STJ adia julgamento sobre pedido de indenização contra família de Ustra
A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça adiou, nesta terça-feira (22), o julgamento de um pedido de indenização contra a família do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, morto em 201. O processo é movido pela família do jornalista Luiz Eduardo Merlino, torturado e assassinado pelo regime militar em 1971, aos 22 anos.
O que aconteceu
O STJ vai decidir se a família de Ustra deverá pagar R$ 50 mil à irmã e R$ 50 mil à viúva de Merlino. Essa indenização foi determinada pela Justiça de São Paulo em 2012, mas a decisão foi derrubada em segunda instância. Por isso, a família de Merlino recorreu ao STJ.
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O julgamento começou no dia 8 de agosto e foi interrompido após votos de dois dos cinco ministros da Quarta Turma. O caso foi retomado hoje, mas o ministro João Otávio de Noronha, terceiro a votar, pediu vista — mais tempo para análise. Ainda não há data para que ele volte a ser julgado.
Até o momento, o placar é de 1 voto a 1. O relator do caso, ministro Marco Buzzi, votou a favor da indenização, mas a ministra Maria Isabel Gallotti votou em sentido contrário.
A divergência é se o pedido de indenização estaria prescrito ou não, já que Merlino morreu há mais de 50 anos. Para Buzzi, pedidos de reparação por crimes da ditadura não estão sujeitos a presrição. Gallotti, no entanto, sustentou que isso só vale em ações contra o Estado, mas não contra agentes públicos, como Ustra.
Ustra chefiava o DOI-Codi, centro de repressão da ditadura em São Paulo, à época em que Merlino foi torturado e morto. Segundo concluiu a Justiça, o jornalista sofreu castigos físicos para entregar colegas do Partido Operário Comunista, que ele integrava à época.
As vítimas não esquecem o que lhes foi cometido, e seguramente ainda carregam todas elas, pelo resto de suas existências, os traumas decorrentes de cada um dos momentos de terror a que foram submetidas
Ministro Marco Buzzi, relator do caso no STJ
MPF foi a favor do pagamento da indenização
Em manifestação enviada ao STJ no início de agosto, o Ministério Público Federal defendeu que a indenização deve ser mantida. O órgão argumentou que o próprio STJ reconhece a não prescrição das ações abertas na Justiça por perseguição na ditadura, como prevê a Súmula 674 do tribunal.
A prescrição, segundo o MPF, seria "eximir o torturador de sua responsabilidade apenas pelo decurso do tempo". Na manifestação, o subprocurador-geral da República Antonio Carlos Bigonha escreveu que esses crimes abriram "uma lesão que nunca se apagará da memória, quer privada quer coletiva".
Tendo o Estado brasileiro optado pelo regime da anistia, contexto no qual os torturadores não foram punidos por seus atos, é justo que suas vítimas tragam sempre consigo o temor à represália, temor este que é contínuo e impede a fruição de qualquer prazo prescricional: a responsabilidade do devedor permanece hígida pois se renova continuamente, dia a dia
Trecho da manifestação do MPF
Jornalista foi levado a hospital já inconsciente após tortura
Merlino integrava o Partido Operário Comunista e foi torturado para que delatasse colegas de partido. Entre os procurados estava Ângela Mendes de Almeida, companheira e hoje viúva do jornalista.
Ustra e dois subordinados foram os responsáveis pelas agressões, segundo o MPF. A denúncia narra que Merlino sofreu castigos físicos por 24 horas ininterruptas.
Ustra também teria impedido que Merlino fosse atendido e só o encaminhou para o Hospital Militar do Exército já inconsciente. Lá, também barrou uma cirurgia de amputação das pernas do jornalista e, segundo o MPF, teria pedido para que deixassem ele morrer para ocultar os sinais da tortura.
Merlino faleceu em 19 de julho, em decorrência das graves lesões que as sessões de tortura provocaram. O chefe do DOI-Codi ordenou ainda a limpeza da cela onde o militante foi mantido e criou uma versão falaciosa para ocultar as causas da morte
Nota do MPF sobre a morte do jornalista em 1971