Congresso livrou 6 parlamentares e cassou 2 acusados de homicídio
Luciana Amaral
Do UOL, em Brasília
29/08/2020 04h00Atualizada em 29/08/2020 12h51
A denúncia do Ministério Público contra a deputada federal Flordelis (PSD-RJ), sob a suspeita de que mandou matar o marido, Anderson do Carmo, é motivo de pedido de cassação de seu mandato — o caso, ainda sob avaliação, deve ser discutido na semana que vem na Câmara. No entanto, a história mostra que nem sempre deputados e senadores cassaram seus pares acusados de assassinato.
Além de Flordelis, o Congresso tem hoje o deputado Éder Mauro (PSD-PA), pré-candidato à Prefeitura de Belém, respondendo a uma denúncia por suspeita de homicídio — não há processo contra na Câmara.
Ao longo de sua história, o próprio Parlamento já foi palco de tiroteios, e um deles acabou resultando na morte de quem tentava apartar a briga. Ao menos seis congressistas acusados de homicídio ou de tentativa de homicídio se livraram de alguma punição dos colegas e dois deputados foram cassados: Hildebrando Pascoal, ex-coronel da Polícia Militar, conhecido por integrar grupo de extermínio que utilizava motosserra para cometer assassinatos no Acre na década de 1990, e Talvane Albuquerque, suplente acusado de mandar matar a deputada cuja vaga assumiria.
Casos recentes de parlamentares denunciados
Éder Mauro foi denunciado pelo Ministério Público do Pará com outras dez pessoas sob acusação de homicídio após a morte de um homem em operação conjunta da polícias Militar e Civil no município de Ananindeua (PA). Na época, o deputado era delegado da Polícia Civil e um dos responsáveis pela ação policial, que acabou na morte de um suspeito de tráfico.
O processo segue em andamento. Éder Mauro afirmou ao UOL que "todo policial que participa de operação em que não morre no tiroteio, e morre um bandido, é instaurado não só procedimento administrativo na corregedoria como também inquérito policial para saber se ação do policial ocorreu de forma correta ou não".
O deputado não teve procedimento relacionado à denúncia por homicídio instaurado no Conselho de Ética da Câmara.
Em 2013, o ex-deputado federal e ex-senador Júlio Campos (DEM-MT) foi denunciado pelo Ministério Público Federal sob a suspeita de ser o mandante dos assassinatos de dois homens que seriam seus "laranjas". Os crimes ocorreram no estado de São Paulo em 2004.
A denúncia foi oferecida quando Campos estava na Câmara dos Deputados. O MPF afirmou que a ordem para os homicídios partiu do político e foi motivada por disputa de terras com pedras valiosas. Campos nega envolvimento nas mortes. O processo sobre os homicídios foi declarado prescrito em fevereiro deste ano.
Tiros no restaurante
Em 2007, o então deputado federal Ronaldo Cunha Lima (PSDB-PB) renunciou ao mandato enquanto respondia por tentativa de homicídio contra o ex-governador da Paraíba, Tarcísio de Miranda Burity, ocorrida em 1993. A renúncia aconteceu dias antes de o STF (Supremo Tribunal Federal) julgar o caso e o processo voltou à Justiça comum.
Ronaldo atirou duas vezes no rival político à queima-roupa em um restaurante de João Pessoa. Burity sobreviveu à tentativa de assassinato e veio a falecer dez anos depois por falência múltipla de órgãos. Cunha Lima morreu em julho de 2012 sem nunca ter sido cassado no Congresso.
Grupo de extermínio com motossera
O ex-coronel da Polícia Militar Hildebrando Pascoal chegou à Câmara em 1999 e foi cassado no primeiro ano de mandato. Após denúncias contra o então deputado, o Congresso formou uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) chamada de CPI do Narcotráfico.
A CPI e o MP investigaram a existência de um grupo de extermínio no Acre, com a participação de policiais, e que seria comandado por Hildebrando. O grupo também era acusado de tráfico de drogas.
A principal acusação contra o então deputado durante a CPI era que ele teria sido mandante do assassinato, em 1997, de pessoas que testemunhariam contra ele.
Hildebrando foi cassado em 1999 por quebra de decoro parlamentar. A perda do mandato foi confirmada pela Câmara por 394 votos a favor e 41 contra. Na ocasião, houve 25 abstenções e 7 deputados votaram em branco.
Suplente mata deputada e é condenado a 103 anos
Talvane Albuquerque, na época do PTN-AL (atual Podemos), foi cassado em 7 de abril de 1999 depois de cumprir pouco mais de dois meses de mandato. Ele era acusado de ser o mandante da morte da deputada federal Ceci Cunha (PSDB-AL). Os dois eram da mesma coligação, e, com a morte da parlamentar, Talvane, como primeiro suplente, assumiria a vaga.
A Câmara cassou o mandato do deputado, que foi julgado em 2012 pela chamada "Chacina da Gruta" —além de Ceci, foram mortos a sogra, o marido e o cunhado da parlamentar. A pena foi de 103 anos, confirmada em novembro de 2019 pelo STJ.
Bangue-bangue no Congresso
Voltando mais no tempo, o Senado foi o próprio palco de crimes cometidos por parlamentares. Em 1963, o então senador Arnon de Mello, pai do ex-presidente da República e atual senador Fernando Collor de Mello (Pros-AL), atirou contra o colega Silvestre Péricles (PTB-AL), mas acertou no abdômen do senador José Kairala (PSD-AC), que tentava apartar a briga.
Kairala era suplente, estava em seu último dia de trabalho e morreu horas depois no hospital.
Tanto Arnon quanto Péricles estavam armados e tinham acirrada rixa política. Ambos foram presos, mas depois soltos e absolvidos. Morreram sem nunca terem sido julgados pelos demais senadores.
Quatro anos depois, o tiroteio foi na Câmara entre os deputados Nelson Carneiro (MDB-RJ) e Estácio Souto Maior (MDB-PE), pai do piloto Nelson Piquet. Eles tiveram uma discussão em que Souto Maior deu um tapa em Carneiro. Quando se cruzaram novamente pelos corredores, a briga culminou em disparos. Souto Maior se feriu, mas sobreviveu. Carneiro conseguiu se esconder. Ambos foram absolvidos.
Há registro ainda de bangue-bangue entre congressistas quando a capital do país ainda era no Rio de Janeiro. Em 1929, o então deputado Ildefonso Simões Lopes matou o rival Manoel Francisco de Sousa Filho após uma discussão, que envolveu até uma bengalada. Simões Lopes também foi absolvido.