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Bilhões em verbas: as denúncias de corrupção envolvendo o orçamento secreto

Ao lado de Ciro Nogueira, Bolsonaro é cumprimentado por Arthur Lira na convenção do PP que oficializou apoio à tentativa de reeleição do presidente  - Adriano Machado/Reuters
Ao lado de Ciro Nogueira, Bolsonaro é cumprimentado por Arthur Lira na convenção do PP que oficializou apoio à tentativa de reeleição do presidente Imagem: Adriano Machado/Reuters

Gabriel Dias

Colaboração para o UOL

30/09/2022 14h36Atualizada em 30/09/2022 14h38

O orçamento secreto é o sistema criado em 2020 a partir de um acordo entre o governo Jair Bolsonaro e o Congresso Nacional para que uma parte significativa das verbas federais seja administrada por deputados e senadores. É uma mudança drástica no modo como o dinheiro público é usado, porque torna o processo menos transparente, sem uma prestação de contas clara, e menos planejado. Por isso, muito mais sujeito a esquemas de corrupção.

Quem administra essa verba secreta é o relator, hoje o deputado Hugo Leal (PSD-RJ), em acordo com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) —PP e PSD são partidos que formam o chamado centrão, conhecido por apoiar o presidente em exercício mediante cargos em ministérios ou acesso à verba pública.

Até 2020, deputados e senadores podiam destinar recursos para seus redutos eleitorais por meio das emendas parlamentares individuais, de comissão e de bancada, em um processo mais transparente.

Agora, além das emendas já existentes, os parlamentares podem destinar verbas por meio das emendas de relator — o orçamento secreto —, com menos critérios de transparência, o que permite acordos políticos e uma distribuição que não é equânime entre os congressistas. Isso favorece quem apoia o governo e geralmente atende a critérios eleitorais.

Reportagem do UOL mostrou, por exemplo, que senadores que postulam cargo de governo têm anunciado em suas propagandas eleitorais as indicações milionárias que fizeram com verbas do orçamento secreto.

Na véspera das eleições, o Congresso liberou mais R$ 520,2 milhões, segundo dados obtidos pela TV Globo com a consultoria de Orçamento da Câmara, o que soma uma quantia seis vezes maior do que o empenhado em agosto, que foi de R$ 83 milhões.

Desde que o mecanismo foi adotado no Congresso, uma série de irregularidades foram denunciadas por apresentarem indícios de corrupção. Veja abaixo:

1. Tratores e máquinas agrícolas

O jornal O Estado de S.Paulo denunciou no dia 8 de maio de 2021 que parte do orçamento secreto estava sendo destinada à compra de tratores e equipamentos agrícolas por preços até 259% acima dos valores de referência fixados pelo governo.

O manejo sem controle de dinheiro público aparece num conjunto de 101 ofícios enviados por deputados e senadores ao Ministério do Desenvolvimento Regional e a órgãos vinculados para indicar como eles preferiam usar os recursos.

Obtidos com exclusividade pelo jornal, os documentos mostram que o governo aceitou pagar R$ 359 mil num trator a pedido do deputado Lúcio Mosquini (MDB-RO). Pelas regras normais, somente liberaria R$ 100 mil dos cofres públicos. No total, o deputado direcionou R$ 8 milhões.

Já os deputados do Solidariedade Ottaci Nascimento (RR) e Bosco Saraiva (AM) enviaram R$ 4 milhões para compra de máquinas agrícolas em Padre Bernardo (GO), cidade a cerca de 2 mil quilômetros de seus redutos eleitorais. Se a tabela do governo fosse considerada, a compra sairia por R$ 2,8 milhões.

Questionados, deputados e senadores negaram o direcionamento dos recursos ou se recusaram a prestar informações. Confrontados com ofícios assinados por eles e a planilha do governo, acabaram por admitir seus atos.

2. Caminhões de lixo

Embora seja um serviço essencial para a população, a coleta de lixo recebeu um gasto fora do padrão nos últimos anos. Nas mãos do Congresso e do governo, a compra e a distribuição de caminhões compactadores de lixo para pequenas cidades saltaram de 85 para 488 veículos de 2019 para 2021.

A distribuição desses veículos é usada por senadores, deputados e prefeitos para ganhar a simpatia e o voto dos eleitores de cidades menores e mais pobres, onde a chegada desse tipo de auxílio é visível e faz enorme diferença.

Até agora, R$ 381 milhões da verba foram para isso, com indícios de pagamentos inflados em R$ 109 milhões. A diferença dos preços de compra de modelos idênticos, em alguns casos, chegou a 30%.

Em outubro passado, por exemplo, o governo adquiriu um modelo de caminhão por R$ 391 mil. Menos de um mês depois, aceitou pagar R$ 505 mil pelo mesmo veículo.

Um município de 8 mil habitantes ganhou três caminhões compactadores num período de um ano e três meses, enquanto cidades próximas não têm nenhum.

Até um beneficiário do auxílio emergencial ganhou licitações para fornecer caminhões de lixo para o governo.

A Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba), comandada por políticos do centrão e responsável por obras e serviços em estados do Nordeste, do Norte e no Distrito Federal, negou irregularidades. O Palácio do Planalto não respondeu aos questionamentos da reportagem, nem os políticos citados.

3. Ônibus escolar

o programa Caminho da Escola foi usado para destinar dinheiro a prefeitos e estados governados por políticos do PP, revelou o Estadão. Em abril, uma licitação bilionária para a compra de ônibus rurais escolares envolveu preços superfaturados.

