Políticos querem fundo de R$ 3,5 bi para baratear eleição de 2018. De onde vai sair?
Com o fim do recesso na semana que vem, a Comissão Especial de Reforma Política da Câmara deverá retomar as discussões sobre a implementação de mudanças no sistema eleitoral brasileiro. Além de alterações no formato de votação, a grande novidade a ser colocada em discussão é a criação do FFD (Fundo Especial para o Financiamento da Democracia). Se aprovado pelo Congresso, o fundo, proposto por meio de uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) e de um projeto de lei ordinária, financiará as campanhas eleitorais já a partir do ano que vem.
A proposta do relator, Vicente Cândido (PT-SP), é que o valor do FFD seja vinculado à receita corrente líquida da União -- que é a soma do que o governo arrecada com impostos e outras fontes de renda menos os valores que são transferidos para Estados e municípios.
Para 2018, o fundo corresponderia a 0,5% da receita corrente líquida apurada no período de 12 meses encerrado em junho de 2017. O volume exato de recursos só será conhecido depois de divulgada pelo Tesouro Nacional a receita de maio e junho deste ano. Cândido, porém, estima que o total ficará em cerca de R$ 760 bilhões, o que geraria aproximadamente R$ 3,5 bilhões para o fundo.
Se o fundo for aprovado e as estimativas se confirmarem, o volume de recursos destinados ao financiamento público de campanha pode superar, por exemplo, o orçamento total previsto para o Ministério da Ciência e Tecnologia e Comunicações para este ano, de R$ 3,2 bilhões.
Mas diante do contingenciamento de gastos públicos, de onde sairiam os mais de R$ 3 bilhões para custear as campanhas? Vicente Cândido responde: “De onde a União vai tirar? Ela vai tirar do bolo geral, dos R$ 800 bilhões que arrecada. Estamos apenas vinculando a despesa [das campanhas] à Constituição Federal”.
Ele confirma, entretanto, que será necessária uma adequação no Orçamento, mas que “o sistema brasileiro comporta isso”. “Vamos ter que calcular o que é mais caro para o país: gastar R$ 3 bilhões com campanha eleitoral ou se afundar numa crise como a da Lava Jato, com dinheiro privado. Não estou dizendo que com dinheiro público você está imune a crise, mas nós estamos fazendo um regramento à luz do dia, com debate público, olhando as experiências pelo mundo a fora para evitar novos desvios e escândalos”, justifica.
O argumento da transparência e da possibilidade de combater a corrupção foi defendido por especialistas ouvidos pelo UOL.
“Se livrar da corrupção é impossível, mas o financiamento público das campanhas eleitorais tende a ser melhor fiscalizado e ser mais combativo. Ele vai funcionar como uma medida de prevenção à corrupção”, analisou Marcus Ianoni, professor do departamento de ciência política da UFF (Universidade Federal Fluminense). Para ele, o FFD não livraria as campanhas eleitorais da corrupção, mas melhoraria os mecanismos de fiscalização.
Para o professor de ciência política da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) Bruno Reis, se tornou “inevitável” criar um fundo público exclusivo para o financiamento das campanhas.
“Além da proibição das doações de pessoas jurídicas, também se passou a admitir [essas doações] como prova em investigação sobre corrupção. Se toda a arrecadação privada pode se tornar objeto de processo criminal, quem vai doar sabendo que corre o risco de ser processado?”, afirma Reis.
Ele mesmo responde dizendo que “talvez só quem já é investigado por homicídio não se importaria em responder por corrupção”, rememorando a polêmica levantada nas eleições do ano passado sobre a participação do crime organizado nos financiamentos das campanhas.
Sem dinheiro de empresas
A última eleição majoritária, ocorrida em 2014, custou R$ 6 bilhões --em valores atualizados – aos cofres dos partidos políticos e se tornou a mais cara da história da democracia brasileira. Naquela época, ainda era permitido que empresas doassem para as campanhas eleitorais: 70% do dinheiro arrecadado por partidos e candidatos veio de doações feitas por pessoas jurídicas.
Baratear as corridas eleitorais é outro argumento de Vicente Cândido. “A campanha de 2014 foi mais exagerada do que se possa imaginar. Nós chegamos no pico de exagero e da crise, que ajuda a explorar, a ampliar, a Lava Jato. Nós estamos em outro momento, mesmo sendo um modelo muito parecido com o de 2014, não cabe mais uma campanha que gaste R$ 400 milhões, R$ 500 milhões [para 2018]”, ressalta o deputado. “Com regramento, pensando na isonomia e transparência, ela certamente ficará mais barata. E calculando, isso seria por volta da metade da campanha de 2014”, previu.
