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Em ano eleitoral, RJ tem folha de pagamento secreta de 18 mil cargos

Cláudio Castro em inauguração de unidade do projeto Casa do Trabalhador, na zona norte do Rio - Divulgação/Governo do Estado do Rio
Cláudio Castro em inauguração de unidade do projeto Casa do Trabalhador, na zona norte do Rio Imagem: Divulgação/Governo do Estado do Rio

Ruben Berta

Do UOL, no Rio

30/06/2022 04h00

O governo do Rio de Janeiro está usando um órgão público de pesquisa e estatística para contratar, sem transparência, mais de 18 mil pessoas. O UOL apurou que parte desses postos serve para abrigar apadrinhados de aliados políticos do atual governador e pré-candidato, Cláudio Castro (PL).

Os nomes desses funcionários da Fundação Ceperj (Centro Estadual de Estatísticas, Pesquisas e Formação de Servidores Públicos) não são publicados em Diário Oficial e tampouco aparecem em documentos disponíveis para consulta. Fontes relataram que pagamentos de salários ocorrem na boca do caixa do banco Bradesco —que paga servidores do RJ— sem sequer um contracheque.

A estimativa da quantidade de cargos (18.188) foi feita pelo UOL com base em tabelas que constam no sistema eletrônico de processos administrativos do governo fluminense relativas a oito projetos tocados pela fundação desde agosto do ano passado.

Essas iniciativas, que abrangem áreas como esporte e qualificação profissional, devem consumir ao menos R$ 625 milhões até o fim do ano —o valor envolve salários e outros custos dos projetos. O governo do Rio se recusou a informar o valor dessas folhas de pagamento.

Procurada, a Ceperj não contestou a criação das mais de 18 mil vagas e negou o uso político dos cargos. Segundo a fundação, "os profissionais são selecionados através de análise curricular por especialidade/especificidade, processo seletivo, chamada pública e através do banco de talentos".

Sobre a falta de transparência, a Ceperj afirmou que, "no caso de contratados, sem vínculo empregatício, e por não se tratar de CLT [funcionários com carteira de trabalho assinada], não há previsão de publicação referente aos nomes dos profissionais selecionados".

RJ oculta lista de contratados e salários

O UOL mapeou ao todo 13 projetos da Ceperj em parceria com órgãos do governo do Rio —em apenas oito deles contratações foram informadas nos processos administrativos.

Em março, a reportagem pediu ao governo fluminense, com base na LAI (Lei de Acesso à Informação), que fossem informados todos os nomes e salários de contratados de nove projetos da Ceperj. O pedido foi negado em todas as instâncias do governo (leia mais a seguir).

Os contratados para os projetos da Ceperj tampouco aparecem em site do governo que atualmente informa os nomes e salários de todos os funcionários concursados e com cargos comissionados nos últimos 12 meses.

Em processos administrativos públicos, há documentos que indicam que a fundação possui os dados compilados sobre os funcionários, mas que circulam apenas internamente.

Em um ofício de janeiro em que solicita a liberação de verbas para um projeto, uma coordenadora da Ceperj diz que "os dados para processamento de pagamento serão enviados por e-mail para a Coordenadoria de Recursos Humanos". A mensagem eletrônica não está disponível publicamente.

Documentos também mostram dificuldade de contratados em comprovar o trabalho. Uma funcionária do projeto Esporte Presente RJ pediu neste mês seus contracheques à ouvidoria da Ceperj. A resposta foi que o comprovante de pagamento disponível "é o canhoto entregue pelo banco no momento do saque" (veja abaixo).

Documento da Fundação Ceperj cita canhoto bancário como comprovante de pagamento de funcionários - Reprodução - Reprodução
Documento da Fundação Ceperj cita canhoto bancário como comprovante de pagamento de funcionários
Imagem: Reprodução

O documento confirma relatos de fontes ao UOL de que os salários são recebidos na boca do caixa, no Bradesco, o que inclusive tem sobrecarregado agências nas datas de pagamento da fundação.

Por meio de nota, a Ceperj disse que, no fim de seus contratos, os funcionários recebem um "comprovante de rendimento".

Ex-governador relata oferta de cargos por Castro

Os dois projetos da Ceperj com o maior número de cargos, de acordo com tabelas de planejamento localizadas pelo UOL, são o Casa do Trabalhador e o Esporte Presente RJ, com 9.000 e 6.000 funcionários respectivamente.

O primeiro é formado por núcleos espalhados pelo estado para oferecer serviços de apoio à inserção no mercado de trabalho. O outro oferece aulas de esporte gratuitas, de diversas modalidades. Conforme mostrou reportagem do UOL, o Esporte Presente RJ tem indícios de superfaturamento de mais de R$ 39 milhões na comparação com outro projeto semelhante do próprio governo.

O ex-governador do Rio Anthony Garotinho (União Brasil) relatou que Cláudio Castro ofereceu a ele cargos desses dois projetos em troca de apoio político.

Garotinho afirmou que, em reunião recente no Palácio Guanabara, Castro ofereceu a ele um total de 520 postos —sendo 280 da Casa do Trabalhador e 120 do Esporte Presente RJ.

O acordo não aconteceu e Garotinho, que pretendia inicialmente ser candidato a deputado federal, agora tenta concorrer ao governo do RJ, o que ainda depende do aval da Justiça.

Em nota, a Ceperj afirmou que desconhece qualquer oferta de cargos ao ex-governador.

Fornecer dados prejudicaria famílias, diz Ceperj

Ao negar pedido de acesso a informações, via LAI, feitos pelo UOL, Thiago Larangeira, responsável pela área que cuida das contratações da Ceperj, alegou que o fornecimento dos dados não seria possível "sem comprometer o andamento das atividades rotineiras do setor". A mesma linha foi reforçada pelo presidente da Ceperj.

Gabriel Lopes considerou o pedido inviável, afirmando que poderia informar "um ou outro nome, de um ou outro projeto", mas não a lista completa porque o fornecimento levaria à "paralisação de toda a fundação por cerca de muito e muito tempo". "Quantas pessoas, famílias, sofreriam com tal decisão [de envio das informações pedidas] de fato é incalculável", completou.

A palavra final veio em 19 de maio, quando a CGE (Controladoria-Geral do Estado) negou o pedido. O órgão usou outra justificativa —a de que não havia um período especificado na solicitação, que tratava de todos os contratados dos projetos com salários pagos até então.