
Também o ministro do STF Gilmar Mendes concedeu um habeas corpus em favor do empresário Eike Batista, preso em janeiro deste ano durante a Operação Eficiência (desdobramento da Lava Jato), no Rio de Janeiro.
Em sua decisão, Mendes argumentou que o fato de Eike ser investigado por crimes graves (corrupção ativa e lavagem de dinheiro), por si só, não poderia servir de “fundamento único” para a manutenção da prisão preventiva do empresário.
O que é a prisão preventiva
Advogados de defesa de investigados na Lava Jato têm afirmado que as prisões preventivas de alguns de seus clientes têm extrapolado o tempo considerado razoável. Por lei, no entanto, a prisão preventiva não tem um limite temporal.
A prisão preventiva pode ser decretada antes da condenação definitiva do suspeito, tanto na fase de investigação quanto durante o processo penal, quando o réu já foi denunciado.
O Código de Processo Penal prevê três situações em que a prisão preventiva pode ser decretada: para a garantia da ordem pública e da ordem econômica (impedir que o réu continue praticando crimes), para a conveniência da instrução criminal (evitar que o réu atrapalhe o andamento do processo, ameaçando testemunhas ou destruindo provas), e para assegurar a aplicação da lei penal (impossibilitar a fuga do réu, garantindo que a pena imposta pela sentença seja cumprida).
Apesar de ser permitida a prisão preventiva, a regra geral no Direito é de que o réu só começa a cumprir pena após ser condenado e depois de ter o processo julgado em definitivo, ou seja, quando não cabem mais recursos.
Mas, em julgamentos recentes, o STF entendeu que o cumprimento da pena já deveria começar após a condenação ser confirmada em 2ª instância, isto é, se um tribunal confirmasse a primeira decisão do juiz que condenou o réu.
Assim, apesar de o réu continuar podendo recorrer ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) e ao STF, ele já começa a cumprir a pena de prisão logo após ser condenado por um tribunal de 2ª instância.
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