STF forma maioria para derrubar decreto de Bolsonaro sobre fundo ambiental
O STF (Supremo Tribunal Federal) formou maioria nesta quarta-feira (27) para derrubar o decreto do presidente Jair Bolsonaro (PL) que esvaziou o conselho deliberativo do FNMA (Fundo Nacional do Meio Ambiente). Na mesma sessão, os ministros também chegaram à maioria para invalidar ato do governo federal que excluiu os governadores do conselho da Amazônia Legal.
O julgamento foi iniciado no início do mês dentro da chamada "Pauta Verde", pacote de processos que questionam omissões do governo na preservação do meio ambiente.
A ação foi movida pela Rede em fevereiro de 2020 e acusa o governo Bolsonaro de retirar representantes da sociedade civil do conselho do fundo ambiental. O decreto editado pelo Planalto fixou que o grupo passaria a ser composto somente por nomes escolhidos pelo próprio governo.
O conselho do FNDA é responsável por direcionar recursos para políticas públicas e projetos ambientais.
O julgamento foi retomado com o voto do ministro Edson Fachin. O magistrado relembrou que a Constituição veda mudanças que causem retrocessos em conquistas obtidas dos cidadãos.
"Tenho para mim que é inconstitucional qualquer retrocesso a esse desenho normativo constitucional vinculante. Não há nem tempo, em face das gerações futuras, e nem espaço normativo, em face da Constituição, para retrocesso", disse Fachin.
Na sequência, o ministro Luís Roberto Barroso afirmou que ambientalistas alertam para o aumento de eventos climáticos extremos, como a elevação do nível do mar consumir cidades costeiras, e criticou o avanço de propostas que buscam regularizar a ocupação de terras por grilagem.
"De tempos em tempos vem uma lei que permite a regularização das terras griladas e isso funciona como um incentivo à continuidade dessa prática", disse Barroso. "Não vou entrar na discussão política sobre a conveniência ou não de regularizar, mas se for para regularizar, deveria aprovar uma emenda constitucional para dizer que não pode mais. Porque do contrário, a cada 5, 10 anos, vai vir uma nova lei para regularizar a grilagem e, portanto, continua um ciclo vicioso de incentivo à ocupação ilegal de terras públicas na Amazônia".
Ao eliminar a participação da sociedade civil do conselho deliberativo do Fundo Nacional do Meio Ambiente, e ao implementar uma política pública que tem resultado em aumento da degradação ambiental -- isso é um fato objetivo, não é uma opinião -- a administração pública está interferindo com um direito fundamento à proteção ambiental e o direito de participação da sociedade num retrocesso em relação à situação previamente existente"
Roberto Barroso, ministro do STF
Os ministros Dias Toffoli, Rosa Weber e Gilmar Mendes também votaram para derrubar o decreto. O presidente do STF, Luiz Fux, afirmou que irá proferir um voto "denso" e, por isso, votará na abertura da sessão desta quinta-feira (28).
Atrito entre ministros
Na primeira sessão, realizada no último dia 7 de abril, o julgamento foi marcado por uma discussão entre Cármen Lúcia, a relatora das ações, e Nunes Marques indicado por Bolsonaro ao STF.
A troca de farpas ocorreu quando o julgamento contava com os 4 primeiros votos para suspender a medida. Primeira a votar, Cármen disse que a medida era "antidemocrática" por excluir os representantes da sociedade civil do órgão.
Nunes Marques, porém, divergiu. Segundo o ministro, como a lei não determina a participação popular no conselho do FNMA, a decisão do Supremo poderia tornar essa exigência obrigatória, trazendo reflexos no futuro.
"Repristinar um decreto que por opção política do passado previa a participação popular em um conselho é, na prática, impor essa participação direta como instrumento mínimo de democracia direta sem que haja essa exigência constitucional", disse.
Cármen pediu a palavra para discordar do colega. Relatora, a ministra falou que seu voto não abre nenhum precedente para impedir o presidente de mudar o conselho. "Isso não existe no meu voto e até onde pude compreender, dos outros 3 votos exarados, isso em nenhum momento foi cuidado", afirmou.
Essas situações são perigosas porque quando se expõe isso, se expõe quem votou até agora como se a gente tivesse fazendo uma barbaridade. Se eu tivesse dizendo que o presidente da República, que tem a competência regulamentar infralegal não pode exercê-la para modificar, alterar ou aperfeiçoar a participação popular, realmente estaria uma coisa em contradição absoluta à Constituição. Não foi isso que eu disse"
Cármen Lúcia, ministra do STF
Mendonça, que pediu vista em 2 processos da Pauta Verde no início do mês, disse que o governo pode definir a melhor forma de participação popular, mas não excluí-la totalmente.
"Também entendo que essa participação deve primar pela eficiência. Não é uma participação a tal ponto que iniba a própria realização da política ou eficiência da política correspondente, mas participação deve haver".
Alexandre de Moraes votou com Cármen e afirmou que a Constituição considera a participação popular ao tratar de proteção ambiental. "Não há razão para se retirar a participação popular na destinação do fundo ligado ao meio ambiente", afirmou.
Governadores no Fundo Amazônia
No mesmo voto em que se posicionou para suspender o decreto do conselho do Fundo Nacional do Meio Ambiente, a ministra Cármen Lúcia disse que estenderia sua decisão contra outra medida, também do governo Bolsonaro, que excluiu os governadores do conselho da Amazônia Legal.
Esse pedido foi feito dentro da mesma ação do Fundo Nacional e estava sendo julgado paralelamente.
Neste caso, o Supremo também formou maioria para derrubar a norma, mas com placar diferente. Cármen foi acompanhada por Moraes, Lewandowski, Fachin, Roberto Barroso e Dias Toffoli. Mendonça divergiu dizendo que as partes não puderam se manifestar sobre este pedido. Nunes Marques também votou para manter a exclusão dos governadores.
"Pauta Verde"
O caso julgado hoje é parte da chamada "Pauta Verde" do STF, pacote de processos que questionam políticas públicas e omissões do governo Bolsonaro na gestão ambiental. O julgamento começou no início com 2 ações que questionavam a falta de empenho do Planalto na fiscalização e combate ao desmatamento na Amazônia.
Durante o julgamento, ministra Cármen Lúcia disse que há um "quadro estrutural" de violação a direitos ambientais e reconheceu o "estado de coisas inconstitucional" no desmatamento à Amazônia.
Nesta situação, o Judiciário reconhece a existência de contínuas violações à Constituição e passa a atuar para corrigir a situação.
A ministra votou para mandar o governo elaborar, entre outras medidas, um plano de fiscalização e combate ao desmatamento e proteção aos direitos indígenas. O julgamento das duas ações sobre desmatamento, porém, foi suspenso por um pedido de vista (mais tempo de análise) do ministro André Mendonça, indicado de Bolsonaro à Corte.
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