Após "suicídio profissional", diretor bolsonarista nega revanche ideológica
Resumo da notícia
- Conhecido no meio teatral, Roberto Alvim foi criticado ao apoiar Bolsonaro
- Diretor ocupa cargo na Funarte, órgão do governo para o fomento de projetos
- Alvim nega que vá selecionar iniciativas apenas pela orientação ideológica
O diretor de teatro Roberto Alvim passa por uma transformação. Sucesso de crítica e colecionador de prêmios durante as últimas duas décadas, o encenador surpreendeu amigos e admiradores ao passar por uma conversão religiosa e ideológica.
A nova postura causou o repúdio de boa parte da classe artística, mas também levou o presidente Jair Bolsonaro a convidá-lo para ocupar um cargo na Funarte - fundação do governo federal que promove o apoio à produção artística.
Alvim diz que, depois de assumir o apoio a Bolsonaro, passou a ser boicotado e atacado por colegas. Em uma entrevista recente à Folha de S.Paulo, chegou a dizer que a decisão de revelar sua nova posição política representou uma espécie de "suicídio profissional", por conta dos prejuízos que trouxe à sua carreira.
No último dia 25, Alvim finalmente assumiu o cargo de diretor do Centro de Artes Cênicas da Funarte. O anúncio da nomeação, em junho, foi mal recebido por artistas preocupados com declarações em que o diretor de teatro convidava conservadores para "criar uma máquina de guerra cultural".
Agora na nova função, Alvim diz que a convocação a artistas conservadores teve o objetivo de criar uma rede de contatos, sem relação com a sua atuação na Funarte. E nega ter planos de partir para uma revanche ideológica contra quem critica sua posição política.
Se o que eu critico na esquerda é a redução do conceito de obra de arte a um veículo de propaganda ideológica, eu não vou reduzi-la também para fazer propaganda de uma outra ideologia, de direita. Eu jamais faria isso.
"Se algum artista chegar pra mim e falar que quer montar o 'Hamlet', do Shakespeare, ou 'As Troianas', do Eurípides, eu jamais perguntarei pra esse artista qual é a credencial ideológica dele", acrescenta.
De ateu a cristão devoto, de homem de esquerda a bolsonarista
A mudança na vida de Alvim começou a acontecer no final de 2016. Com problemas de saúde decorrentes de um tumor no intestino e do uso abusivo de álcool e drogas, o diretor de teatro diz que convivia com dores fortes e pensamentos de suicídio.
Foi quando, segundo o depoimento de Alvim, uma oração feita pela babá do filho despertou nele um sentimento religioso. "Eu senti uma energia, levantei da cama e nunca mais senti dor nenhuma. O tumor praticamente desapareceu e eu não tive mais nenhum sintoma", afirma.
O diretor teatral, que se considerava ateu, passou então a frequentar a Igreja Católica, a estudar teologia e a tentar controlar a dependência química por meio de terapia e indo a reuniões do grupo Narcóticos Anônimos. "Estou limpo há mais de um ano."
Em seu caminho de conversão religiosa, Alvim optou por seguir os ensinamentos do padre Paulo Ricardo - reverenciado por grupos de direita e admirador de Bolsonaro - e, como consequência, também viveu uma transformação ideológica: de homem identificado com a esquerda virou conservador, de direita e bolsonarista.
Eu me alinho integralmente a todas as declarações dadas pelo presidente em relação a grupos LGBT, feministas, coletivos racialistas e à restituição da verdade sobre o período do regime militar no Brasil.
Alvim acumula amizades rompidas e diz ter sofrido boicote
O artista, que era amigo de Chico Buarque e do filósofo Vladimir Safatle, que tinha como ídolos Caetano Veloso e José Celso Martinez Corrêa, desfez os laços com intelectuais progressistas e passou a ter o ideólogo do bolsonarismo Olavo de Carvalho como referência.
Apesar dos rompantes e bate-bocas que já marcavam a relação de Alvim com outros artistas antes mesmo da conversão religiosa e ideológica, o encenador vê no fim das amizades um exemplo da perseguição que a classe artística teria movido contra ele.
"Todos os meus amigos romperam comigo", afirma. O boicote que diz ter sofrido teria levado ao cancelamento de espetáculos e oficinas do Club Noir, grupo teatral que fundou com a mulher, a atriz Juliana Galdino. Por conta das dificuldades financeiras, o Club Noir fechou as portas em junho.
