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Fundo que cobriu calote com R$ 1 bi do seguro-desemprego é fiador de R$ 64 bi em empréstimos

Contêineres à espera de embarque no porto de Santos: governo federal é fiador de empréstimos para que outros países comprem bens e produtos brasileiros Imagem: Shutterstock

Aiuri Rebello

Do UOL, em São Paulo

06/05/2018 04h00Atualizada em 06/05/2018 19h35

O FGE (Fundo Garantidor de Exportações) precisou, na semana passada, de um aporte de R$ 1,16 bilhão de recursos do Orçamento da União originalmente alocados para o seguro-desemprego para cobrir calotes em empréstimos tomados pela Venezuela e por Moçambique junto a bancos brasileiros. Mas sua responsabilidade não se restringe a esse valor. Atualmente, o fundo é fiador de um total de US$ 18,1 bilhões (ou R$ 63,8 bilhões no câmbio do dia 4) em créditos a exportações brasileiras concedidos ao redor do mundo.

Neste domingo (6), o presidente Michel Temer (MDB) sancionou o projeto de lei que remaneja recursos orçamentários para cobrir os calotes citados acima. O remanejamento será feito após o cancelamento na previsão de gastos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) com o seguro-desemprego, no mesmo valor do aporte.

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De acordo com o Ministério da Fazenda, essa exposição financeira é referente a todo o apoio do governo para as exportações brasileiras, em suas diversas modalidades, e leva em conta as ofertas de seguro e as garantias efetivamente contratadas. Os dados foram obtidos com exclusividade pelo UOL.

O FGE funciona como uma espécie de seguro do governo federal e serve como garantia de empréstimos, principalmente a outros países, concedidos pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e outros bancos privados para fomentar as exportações brasileiras. Foi muito usado nos governos do PT para fomentar a política das empresas chamadas "campeãs nacionais".

Em março, o UOL revelou que a Venezuela havia dado calote em uma parcela de cerca de US$ 274 milhões (R$ 965 milhões) vencida em janeiro, referente a empréstimos tomados pelo país junto ao BNDES e ao CreditSuisse para contratar obras da Odebrecht. O atraso somou-se a parcelas de empréstimos tomados por Moçambique, que não pagava suas obrigações com o Brasil desde o fim do ano passado, e assim o FGE, que garantia os dois empréstimos, foi acionado para cobrir o prejuízo.

Só que o FGE estava sem dinheiro em caixa. Apesar de BNDES e Ministério da Fazenda afirmarem que o fundo é superavitário e possui um saldo positivo de cerca de R$ 4,5 bilhões em suas operações, no orçamento de 2018 havia apenas R$ 124,3 milhões separados para cobrir eventuais calotes.

A justificativa para o superavit é que, desde quando foi criado, em 1997, o fundo arrecadou US$ 1,3 bilhão em prêmios e desembolsou apenas US$ 58 milhões em indenizações, dos quais US$ 18 milhões foram recuperados. Mas o dinheiro não estava à disposição.

Como se trata de um fundo contábil e orçamentário, o governo federal pode legalmente usar os recursos do FGE para outros fins. O valor que vai ser liberado para o fundo deve ser definido ano a ano, dentro do orçamento da União.

Com um deficit de R$ 157 bilhões no orçamento de 2018 e pouco mais de 10% do valor necessário em caixa para cobrir os seguros dos calotes, o jeito do governo federal foi "puxar" recursos do seguro-desemprego para cobrir o buraco. Apesar da manobra fiscal, o governo nega que o caixa do FGE para 2018 tenha sido mal dimensionado.

"O órgão responsável pela elaboração do orçamento é o Ministério do Planejamento, que conta com corpo técnico de excelência apto a tomar decisões com base na melhor informação disponível", afirma a Fazenda em nota enviada pela assessoria de imprensa ao UOL. A pasta reitera que quitará todas as suas obrigações, apesar da restrição de recursos disponíveis. "Sempre que for necessário, o governo envidará os esforços necessários para cumprir com as garantias previamente emitidas."

Embraer e empreiteiras são maiores beneficiadas por BNDES

Caça subsônico AMX, da Embraer: empresa é a principal beneficiada pelos mecanismos de apoio à exportação do Brasil Imagem: Divulgação/Embraer

Em 27 anos, apenas o BNDES emprestou no exterior, para fomentar exportações de bens de capital, aviões e serviços de engenharia produzidos no Brasil, US$ 37 bilhões (R$ 130 bilhões) em mais de 40 países.

Destes, US$ 20 bilhões (R$ 70 bilhões) foram garantidos pelo governo brasileiro, lastreados no FGE. O valor é o que foi efetivamente desembolsado pelo banco --não o que foi contratado, que é um valor maior-- e não inclui os recursos emprestados por bancos privados também fiados no mecanismo de seguro do governo federal.

