Topo

Cármen e Nunes Marques discutem no STF sobre decreto ambiental de Bolsonaro

Em voto, Cármen Lúcia disse que mudança violou princípio que impede retrocessos em políticas ambientais - Rosinei Coutinho/STF
Em voto, Cármen Lúcia disse que mudança violou princípio que impede retrocessos em políticas ambientais Imagem: Rosinei Coutinho/STF

Paulo Roberto Netto

Colaboração para o UOL, em Brasília

07/04/2022 16h26Atualizada em 07/04/2022 21h47

A ministra Cármen Lúcia e o ministro Nunes Marques, ambos do STF (Supremo Tribunal Federal), discutiram hoje durante a sessão sobre o decreto do presidente Jair Bolsonaro (PL) que esvaziou o conselho do FNMA (Fundo Nacional do Meio Ambiente).

A troca de farpas ocorreu quando o julgamento contava com 4 votos para suspender a medida. Primeira a votar, Cármen disse que a medida era "antidemocrática" por excluir os representantes da sociedade civil do órgão.

Nunes Marques, porém, divergiu. Segundo o ministro, como a lei não determina a participação popular no conselho do FNMA, a decisão do Supremo poderia tornar essa exigência obrigatória, trazendo reflexos no futuro.

"Repristinar um decreto que por opção política do passado previa a participação popular em um conselho é, na prática, impor essa participação direta como instrumento mínimo de democracia direta sem que haja essa exigência constitucional", disse.

Cármen pediu a palavra para discordar do colega. Relatora, a ministra falou que seu voto não abre nenhum precedente para impedir o presidente de mudar o conselho. "Isso não existe no meu voto e até onde pude compreender, dos outros 3 votos exarados, isso em nenhum momento foi cuidado", afirmou.

"Essas situações são perigosas porque quando se expõe isso, se expõe quem votou até agora como se a gente tivesse fazendo uma barbaridade. Se eu tivesse dizendo que o presidente da República, que tem a competência regulamentar infralegal não pode exercê-la para modificar, alterar ou aperfeiçoar a participação popular, realmente estaria uma coisa em contradição absoluta à Constituição. Não foi isso que eu disse".

Cármen Lúcia, ministra do STF

A sessão foi encerrada com 4 votos para suspender o decreto de Bolsonaro. Além de Cármen Lúcia, votaram neste sentido os ministros Ricardo Lewandowski, André Mendonça e Alexandre de Moraes.

Mendonça, que ontem pediu vista em 2 processos da Pauta Verde, disse que o governo pode definir a melhor forma de participação popular, mas não excluí-la totalmente.

"Também entendo que essa participação deve primar pela eficiência. Não é uma participação a tal ponto que iniba a própria realização da política ou eficiência da política correspondente, mas participação deve haver".

Alexandre de Moraes votou com Cármen e afirmou que a Constituição considera a participação popular ao tratar de proteção ambiental. "Não há razão para se retirar a participação popular na destinação do fundo ligado ao meio ambiente", afirmou.

Esvaziamento de colegiado

A ação foi movida pela Rede em fevereiro de 2020 e acusa o governo Bolsonaro de esvaziar o conselho deliberativo do FNMA, retirando representantes da sociedade civil e determinando que a composição fosse apenas de nomes escolhidos pelo próprio governo.

O conselho do FNMA é responsável por direcionar recursos para políticas públicas e projetos ambientais.

"O orçamento [do Fundo] poderia ser destinado de maneira exemplar para projetos e preservação, mas o que acontece é que esse dinheiro não é gasto, volta para a contingência do Ministério do Meio Ambiente enquanto vemos índices cada vez mais alarmantes de devastação ambiental", afirmou o advogado Luiz Carlos Ormay Júnior, que falou pela Rede.

Ao Supremo o advogado-geral da União, Bruno Bianco, responsável pela defesa do governo, disse que a alteração foi uma "opção política" do Executivo que deveria ser respeitada. Segundo Bianco, uma alteração pelo Judiciário seria uma interferência.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, adotou a mesma posição e afirmou que cabe ao presidente escolher a composição do órgão. O PGR também disse que é preciso "cautela" sobre o tema ao comentar sobre ONGs que atuam na Amazônia.

"Não é despiciendo lembrar, que há 5 anos em um levantamento feito pela imprensa e órgãos oficiais, havia no Brasil 3.300 ONGs conhecidas. Três mil na Amazônia", disse Aras. "Este fato nos impõe uma certa cautela para que os interesses nacionais, para que a soberania nacional seja, numa democracia substantiva que tanto desejamos, preservada, garantida e defendida por toda a sociedade e pelo Estado por meio de suas instituições".

Governadores no Fundo Amazônia

No mesmo voto em que se posicionou para suspender o decreto do conselho do Fundo Nacional do Meio Ambiente, a ministra Cármen Lúcia disse que estenderia sua decisão contra outra medida, também do governo Bolsonaro, que excluiu os governadores do conselho da Amazônia Legal.

Esse pedido foi feito em um novo pedido dentro da mesma ação do Fundo Nacional. Neste caso, Cármen foi acompanhada por Moraes e Lewandowski. Mendonça divergiu dizendo que as partes não puderam se manifestar sobre este pedido.

"Pauta Verde"

O caso julgado hoje é parte da chamada "Pauta Verde" do STF, pacote de processos que questionam políticas públicas e omissões do governo Bolsonaro na gestão ambiental. O julgamento começou na semana passada com 2 ações que questionavam a falta de empenho do Planalto na fiscalização e combate ao desmatamento na Amazônia. A discussão será retomada na próxima sessão, no próximo dia 20.

A ministra Cármen Lúcia disse ontem que há um "quadro estrutural" de violação a direitos ambientais e reconheceu o "estado de coisas inconstitucional" no desmatamento à Amazônia.

Nesta situação, o Judiciário reconhece a existência de contínuas violações à Constituição e passa a atuar para corrigir a situação.

A ministra votou para mandar o governo elaborar, entre outras medidas, um plano de fiscalização e combate ao desmatamento e proteção aos direitos indígenas. O julgamento, porém, foi suspenso por um pedido de vista (mais tempo de análise) do ministro André Mendonça, indicado de Bolsonaro à Corte.