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Ditadura Militar: PGR afirma que validará acordo da Volks este mês

6.jul.2015 - Carros produzidos pela Volkswagen ficam estacionados no pátio da fábrica em São Bernardo do Campo, no ABC; investigação apontou que funcionários da fábrica foram denunciados pela empresa ao DOPS - Paulo Whitaker/Reuters
6.jul.2015 - Carros produzidos pela Volkswagen ficam estacionados no pátio da fábrica em São Bernardo do Campo, no ABC; investigação apontou que funcionários da fábrica foram denunciados pela empresa ao DOPS Imagem: Paulo Whitaker/Reuters

Marcelo Oliveira

Do UOL, em São Paulo

13/01/2021 04h00

Após uma mudança determinada pelo Procurador-Geral da República, Augusto Aras, nas regras de homologação (validação) de inquéritos civis arquivados após TACs (Termos de Ajustamento de Conduta), a PFDC (Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão — órgão que coordena a atuação do Ministério Público Federal em Direitos Humanos) anunciou que deve concluir a análise do TAC do caso Volks até 21 de janeiro (dia previsto para a primeira parcela do acordo).

Se confirmada pela PGR, a homologação do TAC firmado entre a Volks, o MPF, o MPT (Ministério Público do Trabalho) e o MP-SP (Ministério Pùblico de São Paulo) encerrará um inquérito civil conduzido pelas três instituições que investigou por cinco anos a colaboração da multinacional do ramo automobilístico com o regime militar (1964-1985).

Com a homologação do TAC, passarão a ser pagas as indenizações estabelecidas no acordo, assinado em 23 de setembro de 2020, que somam R$ 36,3 milhões. Termos de Ajustamento de Conduta são acordos extrajudiciais para evitar que ações civis públicas — que podem se arrastar na Justiça por anos — sejam ajuizadas. Geralmente, a parte investigada admite a culpa ou parte da culpa em troca do fim da investigação civil.

Volks denunciava empregados ao DOPS, acusam trabalhadores

A denúncia contra a empresa foi feita em setembro de 2015 pelo Fórum de Trabalhadores por Verdade, Justiça e Reparação, com base em informações colhidas pela Comissão Nacional da Verdade e pela Comissão Estadual da Verdade de São Paulo, que, em seus relatórios finais, indicaram que a empresa colaborou com a ditadura, que efetuou prisões ilegais e torturou empregados da empresa contrários ao regime.

De acordo com a denúncia, a empresa fornecia dados dos trabalhadores de suas fábricas ao Departamento de Ordem Política e Social. Uma dessas vítimas foi o metalúrgico Heinrich Plagge, falecido em 2018. Antes, ele revelou em depoimento que foi preso por agentes do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) na sala de um diretor da empresa, em agosto de 1972. De lá, foi levado para a delegacia e torturado por 30 dias. Levado ao presídio Tiradentes, foi libertado em dezembro daquele ano. No mesmo mês foi demitido.

Em dezembro de 2017, a Volks divulgou o relatório do pesquisador Christofer Kopper, da Universidade de Bielefeld (Alemanha), que reconheceu que houve cooperação dos funcionários de sua segurança interna com os militares e que ao menos sete pessoas foram vítimas dessa política. Meses antes, o relatório do MPF, de autoria da professor Guaracy Mingardi, concluiu que havia uma relação institucional entre a Volks e a Ditadura, inclusive com a presença de policiais na empresa.

Aras determina validação de TACs em Brasília

Uma semana após a assinatura do TAC, em 30 de setembro, o PGR Augusto Aras modificou as regras de homologação de arquivamentos de inquéritos civis encerrados em TACs e concentrou na PFDC essa função por meio da portaria 841/2020. Segundo fontes da PGR, o objetivo da medida não seria retardar a homologação, mas permitir a difusão de informações sobre esses acordos de forma nacional na instituição.

Até então, TACs conduzidos pelas PRDCs (Procuradorias Regionais dos Direitos do Cidadão) nos Estados eram homologados pelos NAOPs (Núcleos de Apoio Operacional à PFDC), localizados nas cinco procuradorias regionais do MPF no país. No caso do TAC da Volks, ele seria homologado pelo NAOP da Procuradoria Regional da República da 3ª Região, em São Paulo.

Mudança atrasou cronograma

Para fontes que estiveram envolvidas na assinatura do acordo em São Paulo, a mudança estabelecida por Aras de concentrar as homologações de TACs em Brasília atrasou o cronograma de pagamentos previstos. O documento está desde 5 de novembro sob análise da PFDC, comandada pelo subprocurador Carlos Vilhena.

O tom das reclamações subiu após o Conselho Superior do Ministério Público de São Paulo ter homologado o acordo, por unanimidade, no dia 3 de dezembro. Entretanto, conforme reza o TAC, a homologação pelo MP-SP não basta para o início do pagamento das parcelas do acordo.

Segundo o cronograma estabelecido no TAC para que o Volkswagen pague a primeira parcela do acordo — no valor de R$ 9 milhões — o documento deveria ter sido homologado pela PFDC em 7 de janeiro, pois a multinacional tem 10 dias úteis após a validação, de acordo com o documento, para pagar a primeira parcela do acordo na data estabelecida: 21 de janeiro.

Trecho do TAC que prevê pagamento da primeira parcela do acordo em 21 de janeiro e que determina 10 dias úteis entre a homologação e o primeiro pagamento pela Volks - Reprodução - Reprodução
Trecho do TAC que prevê pagamento da primeira parcela do acordo em 21 de janeiro e que determina 10 dias úteis entre a homologação e o primeiro pagamento pela Volks
Imagem: Reprodução

R$ 36 milhões para fundos, trabalhadores e para direito à memória e verdade

O acordo assinado entre os ministérios públicos e a Volks prevê o pagamento de R$ 36,3 milhões divididos em três eixos principais:

  • R$ 16,3 milhões à Associação Heinrich Plagge, constituída por ex-trabalhadores da Volks e será repartido entre os ex-funcionários que foram alvo de perseguições por suas orientações políticas (e seus sucessores), seguindo critérios definidos por um árbitro independente e sob a supervisão do MPT;
  • R$ 9 milhões divididos igualmente entre os fundos estadual e federal de defesa e reparação de direitos difusos;
  • R$ 10,5 milhões para políticas de Justiça de Transição, dos quais R$ 6 milhões ficarão para o Memorial da Luta por Justiça, desenvolvido pela OAB-SP e pelo Núcleo de Preservação da Memória Política (NPMP) e que funcionará no prédio onde era a Auditoria Militar de São Paulo, e R$ 4,5 milhões para a Unifesp, sendo R$ 2,5 milhões para a manutenção da equipe que tentam identificar restos mortais de desaparecidos sepultados na vala comum do cemitério de Perus.

A PFDC nega o atraso e afirma na nota que 21 de janeiro é o prazo da primeira prestação prevista no TAC. Segundo a nota, a instituição está analisando as mais de 1200 páginas do inquérito civil público e que entre os pontos sob revisão estão os mecanismos de controle que serão empregados visando o cumprimento das medidas acordadas.