Entre as empresas que doaram para a campanha presidencial de 2014, estavam empreiteiras investigadas na Operação Lava Jato da Polícia Federal, que doaram quase R$ 98,8 milhões aos dois candidatos à Presidência que chegaram ao segundo turno das eleições, segundo a prestação de contas final divulgada pelo TSE em 2014.
Reeleita, Dilma Rousseff (PT) foi a que mais recebeu dinheiro das oito construtoras sob investigação: Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Engevix, Galvão Engenharia, OAS, Odebrecht e Queiroz Galvão. O total chegou a R$ 64.636.179,25. As maiores doações foram da Andrade Gutierrez --R$ 21 milhões-- e da OAS, que doou R$ 20 milhões.
Já Aécio Neves (PSDB) recebeu pouco mais da metade de seis construtoras: Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, OAS, Odebrecht e Queiroz Galvão. Somadas as doações, foram doados ao candidato R$ 34.170.000. A Andrade Gutierrez foi também a campeã de doações ao tucano, repassando R$ 19 milhões.
“O prejuízo da corrupção é muito maior do que os R$ 3,5 bilhões do Orçamento da União que será destinado ao fundo. Além disso, com o fundo, vai ter um montante definido e com isso ficará mais fácil para a mídia, para a sociedade, acompanhar o uso desse recurso dentro das campanhas”, acredita Vicente Cândido, que também propõe estipular um teto de R$ 150 milhões para cada candidato gastar na corrida presidencial.
Em 2015, o STF (Supremo Tribunal Federal) proibiu doações feitas por pessoas jurídicas e, desde então, além dos valores do Fundo Partidário – que este ano destinará R$ 820 milhões aos partidos -- os candidatos só podem arrecadar doações de pessoas físicas – restritas a 10% da receita declarada no ano anterior às eleições – e recursos próprios, para custear as campanhas. Esses dois últimos canais de financiamento também estão em discussão.
O reflexo da proibição de doações de empresas já foi sentido nas eleições municipais de 2016, que custaram R$ 3,5 bilhões – em 2012, foram consumidos R$ 4,6 bilhões em valores atualizados.
A proposta de Vicente Cândido também quer proibir postulantes a cargos majoritários a usarem o próprio dinheiro para financiar suas campanhas. Além disso, pessoas físicas não vão poder doar, no total, mais de R$ 10 mil para cada posto da disputa.
Fundo não basta
Se o FFD for aprovado, os partidos teriam recursos públicos para as campanhas a partir de 1º de agosto do próximo ano. O texto da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) para 2018, aprovado em julho, já prevê o uso desses recursos públicos.
A proposta do relator prevê, contudo, que a parcela de 0,5% atrelada à receita seja reduzida pela metade nas eleições municipais de 2020. “Esse projeto de lei ordinária, entre outros temas, regulamenta o fundo para 2018. Não entra nele a regulamentação do fundo a partir de 2018 porque teremos outro tipo de eleição, se aprovado o modelo distrital misto que estamos propondo a partir de 2020”, disse Cândido.
O professor Marcus Ianoni reforça que o financiamento de campanhas eleitorais “sai mais barato do que a não existência dele”. Mas que o barateamento só vai acontecer se for atrelado a um novo modelo de sistema eleitoral.
“Fica tecnicamente impossível [custear as campanhas] com o modelo de lista aberta que existe atualmente. O número de candidatos é muito grande, como vai distribuir os recursos para todo mundo?”, questiona ele.
O relator da proposta afirmou em um artigo publicado hoje na Folha de S.Paulo existir o risco de que a reforma política fique restrita apenas ao financiamento. "A intenção inicial, apresentada em outubro do ano passado, de promover uma profunda reforma do Estado está agora em vias de ser limitada ao mero cálculo de quanto cada partido irá dispor para custear suas campanhas em 2018", diz.
Ele acrescenta que aprovar um fundo eleitoral sem mudar o sistema "não resolverá o problema". "É fundamental repensar o cerne da questão: a quem representamos? Se é verdade que somos representantes do povo brasileiro, não podemos nos furtar em fazer as alterações necessárias para colocar fim ao atual ciclo de descalabro", afirma.
O professor Bruno Reis acredita, que o dinheiro público não deve ser a única fonte de financiamento e que a lei deve trazer no seu texto que a fonte dos recursos precisa ser pulverizada. “Deve haver um colchão de recursos públicos, mas não deve ser exclusivamente público, porque ao tentar tirar do jogo os empreiteiros, também se tira arrecadação por militância, se tira também a tia do candidato que quer doar. Além disso, só financiamento público dá vantagem inevitável para quem já está estabelecido politicamente”, diz.
Segundo Ianoni, com o modelo distrital misto e de lista preordenada proposto por Vicente Cândido, o foco das campanhas se deslocaria do personalismo das campanhas para os partidos e, consequentemente, também deslocaria os gastos.
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