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Ex-suplente é condenado a 103 anos de prisão por chacina que vitimou deputada federal em Alagoas

Talvane Albuquerque (esq) é um dos condenados pela morte da deputada federal Ceci Cunha (dir) - Arquivo pessoal
Talvane Albuquerque (esq) é um dos condenados pela morte da deputada federal Ceci Cunha (dir) Imagem: Arquivo pessoal

Carlos Madeiro

Do UOL, em Maceió

19/01/2012 05h52Atualizada em 19/01/2012 10h12

Depois de 13 anos de espera e três dias de julgamento, o júri popular decidiu, na madrugada desta quinta-feira (19), condenar o ex-deputado federal por Alagoas, Pedro Talvane Luiz Gama de Albuquerque Neto, 55, e os outros quatro acusados da “chacina da Gruta”, ocorrida no dia 16 de dezembro de 1998, em Maceió.

O crime vitimou a deputada federal Ceci Cunha e mais três pessoas que estavam com ela na varanda da casa de sua irmã, no bairro nobre da Gruta de Lourdes, em Maceió (AL).

A sentença só foi lida pelo juiz André Tobias Granja a partir das 5h05 (horário de Brasília) e levou mais 2h30 para sua conclusão. O ex-deputado, então filiado ao PTN e suplente de Ceci, foi condenado à prisão pela autoria intelectual dos quatro assassinatos, com agravante de se tratar de motivo torpe --para conquistar um mandato na Câmara-- e sem possibilidade de defesa para as vítimas. A pena estabelecida ao ex-parlamentar pela Justiça foi de 103 anos e quatro meses.


"A ação do condenado [Talvane Albuquerque] foi mais perniciosa que os demais acusados. Ele que organizou telefones e carro para fuga, o que mostra uma premeditação somente vista com quem tem o dolo. [O crime] revela a deficiência de valores éticos e sociais", afirmou o magistrado, em trecho da sentença.

Os quatro acusados de autoria material do crime também foram condenados pelo júri. Jadielson Barbosa da Silva e José Alexandre dos Santos, conhecido com “Zé Piaba”, pegaram penas de 105 anos cada um. Alécio César Alves foi condenado a 87 anos e três meses de prisão e Mendonça Medeiros da Silva teve a pena mais leve: 75 anos e sete meses.

Os quatro condenados, que são assessores do ex-deputado, foram condenados pela autoria material da chacina, com agravantes de se tratar de motivo torpe --em troca de recompensa-- e sem possibilidade de defesa para as vítimas.

 

Ao fim da sentença, ao contrário do que era esperado, o juiz decretou a prisão preventiva dos cinco condenados alegando o "clamor social" do caso e a necessidade da “garantia da ordem pública”. “A chacina e sua barbárie é por si só motivo que justifique a prisão dos acusados. É uma situação extraordinária, e por isso decreto a prisão dos condenados da chacina da Gruta”, afirmou. Com isso, mesmo que recorram da condenação, todos terão de aguardar um novo julgamento na prisão.

O julgamento

Durante três dias, acusação e defesa apresentaram muitos argumentos e travaram um debate marcado muitas vezes pela tensão. O primeiro e mais emocionante depoimento foi o da irmã de Ceci e única sobrevivente da chacina, Claudinete dos Santos Maranhão. Chorando em alguns momentos, ela relatou com detalhes os assassinatos e reconheceu Jadielson como o autor do disparo de espingarda que matou sua irmã. “Reconheci pela cor dos olhos, castanhos”, assegurou.

Autor da denúncia, o MPF (Ministério Público Federal) sustentou a tese de que o ex-deputado federal --que perdeu a eleição de outubro de 1998 e ficou na primeira suplência-- matou Ceci para ficar com o mandato.

Segundo o procurador Rodrigo Tenório, o plano inicial era assassinar o então deputado federal Augusto Farias, irmão do ex-tesoureiro Paulo César Farias. A acusação foi feita pelo policial militar José Farias de Melo, que prestou depoimento ainda na segunda-feira (16).

O militar reformado assegurou que a ideia inicial era simular um acidente de trânsito com Augusto Farias, mas que Talvane teria negado por acreditar que o deputado reeleito escaparia com vida da empreitada.

Entre as provas apresentadas ao júri, para comprovar o plano, estava uma ligação telefônica entre Albuquerque e Maurício Guedes, conhecido como “Chapéu de Couro”, já falecido e acusado de contratar os pistoleiros. O contato foi feito semanas antes do assassinato de Ceci.

