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RJ: nomear fantasmas com filhos garantia receita maior a deputados, diz MPF

Plenário da Alerj - FÁBIO MOTTA/ESTADÃO CONTEÚDO
Plenário da Alerj Imagem: FÁBIO MOTTA/ESTADÃO CONTEÚDO

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

14/12/2018 18h38

A nomeação de funcionários fantasmas na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro) seguia um padrão, segundo mostram as investigações da Operação Furna da Onça, que resultou nesta sexta-feira (14) em 29 denunciados à Justiça --entre eles, dez deputados-- por corrupção e organização criminosa. De acordo com o procurador da República Carlos Aguiar, os deputados investigados preferiam pessoas com filhos porque isso garantiria uma "receita maior", uma vez que elas teriam benefícios como auxílio-educação e auxílio-creche.

A existência de cargos em comissão ocupados por pessoas que sequer compareciam ao Parlamento é uma das constatações da Furna da Onça, que revelou ainda a existência de um "mensalinho" na Casa e um esquema de loteamento de cargos públicos durante a gestão do ex-governador Sérgio Cabral (MDB) e de seu sucessor, Luiz Fernando Pezão (MDB). Entre os 29 denunciados, estão Cabral, dez deputados e outros 18 envolvidos.

"Funcionário fantasma nós, de fato, identificamos que há. Tanto que, por exemplo, há uma gravação de uma pessoa [funcionário de um dos gabinetes] que liga para um assessor parlamentar a fim de perguntar qual era o vínculo que ele teria na Alerj: se era concursado, comissionado...", afirmou Carlos Aguiar. O procurador ressaltou que o ângulo da investigação se restringe aos dez deputados denunciados à Justiça, mas que há indícios de que a prática é comum.

"Não posso dizer que todos faziam isso, mas posso dizer que muitos faziam. A corrupção era apartidária. A oportunidade é que fazia com que essas nomeações promíscuas fossem recorrentes", comentou. "Eles [deputados] tinham preferência, por exemplo, por pessoas com filhos porque isso renderia uma receita maior."

De acordo com Aguiar, houve um impulsionamento na criação de cargos em comissão durante o período investigado de forma que, "se todos fossem trabalhar no mesmo dia, não teria espaço para todo mundo" em alguns gabinetes. "Mas é bem verdade que a maioria ali só tinha contrato de fachada e não prestava serviço algum."

A Operação Furna da Onça, realizada no início do mês passado, ganhou destaque com a revelação de um relatório feito pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), que mapeou transações financeiras atípicas a partir da análise dos registros da única agência bancária em funcionamento dentro da Alerj. É este documento que mostra um ex-assessor de Flávio Bolsonaro, senador eleito pelo PSL e filho de Jair Bolsonaro (PSL), movimentou de forma suspeita cerca de R$ 1,2 milhão em um ano.

Questionado sobre a situação de Flávio, Aguiar declarou apenas que as investigações foram remetidas para o Ministério Público estadual --já que não se referem a verbas federais-- e que "carecem de um aprofundamento". "Nos debruçamos apenas nos dez deputados que eram os alvos da nossa investigação", declarou. "Mas é claro que há situações atípicas que precisam ser investigadas".

Segundo as investigações, a engrenagem da corrupção na Alerj começava no posto mais alto do Executivo: o governador garantia vantagens ilícitas ao grupo de parlamentares, que, por sua vez, atuavam em favor do governo na rotina do Parlamento. A contrapartida consistia em pagamento de propina (em dinheiro vivo) e loteamento de cargos públicos.

Foi dessa forma, por exemplo, que os governos Cabral e Pezão conseguiram a aprovação anual de contas no plenário da Alerj. Os deputados suspeitos de corrupção também agiram para blindar a instalação de uma CPI que investigaria irregularidades no setor de transporte. Segundo a Furna da Onça, o esquema, no total, teria movimentado cerca de R$ 75 milhões entre 2007 e 2014.

Cabral e Pezão estão presos, sendo que o ex-governador --detido desde o fim de 2016-- responde a dezenas de ações penais e já acumula 197 anos em condenações. Pezão está preso desde 29 de novembro, não tendo sido denunciado.

Os investigadores concluíram que verbas federais e estaduais, acumuladas de vantagens indevidas pagas por empreiteiras e empresas de ônibus, formaram um caixa único que Cabral e seus operadores usaram para viabilizar diversos interesses da organização criminosa dentro do Legislativo fluminense.

A denúncia da Operação Furna da Onça cita transações que atestam as propinas pagas a cada parlamentar, incluindo "prêmios" dados por Cabral como doação não contabilizada para campanhas eleitorais em 2014.

Além dos deputados e do ex-governador, foram denunciados ex-secretários de estado, assessores na Alerj e membros do Detran-RJ (Departamento de Trânsito do Rio de Janeiro). Jorge Picciani e Paulo Melo, que foram presidentes da Assembleia, seriam líderes do esquema juntamente com Cabral, segundo as investigações.

A defesa de Sérgio Cabral tem refutado as acusações de que ele liderou um esquema de corrupção em seu governo. Nesta sexta, o UOL não conseguiu contato com o advogado dele, Rodrigo Roca. As defesas de Picciani e Melo não foram localizadas.