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Bolsonaro vetou mesmo o orçamento secreto? Não é bem assim

Do UOL, em Brasília

31/08/2022 10h25Atualizada em 31/08/2022 12h29

Em campanha à reeleição, o presidente Jair Bolsonaro (PL) tem sido constantemente questionado sobre o pagamento de recursos milionários sem transparência do "orçamento secreto" a parlamentares.

O chefe do Executivo sancionou neste mês, com ao menos 36 vetos, a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2023. O chefe do Executivo manteve, contudo, a previsão do pagamento dessas emendas para o ano que vem.

No debate promovido pelo UOL, em parceira com a Folha de S.Paulo, a Band e a TV Cultura, o chefe do Executivo afirmou que vetou a prerrogativa, após ter sido citado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

"Orçamento secreto: eu vetei, o Parlamento derrubou o veto. É lei", disse. Ele repetiu a declaração na saída do evento: "Falaram de orçamento secreto, mas eu não tenho nada com isso daí. Eu vetei".

Bolsonaro vetou orçamento secreto? O presidente realmente chegou a vetar por duas vezes dispositivos referentes à criação das emendas de relator para o Orçamento de 2020 e de 2021.

Nas duas ocasiões, parlamentares pressionaram o governo contra a decisão — em uma, o Congresso derrubou o veto presidencial. Na outra, fez um acordo com o Executivo para aprovar outra lei sobre o tema.

Mas, para o Orçamento deste ano e para o de 2023, Bolsonaro sancionou o projeto sem vetos relacionados ao orçamento secreto. Na prática, ele "autorizou" a manutenção do pagamento sem critérios desse dinheiro e incluiu a digital do governo na prática.

O que mudou no cenário político desde então? Foi concretizada a aliança entre Bolsonaro e partidos do centrão — inclusive a filiação dele ao PL, partido de Valdemar Costa Neto, no ano passado.

Em 2019, quando as emendas foram criadas, o chefe do Executivo não queria negociar com o Congresso — Bolsonaro foi eleito em 2018 atacando o que chamava de "velha política" e com a promessa de não lotear seu governo.

Em abril de 2020, porém, em meio à escalada da crise em sua gestão e na tentativa de evitar a abertura de um processo de impeachment, Bolsonaro passou a negociar com o centrão.

Como o centrão entrou no governo? Inicialmente, Bolsonaro cedeu a apadrinhados políticos do bloco cargos nos segundos e terceiros escalões em órgãos como o FNDE (Fundo Nacional de Educação) e o Dnocs (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas), que gerenciam verbas bilionárias da União.

Bolsonaro ajudou ainda a eleger o deputado Arthur Lira (PP-AL), condenado pelo Tribunal de Justiça de Alagoas por atos de improbidade administrativa, à Presidência da Câmara em 2021. Ele é também apontado como uma das lideranças que controlam a liberação dessas verbas.

No Senado, um dos seus principais aliados é o senador Ciro Nogueira (PP-PI), que também lidera a base na Casa. Agora, no entanto, ele o faz do Palácio do Planalto, após ter sido indicado como ministro da Casa Civil do governo, em julho do mesmo ano.

Tem prioridade na lista de parlamentares que ganham as emendas aqueles próximos a Lira e a Nogueira, que integram o grupo de aliados de Bolsonaro no Congresso e compõem o centrão. O bloco reúne cerca de 200 dos 513 deputados na Câmara dos seguintes partidos: Republicanos, PP, PL, PTB, PSD e Solidariedade.

Há, ainda, parlamentares de outras siglas que também flertam com o grupo, como do União Brasil, do MDB e de siglas nanicas, como PSC e Avante. Ou seja, na prática, esses congressistas têm um papel importante na votação de propostas.

Para aprovar que um processo de impeachment seja aberto contra um presidente, por exemplo, são necessários 342 votos favoráveis para que o processo vá ao Senado. Se o chefe do Executivo tiver uma base de 200 deputados, inviabiliza um movimento pela abertura.

O que é orçamento secreto? Existem quatro tipos de emendas:

  • Individual;
  • De bancada;
  • De comissão;
  • De relator.

A de relator, cujo código técnico é RP-9, se diferencia das demais porque é definida pelo deputado ou senador escolhido como relator-geral do Orçamento a cada ano — em negociações informais e sem critério definido para quem e para onde o dinheiro será destinado. Ganham prioridade na fila, por exemplo, políticos aliados de integrantes do governo federal (entenda mais sobre as demais emendas no gráfico abaixo).

Qual é o caminho das emendas de relator - Arte/ UOL - Arte/ UOL
Imagem: Arte/ UOL

Por que o apelido "secreto"? Além da falta de regras estabelecidas para o encaminhamento dessas verbas, não há transparência para acompanhar para qual área a emenda de relator será destinada. Assim, a fiscalização sobre a execução desse dinheiro também é dificultada.