No áudio, Talvane chama o pistoleiro “meu amigo” e diz que “estava doido para lhe ver.” “Já arrumei o litro de mel, o rapaz que o senhor pediu”, diz "Chapéu de Couro", perguntando “quantos” Talvane iria querer. “Acho que dois tá bom. Três, como é?”, retrucou Talvane ao telefone.

Para o MPF, o termo “litros de mel” era um código para disfarçar a palavra pistoleiro. A gravação foi apontada como a principal prova do envolvimento do deputado no crime, que teria contratado os serviços de "Chapéu de Couro".

Outra prova apresentada pelo MPF foram contas telefônicas com ligações feitas pelos acusados do assassinato durante a noite do crime para o telefone pessoal e escritório de Talvane em Brasília. O MPF também conseguiu o rastreamento dos locais das ligações, que coincidem com o trajeto por onde os pistoleiros teriam saído, passando pela casa onde Ceci Cunha estava e com a última ligação no local onde o veículo Uno, supostamente utilizado no crime, foi encontrado carbonizado no dia seguinte ao crime.

Defesa acusa ex-governador

Os cinco réus no processo optaram por passar pelo interrogatório e todos negaram a autoria do crime. Durante as falas dos acusados e advogados, o argumento era o de que o mandante do crime seria o ex-governador Manoel Gomes de Barros, e a execução teria sido realizada por policiais. A afirmação foi baseada em uma suposta dívida que Ceci teria com Barros, e a morte ocorrido por vingança.

"A história é que Ceci recebeu R$ 2 milhões para ser candidata a vice-governadora na chapa de Mano [apelido do ex-governador, que em outubro de 1998 foi derrotado na tentativa de reeleição], mas desistiu e nunca devolveu o dinheiro. Após isso, o governador ficou muito chateado. Várias pessoas presenciaram rupantes de raiva dele por conta disso. No primeiro encontro deles dois, em Brasília, quem presenciou diz que foi constrangedor”, afirmou Talvane Albuquerque durante seu interrogatório.

A acusação de que Ceci teria recebido dinheiro foi retrucada pela irmã da vítima, Cléa Cunha. "É uma acusação ridícula, que tenta manchar o nome da minha irmã. Ela não recebeu esse dinheiro e nós acreditamos na versão apontada pelo Ministério Público", disse.

Sobre a gravação apresentada pelo MPF, Talvane Albuquerque afirmou que não havia entendido as expressões usadas por "Chapéu de Couro" e estava tentado “tapear” o pistoleiro, com quem afirmou não ter relação pessoal. “Ele tinha me ligado sete vezes antes, e me ligou mais cinco depois e eu não mais o atendi. Isso mostra que eu não queria conversa com ele, e só atendi essa ligação porque foi um assessor meu que atendeu a ligação e me passou o telefone”, afirmou, citando ser vítima de uma trama que resultaria em sua indicação como autor do crime.

Também em sua defesa, os réus negaram a autoria da chacina. Jadielson, reconhecido pela irmã de Ceci, afirmou que a testemunha foi "irresponsável" ao apontar ele como autor do disparo que matou a deputada federal. 

Pelo menos dois dos acusados chegaram a usar depoimentos de testemunhas, afirmando que teriam sido vistos em praça pública em Arapiraca. Porém, os álibis foram contestados pelo MPF, que afirmou que processará os depoentes por falso testemunho.

O crime

Ceci Cunha foi assassinada na noite do dia 16 de dezembro de1998, instantes após ser diplomada para o segundo mandato de deputada federal. No momento em que foi baleada, Ceci estava com uma margarida nas mãos, sentada em cadeira na varanda da casa da irmã, no bairro da Gruta de Lourdes.

No momento em que os pistoleiros invadiram a casa, Claudinete -irmã de Ceci-- foi a única que conseguiu fugir e se escondeu embaixo de uma cama até a fuga dos atiradores. Os demais presentes à casa foram mortos na varanda, sem chance de reação.

Além de Ceci, as vítimas da chacina foram o marido de Ceci, Juvenal Cunha; o cunhado da deputada, Iran Carlos Maranhão; e a mãe de Iran, Ítala Maranhão.

Após o crime, Talvane ainda chegou a tomar posse na Câmara Federal, em fevereiro de 1999, mas foi cassado no dia 8 de abril por quebra de decoro parlamentar. No mesmo dia, ainda em Brasília, foi preso, mas respondeu o processo em liberdade. Atualmente, Albuquerque exerce a atividade de médico nas cidades de Canindé do São Francisco (SE) e Floresta (PE).