Os recursos saem do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), comandado por um apadrinhado do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira — também presidente do PP, que recebeu de Bolsonaro aval para controlar cargos e verbas em troca de apoio do centrão no Congresso.

O alerta para o preço fora do padrão veio de instâncias de controle e da própria área técnica do fundo, vinculado ao Ministério da Educação. Documentos do FNDE indicam que o governo aceitou pagar até R$ 567,6 mil por um ônibus que deveria custar, no máximo, R$ 361,8 mil.

No total, foram 797 veículos. Os seis estados que mais receberam ônibus são redutos de lideranças do Partido Progressistas:

  • Bahia, do ex-líder do Progressistas Cacá Leão, 296
  • Goiás, do presidente estadual do partido, Alexandre Baldy, 174
  • Santa Catarina, do senador Esperidião Amin (PP-SC), 171
  • Piauí, de Ciro Nogueira, 112
  • Paraná, do líder do governo na Câmara, o deputado Ricardo Barros, 112
  • Alagoas, base eleitoral do presidente da Câmara, Arthur Lira, 106

Em nota, a assessoria do FNDE argumentou que a CGU (Controladoria-Geral da União) acompanha todas as fases da licitação.

O Estadão revelou que a CGU, a AGU (Advocacia-Geral da União) e a área técnica do FNDE apresentaram alertas para prática de sobrepreço. Ainda assim, o presidente do FNDE, Marcelo Ponte, e o diretor Garigham Amarante assinaram despachos para que o processo seguisse.

4. Ambulâncias

O Piauí tem sido inundado por ambulâncias, várias delas distribuídas a aliados do clã Nogueira, revelou o jornal Folha de S. Paulo.

De acordo com o FNS (Fundo Nacional de Saúde), o Piauí teve propostas aprovadas para financiamentos de 123 ambulâncias no ano passado — ou seja, responde por 18% de um total de 683 para o país todo. É como se quase uma em cada cinco ambulâncias fosse para o estado. Para se ter uma ideia, Alagoas, com população parecida com a do Piauí, teve apenas 11.

O estado do ministro também teve mais repasses aprovados para a compra deste tipo de veículo do que as regiões Centro-Oeste, Norte e Sul, separadamente, em 2021.

Apenas a senadora Eliane Nogueira, mãe de Ciro, indicou R$ 8,2 milhões para compra de ambulâncias por meio do orçamento secreto, segundo prestação de contas dela — no total, as indicações somam R$ 399,2 milhões. O valor daria para comprar 33 veículos do tipo estilo furgão ou 35 picapes.

Questionado, o Ministério da Saúde afirmou que todo o recurso liberado "passa por uma rigorosa análise técnica realizada por servidores qualificados das secretarias finalísticas", e que "não existe nenhuma influência de gestores da pasta nas indicações das chamadas emendas de relator do Orçamento, o que é de competência exclusiva do Congresso Nacional".

A reportagem procurou o ministro Ciro Nogueira e a mãe dele, Eliane, mas não recebeu resposta.

5. Eleição de Lira

Recursos do orçamento secreto teriam sido usados para garantir votos suficientes para eleger o deputado Arthur Lira como presidente da Câmara, em fevereiro de 2021. Em entrevista ao site The Intercept Brasil, o deputado Delegado Waldir, do União Brasil de Goiás, disse que recebeu a promessa de R$ 10 milhões, mas que depois conseguiu usar só uma pequena parte por ter rompido com o governo.

Lira não comentou as denúncias na época. Mas, desde as primeiras críticas ao orçamento secreto, ele saiu do mecanismo.

"O orçamento não é secreto. Isso é uma inverdade que machuca constantemente a execução de um orçamento que cuida de mudar a vida das pessoas", disse Lira, em novembro do ano passado. Para ele, é legítimo o Congresso poder indicar verbas para investimentos nos municípios e estados.

6. Manipulação de números do SUS

Uma reportagem da revista piauí mostrou como municípios do Maranhão inflaram artificialmente os números de atendimento pelo SUS (Sistema Único de Saúde) para receber uma fatia maior do orçamento secreto.

No final de agosto, a Justiça Federal do Maranhão bloqueou parte desse repasse de verbas.

7. Agrados

A verba também foi usada pelo então ministro do Desenvolvimento Regional Rogério Marinho (PL) para agradar prefeitos do Rio Grande do Norte e construir um mirante ao lado de condomínio privado que ele planeja, no interior do estado.

O governador do Distrito Federal Ibaneis Rocha (MDB), aliado de Bolsonaro, também colocou R$ 7 milhões do orçamento secreto no interior do Piauí, em municípios onde ele tem extensas fazendas de gado, revelou o Estadão.

Segundo Ibanes, ele é "um político de sai da esfera do DF", com "projeção nacional, inclusive com apoio a diversas prefeituras de diversos estados do Brasil".

Marinho negou ter sido o autor dos pedidos de repasse das verbas durante uma audiência pública na Comissão de Trabalho, Administração e Serviços Públicos da Câmara Federal. Mas ao ser confrontado com os documentos em que aparece como autor, admitiu ao Estadão ter feito as solicitações. Disse então que os repasses foram solicitados à pedido de Beto Rosado (PP-RN), apesar do nome do deputado não aparecer nos documentos.

Qual é o caminho das emendas de relator - Arte/ UOL - Arte/ UOL
Imagem: Arte/ UOL