Segundo a legislação, cabe aos ministérios definir a alocação desses recursos. Mas, na prática, os próprios parlamentares podem escolher o destino das emendas. Ou seja, há situações em que o dinheiro é enviado a uma pasta e deixa outra desamparada — a que recebe não é, necessariamente, a que mais precisa.

Por que é alvo de crítica? Pela inexistência de um mecanismo claro de monitoramento do pagamento das emendas, tampouco do destino do dinheiro ou do objetivo da ação.

Para Gil Castello Branco, presidente da Organização Contas Abertas, o uso das emendas de relator "constituem o mais promíscuo instrumento de cooptação parlamentar e de barganha política entre o Legislativo e o Executivo".

Branco afirmou que é a versão recente do mensalão. "As emendas são imorais e inconstitucionais. Além da transparência, que é fundamental e segue sem ser atendida em sua plenitude, é essencial que o STF [Supremo Tribunal Federal] exija parâmetros sócio econômicos e critérios técnicos para a distribuição desses recursos, como já determina o artigo 86 da LDO 2021", completou.

No ano passado, por exemplo, a liberação de emendas coincidiu com a votação da PEC (proposta de emenda à Constituição) dos precatórios. Às vésperas da análise, o governo Bolsonaro empenhou quase R$ 1 bilhão em emendas a deputados. Foram R$ 909,7 milhões em emendas de interesse dos deputados em apenas dois dias, a partir do orçamento secreto.

Os recursos foram empenhados pelo governo nos dias 28 e 29 de outubro, conforme levantamento da ONG Contas Abertas. O empenho é a fase em que o governo reserva o dinheiro para efetuar o pagamento. No dia da votação, 3 de novembro, foram liberados mais R$ 52 milhões em emendas.

O texto-base da PEC foi aprovado em primeiro turno no plenário da Câmara, mas com placar apertado: 312 a 144 votos. Eram necessários 308 votos. O projeto permitiu o adiamento do pagamento de parte dos precatórios devidos pela União em 2022. Pelos cálculos do Tesouro, isso geraria uma folga de R$ 44,6 bilhões.

Precatórios são títulos que representam dívidas que o governo federal tem com pessoas físicas e empresas, provenientes de decisões judiciais definitivas. Quando a decisão judicial é definitiva, o precatório é emitido e passa a fazer parte da programação de pagamentos do governo federal

Há um valor definido para o orçamento secreto? Os valores são definidos no Orçamento encaminhado pelo Executivo e votado no Congresso Nacional ano a ano. Nos últimos anos, o montante só cresceu.

  • 2019: o valor foi de aproximadamente R$ 2,7 bilhões
  • 2020: o montante previsto foi de R$ 30,1 bilhões, sendo aprovado R$ 20,1 bilhões
  • 2021: o valor proposto foi de R$ 29,1 bilhões, mas o autorizado foi de R$ 18,5 bilhões
  • 2022: orçamento secreto aprovado foi de cerca de R$ 16,5 bilhões
  • 2023: a expectativa é de que seja de R$ 19 bilhões

Então sempre existiram as emendas de relator? Sim, explicou Daniel Couri, diretor-executivo do IFI (Instituição Fiscal Independente). O que foi criado em 2019 foi a rubrica "RP9", no PLN 51/2019, que tratava da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) para 2020. Segundo Couri, o fato de terem criado o termo específico é até positivo, porque ao menos deram a identificação correta no orçamento.

Entre os principais problemas do orçamento secreto, na avaliação de Couri, estão a falta de organização estratégica para a alocação de recursos, a falta de transparência apesar da existência da rubrica e os valores exorbitantes destinados a essas emendas.

O montante é aprovado na votação da LOA (Lei Orçamentária Anual) e pode ser eventualmente vetado pelo presidente a partir da sanção do texto. "O que está por trás, na origem, não se sabe. Como, por exemplo, quem faz as solicitações. Isso propicia o apadrinhamento político. É um volume grande de recursos nas mãos de uma pessoa, do relator", completou Couri.

Quem foram os relatores do orçamento nos últimos quatro anos? A cada ano, é escolhido um relator para dar andamento ao orçamento do país.

  • Orçamento de 2020 - deputado Domingos Neto (PSD-CE)
  • Orçamento de 2021 - senador Márcio Bittar (União-AC)
  • Orçamento de 2022 - deputado Hugo Leal (PSD-RJ)
  • Orçamento de 2023 - senador Marcelo Castro (MDB-PI)

STF e o orçamento secreto. No ano passado, a ministra Rosa Weber, da Suprema Corte, chegou a suspender o pagamento das emendas de relator, movida, principalmente, pela falta de transparência. A magistrada depois recuou e voltou a autorizar o repasse desse dinheiro — decisão que foi referendada em plenário.

A Corte determinou então a implementação de medidas de transparência acerca do orçamento de relator. À época, o plenário deu 90 dias para que isso fosse feito. O Senado tentou estender o prazo, mas teve o pedido negado. O Senado enviou então cerca de 100 documentos com informações enviadas pelos parlamentares sobre a execução das emendas.