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Estudante de direito fiscaliza obras de R$ 300 milhões do governo do RJ

Obra em Petrópolis é uma das fiscalizadas pela estudante de direito Monyque Valim de Oliveira - Divulgação/Secretaria Estadual de Infraestrutura e Obras do Rio
Obra em Petrópolis é uma das fiscalizadas pela estudante de direito Monyque Valim de Oliveira Imagem: Divulgação/Secretaria Estadual de Infraestrutura e Obras do Rio

Ruben Berta

Do UOL, no Rio

17/06/2022 04h00

Uma estudante de direito de 27 anos comanda a fiscalização de obras do governo do Rio de Janeiro que somam R$ 300 milhões.

Levantamento feito pelo UOL em diários oficiais mostra que Monyque Valim de Oliveira foi escolhida desde o início do ano passado como gestora de 21 contratos. Na função, ela lidera comissões com outros três integrantes que precisam verificar os trabalhos para que os pagamentos sejam liberados.

Na teoria, as equipes de fiscalização checam os custos, mão de obra e materiais usados, além de apurar detalhadamente o andamento dos projetos e detectar indícios de problemas no decorrer das obras. Na prática, porém, fontes relataram ao UOL que boa parte dos relatórios das comissões têm se limitado a ratificar materiais produzidos pelas próprias empresas envolvidas nas obras.

Especialistas em administração pública relataram à reportagem que, para a coordenação da fiscalização, a formação ideal seria de engenharia, uma vez que as questões relativas às obras são de ordem técnica.

Procurada, a Secretaria Estadual de Obras e Infraestrutura afirmou que a atuação de Monyque "condiz com sua qualificação profissional e experiência adquirida no decorrer das suas atividades desenvolvidas na pasta, que vêm desde as gestões passadas, quando houve a sua nomeação".

A pasta disse ainda que "a funcionária trabalha sob a supervisão da superintendente administrativa e do subsecretário de Obras, que analisam todas as suas atividades e ratificam ou não os relatórios emitidos". Já a estudante afirmou que "os relatórios de obras são analisados por fiscais que têm conhecimento técnico e expertise para análise dos documentos".

"Diante da investigação e do estudo elaborados por eles, a gestão realiza os trâmites administrativos", afirmou a assessoria de imprensa da funcionária, acrescentando que ela fez curso de Gestão e Fiscalização de Contratos e em Estrutura Organizacional e Gestão de Processos.

Primeiro cargo público

Estudante de direito da Universidade Estácio de Sá, Monyque é funcionária comissionada da Secretaria de Obras e Infraestrutura desde janeiro de 2020, quando foi nomeada como ajudante no setor logístico da pasta.

Em julho passado, um mês após o deputado estadual Max Lemos (Pros) ter assumido a pasta, ela foi promovida ao cargo de assessora do programa Comunidade Cidade, criado na gestão de Wilson Witzel para a realização de obras em favelas, mas extinto pelo governador Cláudio Castro (PL).

Atualmente, é assessora da Subsecretaria de Obras e Projetos.

A reportagem não localizou nenhuma experiência prévia da estudante no setor público ou na área de obras. Em sua página no LinkedIn, ela diz ter sido estagiária em um escritório de advocacia e em uma empresa de terceirização de serviços.

Apesar de não ter oficialmente este cargo, Monyque se apresenta na rede social como coordenadora de contratos e gestão da Secretaria de Obras e Infraestrutura.

Atualmente, segundo o Portal da Transparência do governo do Rio, seu salário é de R$ 8.500.

Em paralelo, a estudante é sócia do IGPE (Instituto de Gestão Política e Eleitoral), criado em novembro, com sede em Brasília.

A estudante Monyque Valim de Oliveira se apresenta como coordenadora de eventos do IGPE - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
A estudante Monyque Valim de Oliveira se apresenta como coordenadora de eventos do IGPE
Imagem: Reprodução/Instagram

Em sua página no Instagram, a entidade diz que promove cursos e palestras para candidatos, partidos, prefeituras e câmaras municipais, além de pesquisas eleitorais, de opinião e de mercado.

Questionada sobre eventual conflito entre o trabalho eleitoral e a função no governo, a Secretaria de Obras afirmou que não tem conhecimento "sobre o assunto de cunho pessoal da referida profissional". Já Monyque disse que "o IGPE é uma empresa particular, educacional e não tem nenhum vínculo com qualquer pessoa ligada à secretaria".

Contrato de R$ 80 milhões

No governo do Rio, o último contrato para o qual Monyque foi nomeada como gestora, em 27 de maio, é o de maior valor até então sob sua responsabilidade: R$ 80 milhões em obras emergenciais ao longo da rua Teresa, em Petrópolis, na região serrana, castigada pelas chuvas que atingiram a cidade em fevereiro.

Esse contrato, com a empresa Geologus, conforme mostrou reportagem do UOL, faz parte de um pacote de obras sem licitação tocadas por empreiteiras que se apresentaram como "voluntárias" logo após a tragédia. Ao todo, R$ 188 milhões estão sendo destinados a cinco firmas sem que houvesse uma pesquisa com outros possíveis concorrentes.

Questionamentos internos

Entre os relatórios de fiscalização assinados pela estudante, ao menos um já gerou questionamentos dentro da própria Secretaria de Obras: o da construção de um hospital para pacientes com covid-19, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, que teve custo total de R$ 62 milhões.

A unidade foi inaugurada em abril do ano passado por Cláudio Castro após uma série de atrasos.

Um relatório de junho não aprovou documentos enviados pela Metalúrgica Big Farm para o repasse de cerca de R$ 9 milhões, segundo destaca um parecer da assessoria jurídica da pasta.

No entanto, dois meses depois, uma nova comissão de fiscalização, liderada por Monyque, mudou completamente o entendimento: atestou que a empresa "cumpriu as obrigações contratuais e prestou serviço com a qualidade esperada".

A assessoria jurídica não localizou, contudo, anexos que embasassem a comprovação dos serviços. O parecer liberou, em novembro, o prosseguimento do pagamento, mas recomendou que fosse feita uma análise do caso pela CGE (Controladoria Geral do Estado) para que fossem checados os custos envolvidos no projeto.

A assessoria de imprensa da Secretaria de Obras não comentou o parecer que tratou da diferença entre os relatórios.

Monyque afirmou que seu posicionamento sempre foi o mesmo: "pagar o que foi realizado, e o que não foi seguirá sem pagamento". Ela disse ainda que "nunca perdeu nenhum prazo" e que "os serviços dela ou da equipe nunca foram questionados por órgãos reguladores como o TCE [Tribunal de Contas do Estado] e o Ministério Público".