A maior beneficiada foi a Embraer, que teve até hoje financiamentos do BNDES no valor total de US$ 20,5 bilhões (R$ 72 bilhões) para a compra de aeronaves por entes estrangeiros (como governos, Forças Armadas ou empresas aéreas).

Em segundo lugar, aparecem as grandes empreiteiras nacionais, que tiveram R$ 10,5 bilhões em serviços de engenharia no exterior pagos com empréstimos do BNDES a outros países nos últimos 17 anos (desde que essa linha de crédito específica existe), segundo o banco de fomento. Destes recursos, 99% foram concentrados nas cinco grandes empreiteiras envolvidas na Operação Lava Jato: Odebrecht, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, OAS e Queiroz Galvão.

Atualmente, dos recursos emprestados no exterior para contratação das empreiteiras brasileiras, cerca de US$ 4 bilhões ainda estão em aberto, escorados no FGE. Outros cerca de US$ 2 bilhões são juros das operações, dos quais cerca de US$ 750 milhões já estão pagos. Outros US$ 6 bilhões financiaram a exportação de bens de capital, como máquinas agrícolas e veículos. 

Empreiteiras geraram ao menos 350 mil empregos, diz BNDES

Obras de empreiteiras no exterior geraram 350 mil empregos no Brasil, diz BNDES Imagem: iStock

Para o BNDES, o empréstimo a outros países para comprar produtos e serviços brasileiros vale a pena. "Essas operações são altamente rentáveis para o BNDES, do ponto de vista do acionista do banco, que é a União", afirma Leonardo Pereira, superintendente de Comércio Exterior do BNDES em entrevista ao UOL.

Ele afirma que dos US$ 37 bilhões desembolsados pelo banco até hoje para entes estrangeiros, US$ 36,7 bilhões já foram recuperados pelo banco, entre juros e o principal da dívida. O saldo a receber é de US$ 10,3 bilhões.

"O resultado financeiro, no entanto, não é o principal benefício deste fomento", afirma Pereira. "Por trás do serviço ou produto exportado, tem toda uma cadeia de produção de fornecimento e produção. Em uma hidrelétrica, por exemplo, além da construção, engenheiros e projetos em si, você precisa de inúmeros equipamentos como geradores, transformadores, fios, suportes, computadores... Tudo isso não é a empreiteira contratada no exterior que produz. São outras empresas nacionais que produzem isso tudo e fornecem para as empresas que estão exportando o serviço", diz Pereira.

Ele diz que, quando o BNDES financia uma exportação dessa forma, obriga que todos os produtos e soluções sejam fornecidos por empresas brasileiras.

Segundo o executivo, apenas os serviços de engenharia prestados pelas empreiteiras no exterior geraram entre 350 mil e 450 mil empregos no Brasil, em 4.044 empresas de diversos setores. "Deste total, 70% empresas de pequeno e médio porte, é um resultado muito importante", diz o superintendente. 

"Além de gerar a entrada de dólares no mesmo valor que estamos financiando mais juros, gera também empregos de médio e alto valor agregado. Esse é o resultado dessa compilação inédita que devemos divulgar em breve", afirma.

Para Sérgio Lazzarini, professor de estratégia do Insper, a questão é mais complicada que isso. "Dizer que criou quase meio milhão de empregos é muito bom, mas o que eles [o BNDES] deveriam explicar é se valeu a pena: quantos empregos desses teriam sido criados se todo esse dinheiro tivesse sido investido no Brasil em vez de ser emprestado a outros países? Para isso ainda não há resposta."

Mais de 90 países têm mecanismo de apoio à exportação

O MSC Zoe, maior navio de contêineres do mundo, no porto de Hamburgo (Alemanha): maioria dos países possui um "BNDES" para fomentar exportações Imagem: Markus Scholz/EPA/EFE

Tanto o BNDES como o Ministério da Fazenda ressaltam que os incentivos à exportação, da forma feita aqui, não são invenção brasileira. Mais de 90 países contam com agências ou bancos de crédito à exportação no mundo, incluindo Estados Unidos e China, e são vinculados a governos que garantem os empréstimos.

"Empresas que exportam tendem a ser mais produtivas, a pagar maiores salários e serem mais inovadoras. É normal que haja indenizações em fundos garantidores. O importante para o programa é que o conjunto das operações seja superavitário. Os prêmios do FGE foram pagos pelos garantidos --não pelo contribuinte brasileiro-- e têm sido suficientes para cobrir as despesas", afirmou o Ministério da Fazenda, por meio de sua assessoria de imprensa.

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