A transformação de Alvim provocou desconfiança. Na tentativa de entender o que teria acontecido, muitos duvidam da história de conversão e chegam a especular que o diretor teatral estaria sofrendo uma espécie de surto ou que tudo não passa de uma performance artística.
"Se isso acontecesse com outra pessoa, eu provavelmente também duvidaria", afirma Alvim. "É muito difícil você compreender uma relação direta com Deus se você não tem uma experiência vivencial disso."
Carreira de Alvim despontou após sucesso de crítica
Nascido no Rio, Roberto Alvim se formou na Casa das Artes de Laranjeiras e começou a trabalhar como diretor teatral aos 18 anos. No início dos anos 2000, dirigiu uma das salas do Teatro Carlos Gomes e, mais tarde, o Teatro Ziembinski.
Mas a carreira de Alvim ganhou impulso a partir de 2006, quando ele se mudou para São Paulo e deu início a uma parceria com a atriz Juliana Galdino, com quem é casado desde então. Juntos, os dois fundaram o Club Noir, que realizava espetáculos e oficinas teatrais por todo o país.
Em 2008, a montagem de "O Quarto", de Harold Pinter, garantiu à dupla o reconhecimento da crítica. O espetáculo ganhou o prêmio Bravo! no ano seguinte e Alvim passou a ser considerado um dos diretores mais talentosos de uma nova geração, que chegava para revigorar uma cena dominada pelos nomes de Antunes Filho, José Celso Martinez Corrêa e Gerald Thomas.
"O Quarto" foi a primeira peça daquilo que os críticos chamaram de "teatro da penumbra". "Era um teatro muito escuro, em que a fala humana era a protagonista. Um teatro muito imóvel, muito estático, em que os atores praticamente não se moviam", descreve o próprio Alvim.
"Havia uma radicalidade estética nos espetáculos e na dramaturgia dele, que provocava a cena brasileira e trazia novos ares", afirma Luiz Fernando Ramos, crítico teatral e chefe do Departamento de Artes Cênicas da USP.
"Era uma cena que estava muito carregada por uma perspectiva muito politizada, e ele justamente vinha com um teatro que se pretendia mais livre, que não estava preso em questões ideológicas."
Ramos, que chegou a ser próximo de Alvim, não esconde a decepção com a transformação do diretor teatral. Avalia que a mudança do encenador é resultado de uma tentativa de se tornar "o artista oficial do teatro de extrema direita" do governo Bolsonaro por não conseguir mais criar obras de impacto.
"É como se aquela estética tivesse se esgotado e tivesse começado a prevalecer o ressentimento por não estar mais conseguindo produzir coisas tão relevantes", afirma o professor da USP.
As críticas de Ramos são rebatidas por Alvim. O diretor teatral diz que a sua conversão religiosa e política aconteceu quando sua carreira estava no auge, após a montagem de "Leite Derramado", baseada no romance de Chico Buarque. E acrescenta que, agora na Funarte, terá a chance de produzir obras ainda melhores.
A reportagem do UOL conversou com três diferentes críticos teatrais para solicitar uma análise da obra de Alvim, mas todos preferiram não se manifestar.
Diretor planeja criar companhia e escola de âmbito nacional
À frente do Centro de Artes Cênicas da Funarte, Alvim revela uma agenda de projetos ambiciosos. Um dos planos citados por ele prevê a criação de uma companhia estável, o Teatro Brasileiro de Artes, subsidiada com recursos federais e ingressos gratuitos.
A ideia é estrear a primeira montagem, uma adaptação de "Os Demônios", de Dostoiévski, feita pelo próprio Alvim, em março do ano que vem.
O novo diretor da Funarte também diz que planeja criar uma escola de teatro de âmbito nacional, o Conservatório Brasileiro de Artes Cênicas, com bolsas de estudo para alunos de todo o país.
Por fim, Alvim promete uma revitalização da rede de teatros federais. "Esses projetos estão acordados com o secretário de Cultura, Henrique Medeiros, e com o ministro (da Cidadania) Osmar Terra", afirma o diretor teatral, que espera contar com o aval do governo para conseguir os recursos necessários para viabilizar seus planos.
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